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Cadê o dinheiro das PPPs?

As empresas estão dispostas a investir. Agora falta o governo fazer a sua parte

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h04.

Quando o governo começou sua pregação pelas parcerias público-privadas, mais conhecidas como PPPs, imaginava-se que a grande dificuldade seria convencer a iniciativa privada a participar do projeto. Esse temor já não é empecilho. Depois de alguma hesitação inicial, os empresários estão a postos. Várias empresas já separaram até o montante de recursos que pretendem aplicar nessas obras. "Reservamos 500 milhões de dólares para a primeira etapa de licitações", afirma Antonio Kelson Filho, superintendente da subsidiária brasileira do grupo luso-espanhol Somague-Sacyr, empresa acostumada a trabalhar com esse tipo de parceria no exterior. A ALL, uma das maiores operadoras logísticas da América Latina, também oficializou o interesse na construção de um trecho de ferrovia no Paraná, estimado em 400 milhões de reais. O comando do grupo Camargo Corrêa, um dos maiores da construção pesada no Brasil, é outro que só espera pelo sinal verde do governo para realizar investimentos. "Temos interesse em vários projetos", afirma Eduardo Leite, executivo da Camargo Corrêa.

Tudo certo, então, para o início dos projetos? Não. O lado mais interessado nas PPPs e o primeiro a lançar a idéia das parcerias, o próprio governo, não conseguiu desenrolar detalhes fundamentais para que as primeiras obras saiam do papel. Apesar de a lei federal ter sido sancionada pelo presidente Lula há quase cinco meses, o governo ainda não estabeleceu todas as regras para que esse tipo de contrato possa ser assinado. A definição mais aguardada pelos investidores refere-se ao funcionamento do Fundo Garantidor. Esse fundo será uma espécie de "seguro-calote", que garantirá o pagamento do parceiro privado, caso o poder público não honre sua parte no contrato. Por causa desse e de outros contratempos, a estimativa do governo é de que os primeiros contratos de PPP sejam assinados somente no primeiro trimestre de 2006. "É preciso ter em mente que o assunto é complexo e que, quando se fala nesse paquiderme que é o governo,'de repente' pode durar meses", disse a EXAME o ministro do Planejamento, Paulo Ber nardo, responsável pela coordenação das PPPs do governo federal.

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Cinco projetos prioritários
As PPPs podem tirar do papel obras importantes para melhorar
a infraestrutura no país. Estudo mostra algumas delas, por ordem de importância
Projeto
Valor
(em reais)
O que resolve
1 - Ferroanel Norte de São Paulo
600 milhões
Novo acesso do interior paulista e do Centro-Oeste para
os portos de Sepetiba e Santos. Tira o tráfego de cargas do centro de
São Paulo
2 - Hidrovia Tapajós Teles Pires
420 milhões
Permite a exportação de parte da soja de Mato Grosso
pelo porto de Santarém, reduzindo o custo do transporte
3 - Asfaltamento da BR-163 (de Santa Helena a Santarém)
540 milhões
Diminui a viagem de Manaus a São Paulo em três dias,
beneficiando o transporte de eletroeletrônicos
4 - Ferrovia CorumbáSepetiba
1,5 bilhão
Viabiliza o escoamento da produção dos pólos siderúrgico
e químico de Corumbá e das safras de MT, MS e SP
5 - Arco rodoviário do Rio de Janeiro
400 milhões
Liga as rodovias Dutra e BR-040 à BR-101, que leva ao
porto de Sepetiba. Hoje, esse tráfego atravessa a capital fluminense
Fonte: Macrologística Consultoria de Logística e Transportes

O problema é que esse prazo não está em sintonia com a urgência de investimentos na área de infra-estrutura de transporte, como mostram as fotos que ilustram o início desta reportagem. O descaso com o setor é visível nas imagens e nos números. Entre 1975 e 2002, os investimentos declinaram de cerca de 2% para 0,2% do PIB. O resultado desse sucateamento prolongado é que o Brasil tem uma malha de transportes extremamente deficitária. Na China, por exemplo, existem 38 quilômetros de vias por 1 000 quilômetros quadrados. Nesse mesmo índice, o México conta com 57 quilômetros e os Estados Unidos com 447. O Brasil tem apenas 26. De acordo com a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), 75% das rodovias brasileiras estão em péssimo estado. No setor ferroviário, a situação também é muito desfavorável. Entre os 24 000 quilômetros de estradas de ferro existentes no país, há 16 000 cruzamentos com rodovias. Além disso, existem inúmeros trechos urbanos que cresceram junto às linhas de trens. Resultado: a velocidade média ferroviária no país é de 25 quilômetros por hora, enquanto a média no mundo é de 75.

