Governador do PSL decide taxar agrotóxicos em SC e agronegócio reage
Carlos Moisés defendeu o fim da isenção de ICMS para defensivos agrícolas; em carta aberta, federação afirma que decisão leva "pânico ao campo"
João Pedro Caleiro
Publicado em 16 de agosto de 2019 às 18h33.
Última atualização em 16 de agosto de 2019 às 20h13.
São Paulo - O setor agropecuário de Santa Catarina está em pé de guerra com o governador Carlos Moisés (PSL). O motivo é o aumento de impostos para insumos agrícolas, incluindo os defensivos conhecidos como agrotóxicos .
O caso vem do final do ano passado, quando o ex-governador Eduardo Pinho Moreira (MDB) assinou o decreto 1.866 revogando a isenção do ICMS para insumos agrícolas no estado. As únicas exceções são medicamentos veterinários e vacinas.
Uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) havia prorrogado as isenções, mas só até o último dia 31 de julho. Desde então, a taxação voltou para os 17%.
Uma semana depois, no último dia 07, a Alesc aprovou um novo projeto prorrogando a isenção até o final de agosto e que aguarda sanção ou veto do governador, um crítico dos agrotóxicos.
De acordo com produtores, a volta da taxação é um golpe na competitividade de um estado onde o agronegócio responde por 30% do PIB e 66% das exportações.
Nesta sexta-feira, a FAESC (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina) divulgou uma carta aberta com duras críticas a Moisés. Eles afirmam que o governador leva "pânico ao campo" e que sua decisão reflete a ignorância de "ambientalistas de apartamento".
Carlos Moisés nunca havia concorrido a um cargo político antes das eleições do ano passado. Apesar de ser do partido do presidente Jair Bolsonaro, ele tem se colocado em oposição a várias de suas pautas.
Em entrevista para a Folha de São Paulo publicada na última quarta-feira (14), Moisés defendeu a sua decisão de retomar os tributos sobre os defensivos agrícolas:
"É comprovado que causam problemas de saúde e doenças. Aplicar isenção sobre agrotóxico é uma excrescência política, jurídica, é uma irresponsabilidade de gestão. Qualquer pessoa que raciocine um pouco, que saia do padrão mediano, vai entender que não se pode incentivar o uso", disse ele.
Moisés destaca que o impacto no preço final dos produtos agrícolas será apenas de 2% a 3%, de acordo com um estudo do Ministério Público.
O governador também disse que os produtores orgânicos estão "um pouco abandonados" no estado e que se necessário iria buscar esse tipo de produtor em casa.
Sua administração também vem destacando que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do estado define que a renúncia fiscal deverá ser reduzida de 25% para 16% da receita bruta de impostos até 2022.
EXAME tentou contato com o gabinete do governador e seu posicionamento será incluído na matéria assim que for recebido.
A FAESC aponta, por meio de assessoria, que as articulações políticas continuam para que o caso tenha uma solução em breve.
Leia, abaixo, a íntegra da carta aberta da FAESC ao governador de SC:
“Carta aberta da FAESC ao Governador Moisés
Estamos vivendo uma curiosa situação: o Brasil e o Mundo consomem nossos produtos e reconhecem a agricultura catarinense como avançada, sustentável e essencial para alimentar boa parte do Planeta. No contrafluxo dos fatos, o governador de Santa Catarina Carlos Moisés da Silva lança dúvidas sobre esse importante setor, ofendendo centenas de milhares de catarinenses que vivem direta ou indiretamente da agricultura e do agronegócio.
O mandatário desorganiza o mercado, desestrutura amplas cadeias produtivas, anula a competitividade do produto catarinense e leva pânico ao campo ao decidir – sem nenhuma análise de impacto social e econômico – aumentar a tributação de todos os insumos agrícolas de zero a 17% (única exceção: medicamentos veterinários e vacinas). Isso representa um golpe mortal para atividades essenciais como o cultivo de lavouras, a criação intensiva de animais e a produção de leite.
A posição do Governador não tem sustentação na realidade, nem na ciência. É fruto – como ele tem manifestado – de uma convicção pessoal. Mas, também é reflexo da ignorância sobre o universo rural barriga-verde e do mais profundo desconhecimento de um dos setores que, nas últimas décadas, tornou-se a locomotiva da economia estadual.
