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Federação em crise

Com tanto engessamento financeiro, para que serve um governador de estado?

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h40.

Os obstáculos à reforma tributária, que avança com arrancos de cachorro atropelado, vêm em grande parte do aperto financeiro de estados e municípios diante da crescente concentração de tributos em mãos da União. Ela se dá por meio do artifício, recente na história do país, das "contribuições", tributos federais que, ao contrário dos principais impostos, como o sobre a renda (IR) e o sobre produtos industrializados (IPI), o governo federal não compartilha com as demais unidades da Federação.

Desde a Constituição de 1988, com mudanças de alíquotas e outros expedientes, tem sido avassalador o crescimento do peso das contribuições no bolo tributário. Em 1989, primeiro ano de vigência do sistema tributário criado pela nova Carta, elas equivaliam a 25% do valor arrecadado com o IR e o IPI. Durante os oito anos do governo FHC (1995-2003), atingiram 68%. Nos primeiros seis meses da gestão Lula, já bateram nos 81%.

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Não é de estranhar, pois, o que indicam números levantados pelo deputado e ex-ministro da Fazenda Francisco Dornelles (PP-RJ) sobre quem ficou com o que no processo de aumento de carga tributária ocorrido de 1988 para cá -- um salto leonino de 22% para 36% do PIB. Desses 14 pontos percentuais adicionais, pouco mais de 3,5 passaram a engordar os cofres dos municípios, pouco menos de 3,5 os dos estados e do Distrito Federal -- e 7 pontos percentuais inteirinhos rumaram para as burras da União.

"Estamos assistindo à mais séria crise já vivida no país em relação à governabilidade dos estados e dos municípios", alertou o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB). Brasília, lembrou, engole 64% de tudo que o brasileiro paga de impostos, cabendo 23% aos estados e 13% aos municípios. "Jamais houve na história do país concentração tão grande."

Deixando de lado os prefeitos (embora a situação dos municípios não seja muito diferente), o fato é que estamos diante de um sério problema político: homens e mulheres que dirigem estados muitas vezes equivalentes a países inteiros, com territórios, populações e problemas imensos -- os governadores --, cada vez mais se vêem reduzidos a ficar de pires na mão em Brasília, diante de burocratas não eleitos, para conseguir programas que, não fosse o confisco federal, poderiam ser financiados por recursos próprios.

A isso se somam, para os governadores, as vinculações de receitas, previstas na Constituição Federal, nas constituições estaduais ou em lei. De tudo que um estado arrecada, 25% precisam obrigatoriamente ser destinados à educação, 12% à saúde e, dependendo do estado, 13% ao pagamento da dívida com a União, renegociada durante o período FHC. Do restante, é necessário fazer repasses aos municípios, pagar o funcionalismo e os fornecedores, tocar a máquina do estado, quitar precatórios (dívidas reconhecidas pela Justiça)... A lista é longa. Sobra pouquíssimo para investir -- quando não falta.

Esse engessamento conduz a perguntas que colocam em questão o próprio sistema federativo tal como é: com essas limitações intransponíveis, para que serve um governador de estado? Em que medida um aspirante ao cargo com uma proposta de mudança, mesmo que apoiado pela esmagadora maioria do eleitorado, pode alterar os rumos de um estado, alterar prioridades, ser efetivamente diferente de seus antecessores? Daí se compreende a proposta feita por FHC em entrevista à Folha de S.Paulo: uma espécie de miniconstituinte a partir de 2007 que permitisse rearrumar a Federação, redefinindo encargos e recursos de União, estados e municípios.

Talvez seja o caminho ideal para o país. Mas... haja coragem!

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