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Grevistas em férias

Como sempre, o governo deixa de descontar dias parados do funcionalismo

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h24.

Mais uma vez não aconteceu nada. Houve ameaças de figurões do governo e do próprio presidente Lula, mas não adiantou: dezenas de milhares de funcionários públicos federais em greve há quase dois meses contra a reforma da Previdência estão voltando ao trabalho sem nenhuma punição -- nem sequer o desconto dos dias parados.

Começou no INSS a senha para a moleza: o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, fechou com os grevistas um acordo segundo o qual não apenas eles não terão desconto dos dias parados como também viram aprovado um plano de cargos e salários que representará um aumento salarial de 47,11%, a ser pago em quatro parcelas aos funcionários. No mesmo dia, Lula assinou um decreto concedendo um prazo confortável para a volta dos grevistas de todas as áreas do governo ao batente e o abono de 50 dias não trabalhados aos que suspenderem o movimento.

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O direito de greve é assegurado, dentro de limites, pela Constituição, embora ainda não tenha sido aprovada legislação específica regulamentando a questão para funcionários públicos nem estejam claramente classificados os "serviços essenciais" que, segundo a Carta, não podem parar. Mesmo assim, existem normas que podem ser adaptadas para enfrentar greves abusivas na União, nos estados e nos municípios -- e pelo menos um dispositivo que permitiria tratar com firmeza funcionários federais grevistas. Veja o artigo 1o do decreto no 1480, de 3 de maio de 1995: "Até que seja editada a lei complementar a que alude o artigo 37, inciso VII, da Constituição, as faltas decorrentes de participação de servidor público federal, regido pela Lei no 8112, de 11 de dezembro de 1990, em movimento de paralisação de serviços públicos não poderão, em nenhuma hipótese, ser objeto de: I - abono (...)".

O problema com esse tipo de norma é que os governos, tolerantes até o limite da leniência, quase nunca as aplicam. Quando o fazem, acabam logo recuando e, em acordos para pôr fim às greves, fica tudo como estava. Finalmente, nas raríssimas ocasiões em que, por milagre, os governos agem com rigor, há sempre a velha e boa Justiça para livrar os funcionários -- como, aliás, ocorreu com a atual greve, durante a qual decisões judiciais obrigaram ao pagamento do salário integral de grevistas em 12 estados mesmo antes do decreto de Lula.

Greve, como se sabe, é um conflito de interesses entre duas partes -- o patrão de um lado, e os trabalhadores de outro --, e sua decretação implica riscos e conseqüências para ambas. No caso do patrão, a perda de faturamento, de participação de mercado e até, por vezes, da empresa. No caso do empregado, a perda dos dias parados e, eventualmente, do emprego. Essa verdade cristalina é familiar a milhões de trabalhadores da iniciativa privada desde que, há mais de um século, imigrantes europeus trouxeram para o Brasil o conceito de cruzar os braços para defender reivindicações. Com ela, o líder sindical Lula conviveu por muitos anos. Mesmo assim, trata-se de algo praticamente desconhecido dos servidores públicos brasileiros -- e, graças à reação do governo, pelo visto continuará sendo.

Na conversa mantida dias atrás com jornalistas políticos, Lula reclamou dessa situação. Dias depois, porém, assinaria o decreto eximindo os funcionários da punição. Assim sendo, está tudo acabando naquela velha história de sempre: greve de funcionário público no Brasil é sinônimo de férias. O servidor pára de trabalhar, a população deixa de ser atendida, o contribuinte paga o pato e, findo o movimento, lá está o salário do grevista, depositado direitinho no banco. Até quando?

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