Governador Moisés, o Senhor está prestando um grande desserviço ao povo catarinense. O Senhor não pode subordinar a realidade dos fatos as suas pueris convicções pessoais. Por favor, estude melhor o assunto antes de opinar de forma irresponsável. Chame e ouça os técnicos da Cidasc, da Epagri, da Embrapa, das Universidades.
É constrangedor perceber que nem o altissonante fato do agronegócio responder por 70% das exportações catarinenses sensibiliza o governador para uma conduta responsável e proativa em relação ao campo. Por isso, é lamentável – mas também é indesculpável – que a maior autoridade pública de Santa Catarina desconheça a magnífica estrutura de produção de alimentos que é a agricultura catarinense.
Como reiteramos várias vezes, a agricultura praticada em Santa Catarina é uma atividade orientada pela ciência e tecnologia. A produção de grãos, carnes, leite, mel, frutas, peixes, flores etc. – tudo é balizado pelo conhecimento científico. Esse saber resulta de pesquisas desenvolvidas em universidades, grandes empresas privadas, centros estatais de pesquisas, enfim, em muitos núcleos de geração do conhecimento no Brasil e no exterior.
Todos os insumos agrícolas resultam da pesquisa científica. Não há uso exagerado de nenhum desses insumos – por exemplo, uso intensivo de defensivos – simplesmente porque seria caro, desnecessário e irracional. E a agricultura precisa ser 100% racional para ser, ao mesmo tempo, ambientalmente perpétua e sustentável e, comercialmente, viável.
A desinformação do Governador o faz acreditar que a agricultura catarinense emprega “muito veneno”. Essa falácia capciosa aliada ao desconhecimento move o mandatário a taxar os insumos agrícolas para o uso de defensivos (como os agrotóxicos) e, assim, hipoteticamente “diminuir o envenenamento do meio ambiente”. Esse discurso é próprio de quem nunca colocou o pé na zona rural, não tem a mínima noção do que vem a ser a atividade agrícola. Esses ambientalistas de apartamento ignoram a luta dos produtores e empresários rurais para viabilizar uma atividade com centenas de variáveis imprevisíveis e incontroláveis como o clima, o mercado, as pragas, o excesso de normas e regulação e as decisões de política agrícola e econômica que sempre afetam o setor primário.
A agricultura catarinense é avançada, sustentável, limpa, mantenedora de milhares de empregos e exportacionista. Conjugada com sua co-irmã, a agroindústria, constitui uma longa cadeia produtiva geradora de riquezas e de ampla tributação. Expressão dessa realidade é a posição que Santa Catarina conquistou nas últimas sete décadas como:
– Maior produtor e exportador de carne suína do Brasil;
– Segundo maior produtor e exportador de carne de frango do País;
– Primeiro produtor nacional de maçã, cebola, pescados, ostras e mexilhões;
– Segundo produtor nacional de arroz, tabaco, pera, pêssego e alho;
– Terceiro produtor nacional de erva-mate e mel;
– Maior exportador de mel do Brasil;
– Quarto produtor nacional de leite, uva, cevada e palmito;
– Quinto maior produtor de trigo.
Senhor governador, os efeitos de sua conduta são deletérios. No plano psicossocial, o Senhor está começando a gerar dúvida na mente de consumidores sobre a qualidade de nossos produtos, afetando o nível de confiança do público. No plano econômico, o aumento de impostos que o Senhor pretende impor a todos os insumos agrícolas (algo que nenhum país já fez) só trará efeitos negativos como:
– A majoração dos custos de produção no campo;
– A redução da produtividade média das lavouras e dos plantéis;
– A perda da competitividade dos produtos agrícolas catarinenses nos mercados nacional e internacional;
– A inflação dos alimentos com aumento do custo de vida;
– Queda da arrecadação estadual, pois os insumos serão adquiridos em outros Estados onde não há tributação;
– Desemprego e empobrecimento da população.
Governador, o Senhor tem direito as suas convicções pessoais. Entretanto, em face de suas responsabilidades no exercício do cargo, essas opiniões não podem destruir um importante setor da economia e infelicitar milhares de catarinenses.
Florianópolis, 16 de agosto de 2019.
FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA (FAESC)
José Zeferino Pedrozo
Presidente”