A dimensão desse nó fica ainda mais evidente com o aumento das exportações. Num momento em que as vendas internacionais podem desempenhar um papel fundamental no crescimento do país, o investimento necessário não chega. O conflito entre cargas e passageiros faz com que a MRS Logística, por exemplo, só possa operar livremente da meia-noite às 4 horas da manhã se quiser transportar cargas entre o interior paulista e o porto de Santos, o maior do país. No restante do dia, seus trens ficam parados por 8 horas e em outro período só podem passar nos intervalos dos vagões de passageiros. Atualmente, é comum ver vagões de soja ou gipsita emparelhados a trens de passageiros na Estação da Luz, uma das principais interligações do transporte urbano paulista. Assim como a MRS Logística, muitas outras empresas são prejudicadas por problemas no transporte ou no escoamento da produção. Um estudo da consultoria Booz Allen Hamilton calcula que as empresas brasileiras percam 10 bilhões de dólares por ano em razão dos gargalos logísticos do país. Essas perdas significam menos produtividade e, portanto, menos atividade econômica -- o que é ruim para o país.

Foi com base nessa observação, a de que interesses comuns entre empresas e país são uma forte mola propulsora de crescimento, que surgiram as primeiras PPPs no mundo. O país com mais experiência nesse campo é a Inglaterra. O governo britânico começou a estudar o assunto no início dos anos 90, com o objetivo de levar a eficiência do setor privado aos serviços públicos. De 1995 até hoje, já foram assinados 617 projetos nas áreas de saúde, educação e transportes -- inclusive um sistema de integração entre a malha ferroviária local e o EuroStar, que faz ligação com a França. No Chile, num modelo mais parecido com o brasileiro, a necessidade foi incrementar a infra-estrutura de transportes. Após uma primeira fase problemática, o país conseguiu duplicar os investimentos no setor em infra-estrutura no período de 1999 a 2002. Hoje, o Chile tem 20 bilhões de dólares em projetos que podem ser realizados por meio de PPPs nos próximos dez anos. Portugal recorreu às PPPs para adequar seu sistema rodoviário às necessidades de integração na União Européia. Com as parcerias, o país praticamente triplicou sua malha rodoviária nos últimos dez anos.

Espera-se que o efeito dessa iniciativa também seja positivo no Brasil. As estimativas mais conservadoras projetam uma injeção de 35 bilhões de reais em investimentos nos próximos cinco anos. Essa soma contabiliza apenas as PPPs da União. Nos estados de São Paulo e Minas Gerais, que também preparam seus primeiros projetos, as parcerias público-privadas devem gerar outros 9 bilhões de reais em novos investimentos. Alguns projetos prioritários já foram até anunciados. No começo do mês, o ministro Paulo Bernardo anunciou cinco projetos como os primeiros a ser fechados por PPPs -- a ferrovia NorteSul, que cortará o estado de Tocantins, conectando-se à ferrovia de Carajás; a recuperação de trechos da BR-116 e BR-324, na Bahia; o Ferroanel Norte de São Paulo; o arco rodoviário do Rio de Janeiro; e o trecho ferroviário paranaense que liga as cidades de Guarapuava a Ipiranga. Agora, o governo promete soltar os primeiros editais até o final do ano. Espera-se que cumpra esse prazo, mas, a julgar pelo histórico de atrasos no cronograma, não se pode ter certeza se isso efetivamente vai acontecer.

As PPPs no mundo
As parcerias público-privadas já foram adotadas em 50 países.Veja exemplos
de onde as PPPs deram certo:
Reino Unido
Entre 1992 e 2003, os países do Reino Unido investiram 100 bilhões de dólares
em PPPs. Nesse período, foram assinados 617 projetos
Portugal
Construiu 2 000 quilômetros de estradas nos últimos dez anos, quase o triplo
dos 700 quilômetros construídos entre 1985 e 1995
Chile
De 1994 para cá, as PPPs foram responsáveis pelo investimento de 6 bilhões
de dólares em 45 projetos

Apesar dos contratempos e do atraso, ninguém duvida que as PPPs vão acontecer. Todos os 11 executivos ouvidos por EXAME nesta reportagem foram categóricos em afirmar que as parcerias sairão do papel. Será um momento importante para a história da infra-estrutura no país, mas não se pode imaginar que todos os problemas serão resolvidos. O congestionamento do porto de Santos, considerado o principal gargalo na logística de comércio exterior do Brasil, é um exemplo. Os especialistas acham que não será possível incluir a obra no programa. "Esse investimento terá de ser feito pelo poder público, pois se trata da prioridade número zero em termos de logística do país", afirma Renato Pavan, sócio da consultoria Macrologística, especializada em logística e transportes. Há outros exemplos. "Dos 50 000 quilômetros de rodovias existentes no país, apenas 3 000 têm condições de ser pedagiados", afirma Clésio Andrade, presidente da Confederação Nacional dos Transportes e vice-governador de Minas Gerais. O alerta serve para avisar que o governo não pode apostar tudo apenas nas PPPs. "Elas não serão suficientes para cobrir décadas de falta de investimento que podem nos levar a um apagão logístico nos próximos anos", diz Pavan. Mesmo assim, é preciso começá-las com urgência.

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