Economia

Após a crise, todos os países terão que se reestruturar

Professor da Universidade de Princeton acredita que EUA terão que buscar uma conta-corrente menos deficitária

José Alexandre Scheinkman (--- [])

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Da Redação

Publicado em 6 de maio de 2009 às 14h15.

O modelo baseado no consumidor americano foi posto em xeque com a crise. Essa é a visão de José Alexandre Scheinkman, professor de economia da Universidade de Princeton. Segundo ele, todas as nações serão obrigadas a passar por uma reestruturação, a começar pelos EUA, que terão de buscar uma conta-corrente menos deficitária.

O senhor acha que o pior dessa crise já passou?

  • Não gosto de fazer e não faço análises desse tipo. Acho que estamos numa crise que já está demonstrada como a pior crise desde a segunda guerra mundial em termos de duração da recessão. Há alguns indicadores que não atingiram os piores níveis desde a segunda guerra mundial, como o desemprego, por exemplo, mas em duração de recessão, essa é a mais longa desde a segunda guerra. Acho que o mais importante é entender as causas e o que pode ser feito para melhorar, do que prever quanto tempo ela vai durar.

Como o senhor avalia o comportamento da economia brasileira no meio dessa crise?

  • Como era de esperar, o Brasil, historicamente, sempre cresceu mais em períodos que a economia mundial ia bem e cresceu menos em períodos em que a economia mundial ia mal. Dessa vez, teve muita gente falando que seria diferente, que o Brasil iria escapar. Eu era muito cético com isso, porque esse descolamento nunca tinha acontecido antes. É claro que pode ter a primeira vez, mas esse nunca foi o padrão. E eu acho que o Brasil, como era de se esperar, tem sofrido, mas temos de considerar que também que estamos sofrendo muito menos do que em situações semelhantes no passado. Inegavelmente a economia brasileira está melhor. Claro que seria muito pior se o Brasil estivesse com a inflação descontrolada, se tivesse poucas reservas e necessidade de importação de capital do exterior.

Mas quem são os grandes responsáveis por esse amortecimento da crise?

  • A preparação do Brasil para essa crise, felizmente começou em 1994, com o Plano Real. Além da dominação da inflação e, depois da crise de 1999, a implementação do sistema de metas de inflação e de câmbio flexível, todas as reformas microeconômicas e a melhoria da situação fiscal levaram o Brasil a ser menos sensível a crises econômicas.

    Dá para dizer que há outros países que devem se recuperar mais rapidamente que os Estados Unidos, por exemplo?

  • É muito difícil prever isso. Em primeiro lugar, há muita incerteza sobre a efetividade das medidas adotadas pelos países ricos. Há basicamente dois modelos de ação que eles vêm tomando. Quase todos estão fazendo tudo o que podem para flexibilizar a política monetária. As taxas de juros tanto no Japão, nos Estados Unidos e na Europa desceram a muito perto de zero. Eles usaram praticamente toda a artilharia possível nesse campo. A diferença é que os Estados Unidos estão utilizando também uma política de expansão fiscal maior do que a Europa. Mas até nisso a diferença é um pouco exagerada, porque na Europa existe uma expansão fiscal automática, causada pelo fato de os Estados europeus terem um plano de seguro-desemprego mais amplo, um sistema de saúde e de aposentaria mais amplos. Por isso, quando a economia vai mal, as despesas dos Estados europeus aumentam de uma maneira a provocar uma expansão fiscal natural. Mas de qualquer modo, é verdade que os Estados Unidos estão seguindo uma política Keynesiana mais clássica que a Europa. Aí, depende da fé das pessoas nesse tipo de política.

E o senhor tem fé nesse tipo de política?

  • Há poucos episódios de recessão tão profunda na economia americana. Sou um pouco cético. Preferia que o governo gastasse com projetos que dão mais retorno social. O sistema de transporte de passageiro por ferrovias nos Estados Unidos, por exemplo, é muito inferior ao europeu. Mas como o objetivo da política fiscal é gastar rapidamente — e, como para fazer uma ferrovia nova leva tempo, pois é preciso ter projeto e conseguir uma série de aprovações —, estão gastando relativamente muito mais em estradas do que em ferrovias. E acho que os Estados Unidos precisam de menos estradas. A teoria é que o dinheiro vá sendo gasto e vá criando novos empregos. Não digo que haja uma solução fácil. É um trabalho dificílimo tirar os Estados Unidos dessa recessão. Eu respeito muito a equipe econômica do Obama. Acho que essas pessoas estão tratando de uma situação muito difícil com um arsenal que eles julgam adequado. Mas preferiria outro tipo de gasto.

Mas eles estão indo bem?

  • É muito cedo para julgar.

O senhor acha que o pacote Geithner vai funcionar?

