Economia

Em emergência por coronavírus, BC dos EUA anuncia corte surpresa de juros

O movimento veio antes mesmo da reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) de 17 a 18 de março

Jerome Powell, presidente do Fed. Dezembro de 2018. Foto: Andrew Harrer/Bloomberg (Andrew Harrer/Bloomberg)

Jerome Powell, presidente do Fed. Dezembro de 2018. Foto: Andrew Harrer/Bloomberg (Andrew Harrer/Bloomberg)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 3 de março de 2020 às 12h12.

Última atualização em 3 de março de 2020 às 18h47.

São Paulo — O Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, anunciou nesta terça-feira (03) um corte emergencial de 0,50 ponto percentual na taxa de juros americana,  que foi para a faixa de 1% a 1,25%, para conter o potencial estrago do surto de coronavírus no país. O movimento veio antes mesmo da reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) de 17 a 18 de março.

A decisão antecipada foi unânime entre os formuladores de política monetária e reflete a urgência com a qual a autoridade sente que precisa agir para evitar a possibilidade de uma recessão global.

"Os fundamentos da economia dos EUA permanecem fortes. No entanto, o coronavírus apresenta riscos crescentes para a atividade econômica. À luz desses riscos e em apoio ao cumprimento de suas metas de máximo emprego e estabilidade de preços, o Comitê Federal de Mercado Aberto decidiu hoje reduzir a meta" para a taxa de juros, afirmou o Fed em comunicado.

Economistas já contavam com essa possibilidade. Na sexta-feira (28), Jerome Powell, chefe da instituição, deixou a porta aberta para isso. Sua declaração foi seguida, nesta segunda, por falas semelhantes dos bancos do Japão e Reino Unido.

Após o anúncio de hoje, o presidente americano Donald Trump pediu ainda mais cortes em publicação no Twitter. Ele escreveu que o "o Federal Reserve está cortando (os juros), mas deve abrandá-los mais e, ainda mais importante, entrar na linha dos outros países. Não estamos jogando em um campo nivelado. Não é justo com os EUA. É hora de o Federal Reserve liderar. Mais cortes!".

Para acalmar os ânimos no Brasil, o Banco Central divulgou uma nota no início da noite desta terça dizendo que monitora atentamente os impactos do surto de coronavírus nas condições financeiras e na economia brasileira e que as próximas duas semanas permitirão uma avaliação mais precisa dos efeitos do surto de coronavirus na trajetória prospectiva de inflação no horizonte relevante de política monetária.

A instituição destaca que, no último Copom, o 15º parágrafo da Ata da 228ª reunião afirma: “O eventual prolongamento ou intensificação do surto implicaria uma desaceleração adicional do crescimento global, com impactos sobre os preços das commodities e de importantes ativos financeiros. O Copom concluiu que a consequência desses efeitos para a condução da política monetária dependerá da magnitude relativa da desaceleração da economia global versus a reação dos ativos financeiros.”

À luz dos eventos recentes, diz o BC, o impacto sobre a economia brasileira proveniente da desaceleração global tende a dominar uma eventual deterioração nos preços de ativos financeiros.

Nas últimas semanas, o temor do impacto negativo do coronavírus na economia mundial aqueceu as discussões para que os bancos centrais coloquem em ação suas ferramentas de estímulo monetário.

Nesta terça, o G7, que reúne as sete maiores economias do planeta, disse estar pronto para agir para proteger a economia global dos efeitos da epidemia e ajudar os países afetados, incluindo “medidas fiscais, quando apropriadas”.

Resta saber se tal reação será, ou não, eficaz. "A resposta depende crucialmente da identificação da natureza do choque a que foi submetida a economia: trata-se de um problema de insuficiência de demanda, ou de restrições de oferta? Como sempre, a resposta é difícil", diz Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central.

Schwartsman explica que muitos dos problemas enfrentados no momento pela economia americana apresentam características de restrições de oferta. "Há muitos anos as empresas americanas estenderam suas cadeias de suprimentos para fora do país, com forte ênfase na China, o epicentro da epidemia. Além disso, graças à modernização da logística, também reduziram significativamente o nível de estoques de partes e componentes, operando de forma “just in time” para reduzir custos".

A produção chinesa, todavia, sofreu um baque sem precedentes. Há relatos, por exemplo, que a Apple teria que adiar o lançamento do novo modelo do iPhone devido a problemas com as fabricas da FoxConn na China, destaca o economista. "Tal efeito não se limita a uma única empresa ou mesmo país, dado que a China responde hoje por cerca de 12% das exportações globais e perto de 6% do produto industrial mundial".

Contra esse fenômeno a redução de taxa de juros terá pouca, se alguma, eficácia, segundo ele. "Juros mais baixos não recomporão as cadeias de suprimentos, nem farão os trabalhadores chineses retornarem ao trabalho sem receio da epidemia", diz.

Mesmo assim, políticas de cortes de juros podem mitigar os riscos de recessão e há espaço para esse tipo de ação por parte dos bancos, defende o economista: "Não resolverão o problema, mas provavelmente será melhor ter a reação de política monetária no que não a ter", diz.

André Perfeito, economista-chefe da Necton chama o movimento do Fed de pueril, já que não deve ter efeitos maiores que a recuperação normal de uma correção, como já estava ocorrendo. "O problema hoje não é monetário e o estímulo via juros não vai ter efeitos práticos na atividade", diz.

A decisão de J. Powell não deve fazer com que o BC brasileiro siga o mesmo caminho, para Perfeito. Pelo menos não antes de ter mais evidências do efeito da crise biológica sobre a economia local: "Afinal, baixar a Selic não fará com que as fábricas voltem ao trabalho se fecharam por conta da gripe. Taxa de juros não é naldecom", diz.

Já Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que o movimento nos EUA pode ser um sinal para que o BC brasileiro corte em 0,25 ponto percentual a Selic na próxima reunião deste mês. Além disso, se houver novos cortes nos EUA, o câmbio no Brasil pode sentir com a valorização do real.

O economista nota que, após anos de mercados alavancados, o coronavírus pode ser o gatilho de algo mais grave. "Essa é a tentativa do Fed de manter as ações em alta. Lembra de certa forma as tentativas de manter o crescimento a todo custo até a crise de 2008", diz.

O grande dilema agora é que há pouco espaço adicional para política monetária. Os juros já estão em 1% e a margem para flexibilização já foi muito usada. "O risco também é que, por ser uma crise mundial, a dificuldade em cada país se retroalimenta com a do outro e podemos de fato ter algo mais grave. Não ajuda o fato de a doença estar se espalhando por etapas, ou seja, pode levar mais tempo para sair do radar. Isso piora ainda mais o cenário", diz.

(Com Reuters)

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