Bancos privados ainda pagam por cautela durante a crise
SÃO PAULO (Reuters) - Passado quase um ano e meio do pior momento da crise financeira global, os grandes bancos privados no Brasil seguem perdendo fatia no mercado de crédito para os estatais e a fatura pelo excesso de cautela continuará a ser paga ao longo de 2010. Diferentemente do previsto, gigantes como Bradesco, Itaú […]
Da Redação
Publicado em 24 de fevereiro de 2010 às 20h49.
SÃO PAULO (Reuters) - Passado quase um ano e meio do pior momento da crise financeira global, os grandes bancos privados no Brasil seguem perdendo fatia no mercado de crédito para os estatais e a fatura pelo excesso de cautela continuará a ser paga ao longo de 2010.
Diferentemente do previsto, gigantes como Bradesco, Itaú Unibanco e Santander evitaram a agressividade para retomar fatia de mercado e, a depender das previsões dos próprios bancos, o setor público continuará ganhando market share este ano.
"Os 'guidances' falam por si", disse o presidente-executivo do Itaú Unibanco, Roberto Setúbal, há duas semanas, ao ser perguntando por analistas sobre as chances de o banco retomar participação perdida para os estatais Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal durante a crise econômica global.
O maior banco privado brasileiro prevê ampliar sua carteira em até 18 por cento neste ano, após um avanço de apenas 2,4 por cento em 2009.
Já o Bradesco espera um aumento de até 25 por cento de seus financiamentos no período, bem mais que o incremento de 6,8 por cento no espaço de 12 meses encerrado em dezembro. O Santander cresceu os financiamentos em 1,7 por cento no ano passado e não apresentou projeções para 2010.
Enquanto isso, a Caixa --que viu sua carteira de financiamentos disparar 55,3 por cento-- já revisou sua projeção para este ano para cima duas vezes. A última, revelada à Reuters pelo vice-presidente de Finanças, Marcio Percival, é de avanço de 35 por cento.
O BB deve revelar na quinta-feira, quando divulga seu resultado do quarto trimestre de 2009, sua previsão de aumento da carteira de crédito para 2010.
O Banco Central informou nesta quarta-feira que as instituições financeiras públicas, incluindo o banco de fomento BNDES, devem ter aumento combinado de 20 por cento do crédito este ano --acima dos 19 por cento previstos anteriormente.
Nos privados, enquanto isso, o BC espera agora alta no crédito em 2010 de 19 por cento, e não mais de 20 por cento.
PÚBLICOS REFORÇAM CAPITAL
Para dar conta desse avanço, os dois estatais já fazem planos de reforçar o capital. A Caixa quer levantar 3 bilhões de reais com letras financeiras, novo instrumento de captação de longo prazo para bancos, já em março. E o BB vai realizar uma oferta de ações primária e também secundária com valor estimado entre 8 bilhões e 10 bilhões de reais.
Na análise dos próprios bancos, a diferença de desempenho no crédito refletiu a postura adotada por eles mesmos durante a crise.
De um lado, os estatais, seguindo orientação anticíclica do governo para debelar a crise, abriram as torneiras do crédito.
Só a Caixa cortou suas taxas de juros sete vezes no ano passado. "Exercemos nossa função de banco público", afirmou a presidente da Caixa, Maria Fernanda Coelho, ao divulgar os resultados do quarto trimestre.
Já os bancos privados, que durante algum tempo defenderam a postura conservadora após a crise, agora já começam a fazer uma autocrítica.
"Achávamos que a crise seria muito maior", reconheceu a jornalista o diretor-executivo do Itaú Unibanco, Silvio de Carvalho.
QUALIDADE DO CRÉDITO
A fatia dos bancos públicos, que era de 34,2 por cento do sistema em setembro de 2008, alcançou 41,6 por cento no mês passado, segundo números do BC. Nesse mesmo intervalo, a participação das instituições privadas nacionais caiu de 44 para 40,4 por cento.
A postura mais defensiva dos bancos privados resultou não apenas de visões distintas sobre a crise. Outra diferença que emergiu da turbulência global foi a evolução da qualidade da carteira.
Embora a queda da inadimplência tenha sido registrada por todos os bancos no final do ano passado, o índice dos bancos privados, de 4,9 a 7,2 por cento, foi duas a três vezes o dos estatais. O da Caixa, por exemplo, ficou em 2,2 por cento.
Com mais atrasos na carteira, devido ao mau desempenho de operações com grandes empresas, não restou aos bancos privados alternativa senão pisar no freio dos financiamentos, enquanto calibravam as provisões para perdas esperadas.
"Enquanto isso, os bancos estatais avançaram com negócios tidos como mais seguros, como o crédito consignado e o financiamento imobiliário", resumiu o analista Luis Miguel Santacreu, da Austin Rating.
Agora, analistas avaliam que os bancos privados possam compensar em parte os resultados magros do ano passado, turbinando os lucros de 2010 com a reversão de parte das provisões adicionais para perdas, agora que a inadimplência começa a recuar.
Em relação aos estatais, a atenção tende a ser redobrada nos próximos trimestres, especialmente sobre os níveis de inadimplência da carteira.
"Os bancos públicos estão enfiando o pé no acelerador e isso vai ter repercussão negativa lá na frente, na forma de aumento dos calotes", disse o economista João Augusto Frota Salles, da consultoria Lopes Filho.