  • Sobre esse ponto eu sou muito cético também. Tudo depende do que se entende por “funcionar”. Eu gostaria que os mercados financeiros voltassem a funcionar ao menor custo possível para o governo, ou melhor, para os contribuintes. E eu não acho que o pacote Geithner atende a esse objetivo. A idéia é transferir dinheiro para os bancos, utilizando os investidores privados para decidir quanto vai transferir e de que maneira. Basicamente vai financiar investidores privados para comprar os papéis dos bancos. O problema é saber quanto será necessário dar para esses investidores privados. Acho que uma coisa mais direta seria o governo fazer uma auditoria para identificar os bancos solventes e os insolventes, e nacionalizar os insolventes por um tempo e depois vendê-los. Seria uma maneira mais direta de fazer os bancos voltarem a funcionar.
    Fora isso, o pacote Geithner trata o problema como sendo apenas de liquidez. Parece que o governo entende que há papéis de bancos que têm certo valor, mas que, por algum motivo, as pessoas não querem comprá-los. Esse é um problema de alguns bancos, mas acho que há outros com problema de insolvência mesmo, ou seja, seus ativos não valem o que devem. O pacote Geithner foi desenhado para resolver o problema de liquidez, quando, na verdade, o problema principal é de insolvência. E o grande problema é não sabemos quem tem o problema de solvência e quem tem o de liquidez. No fundo, esperava-se que o Federal Reserve, o Banco Central americano, soubesse o problema de cada um. Mas, se sabe, não está dizendo.

Você acha que essa crise vai alterar o equilíbrio de forças no mundo?

  • Os Estados Unidos se envidaram tremendamente no período do governo Bush. O país ficou com uma baixa taxa de poupança privada, mas também uma baixa taxa de poupança pública. No governo Clinton, a taxa de poupança pública era muito maior. O Bush cortou impostos e pegou dinheiro emprestado para financiar a Guerra do Iraque. Todo país que entra num processo assim por um período longo acaba se enfraquecendo. A gente espera que a chegada do governo Obama mude isso. E o Obama reconhece necessidade de reduzir os déficits. O problema é que ele chegou ao poder numa situação de recessão, em que, em vez de reduzir déficits, terá de gastar ainda mais no curto prazo. Acho que se Estados Unidos acertarem a situação fiscal no longo prazo — se o governo atacar especialmente o déficit com saúde, que, apesar de o governo americano não ter um programa universal de saúde, tem gastos muito altos — o país continuará sendo a força econômica mais importante do mundo. Os Estados Unidos ainda são os principais produtores de tecnologia do mundo, é o país que mais gera idéias novas. É claro que se não resolverem o problema fiscal, começarão a perder poder no longo prazo.

Há outras mudanças que o senhor acredita que essa crise pode provocar?

  • O modelo baseado no consumidor americano, financiado por países como a China, está em xeque. Todos os países terão de passar por uma reestruturação. Os Estados Unidos terão de buscar uma conta-corrente menos deficitária do que têm hoje em dia. E, para isso, ou a China exportará muito menos ou terá de importar muito mais. O que não dá para continuar é o desnível como o dos últimos anos: alguns baseando seu crescimento em exportação, como a China, e outros importando tanto, como os Estados Unidos. Os americanos já estão mudando o comportamento, reduzindo o consumo e seus níveis de endividamento, que estavam mais do que exagerados. Hoje, até o americano bom pagador tem dificuldade de conseguir financiamento.

Quais são os indicadores que o senhor analisa com mais freqüência para acompanhá-la?

  • Acompanho números relacionados a desemprego, a produção, a construção civil, que é uma parte importante da crise americana. Qualquer número relacionado às atividades do sistema bancário e a queda do crédito.

    Está havendo uma melhoria ou não na atividade de crédito?

  • É difícil dizer. Ainda não é muito clara a situação dos grandes bancos americanos.

Mas o senhor tem visto números que mostram o aumento de crédito ou não?

  • O que conta realmente é o conjunto dos números. Mas, mesmo antes dos números de desemprego começarem a melhorar é possível que possamos dizer que a crise passou. Quando o sistema bancário estiver em melhor situação, por exemplo, as empresas começarão a conseguir empréstimos. O grande problema é ainda a dificuldade de avaliar a situação dos grandes bancos americanos.

Mas ainda não dá para saber a situação dos bancos?

  • Há uma desconfiança muito grande e é por isso as ações das instituições financeiras estão tão baixas. E acho que essa desconfiança não é exagerada.

E dá para saber se há países que ainda vão apresentar problemas sérios em seus sistemas financeiros?

  • A situação não está obscura só no caso dos bancos americanos, mas em várias partes do mundo. Basta olhar o que está acontecendo com os preços das ações e os spreads que esses bancos estão pagando para levantar dinheiro, para ver a grande desconfiança em relação à situação de bancos no mundo inteiro. Evidentemente há países em que o sistema financeiro está melhor, como o Brasil.

É possível saber quais bancos estão em má e quais estão em boa situação?

  • Não. Só escuto as pessoas que fazem esse tipo de avaliação. E sei que o mercado tem mais facilidade de olhar a situação financeira de alguns bancos do que de outros.
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