Economia

A aventura de tocar um negócio na Venezuela

Além da crise mundial, empresários precisam se preocupar com o conturbado ambiente político

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 16 de abril de 2009 às 18h40.

Bem articulado e falando inglês de forma fluente, o venezuelano Lorenzo Mendoza se mistura facilmente entre os executivos que circulam pelo Fórum Econômico Mundial. Mas suas preocupações como empresário vão bem mais além do que os efeitos da crise mundial, o assunto mais comentado do evento. Ele tem 43 anos e é o herdeiro da Empresas Polar, a maior fabricante de alimentos e bebidas da Venezuela, e tem a missão de comandar os negócios da família no conturbado ambiente político do governo de Hugo Chávez, e tentar preservar os negócios apesar das polêmicas com o presidente. Em março, Mendoza foi ameaçado por Chávez em rede nacional de ter sua empresa expropriada pelo governo, logo após o anúncio da estatização da subsidiária local da americana Cargill. Em entrevista para EXAME, Mendoza não quis comentar o assunto, disse apenas que ele foi superado. Mas afirmou que o crescimento da Venezuela depende da abertura do diálogo entre o governo e as empresas privadas.

EXAME - A Empresas Polar é uma das maiores empresas da Venezuela. Por que não atuar em outros países, como o Brasil?
Lorenzo Mendoza -
Vivemos condições muito difíceis para pensar numa expansão para o Brasil ou para qualquer país. Não temos acesso aos dólares, porque o governo controla o câmbio. É uma limitação muito grande. Só poderia fazer negócios no Brasil, se me permitissem comprar em bolívares. O governo libera os dólares necessários para a importação de matérias-primas somente com a especificação do que sua empresa necessita. Importamos soja, malta, frutas, açúcar, inclusive, do Brasil. Peço a permissão para importar, por exemplo, 100 toneladas de açúcar. O governo me dá um prazo de três a quatro meses para autorizar a operação e, então, me repassa os dólares para a compra, mas não me dá mais do que isso. É um sistema totalmente controlado. Não podemos exportar ou importar se o governo não permite. Só quem possui dólares é o governo. Se você quer viajar, você tem que pedir ao governo os dólares para comprar a passagem e gastar no exterior.

EXAME - Como o senhor planeja o crescimento da empresa com estas limitações?
Mendoza -
Focamos as operações na Venezuela e no fortalecimento das nossas vendas no mercado interno. Investimos na inovação de produtos, o que nos permitiu crescer muito nos últimos anos. A Venezuela tem crescido incrivelmente por causa do petróleo. Vinha crescendo a taxas de 10% nos últimos cinco anos. O consumo interno acompanhou isso e a Polar cresceu na mesma proporção.

EXAME - Sob este ponto de vista, os empresários venezuelanos não têm do que reclamar, então...
Mendoza -
O crescimento foi grande, mas o risco está nas políticas que o governo vem assumindo. O governo deveria ajudar as empresas privadas, como defendeu o presidente Lula no Fórum Econômico Mundial. Nenhuma empresa privada pode substituir o Estado e nem o Estado pode substituir as empresas privadas. Temos que trabalhar juntos. O papel do governo é criar regulações e dar garantias para o funcionamento das empresas. Há o socialismo, há o capitalismo e existe um caminho intermediário. Sou um entusiasta do modelo do governo Lula para a América Latina. Conheci Lula no Brasil e o encontrei algumas vezes em fóruns econômicos e na Venezuela numa reunião com empresários locais. Ele acerta ao defender que o governo precisa respeitar as empresas, permitir que eles façam seu trabalho e exigir que paguem os impostos. Você tem que pagá-los, não há escapatória.

EXAME - Quanto a Polar fatura atualmente?
Mendoza -
Não posso dizer quanto faturo por ser um grupo privado e na Venezuela este é um assunto muito difícil.

EXAME - O congelamento de preços, que é praticado na Venezuela há seis anos, afetou o faturamento da Empresas Polar?
Mendoza -
Começamos a ter perdas há dois anos. É crítico quando olhamos o caso do arroz, porque os preços estão tabelados abaixo do custo. Só comprando a matéria-prima, já perco dinheiro. Ano passado, tive um prejuízo de 20 milhões de dólares com a produção de arroz e este ano calculo a mesma perda. Mas não posso parar de produzir, senão perco as fábricas. É uma situação perversa. Tenho a esperança de que a intervenção que o governo fez este ano na indústria de arroz mostre que o sistema está defasado. O diálogo precisa ser reaberto, porque senão vai chegar o momento em que ninguém vai produzir arroz. Entendo que o governo da Venezuela, que é de esquerda, considere importante que alguns alimentos tenham o preço tabelado. Não concordo, porque acho que a concorrência é mais eficiente em baixar os preços. Mas é preciso compreender que o produtor tem de ganhar dinheiro.

EXAME - O senhor tem medo de que a Polar sofra intervenção do governo?
Mendoza -
Não tenho medo, porque cumprimos as leis. Não fazemos nada que atente contra as regras e que justificasse uma intervenção. Se o fizerem, não poderei fazer nada, senão lutar pelos meus direitos.

EXAME - Como a Venezuela está sentindo os efeitos da crise?
Mendoza -
Sentimos um desaquecimento da economia por causa da queda do preço do petróleo. A nossa crise é diferente. Na Venezuela, a base da economia está com o governo, por conta do petróleo, e o setor privado tem um espaço limitado. Mas o Estado não é capaz de ser eficiente em todas as áreas da economia. Se o governo não convidar a iniciativa privada para fazer parte da solução do país, não haverá saída. As empresas privadas têm um papel muito importante na produção de riquezas e na criação de empregos. Mas para que elas operem, são necessárias garantias. Brigar o tempo inteiro com o setor privado, não ajuda. Volto ao exemplo do Brasil. O governo atua em algumas áreas e, em outras, impõe regulações para que a iniciativa privada arrisque seu capital e seu talento. Por isso, o Brasil conseguiu crescer tanto nos últimos anos, porque foram colocadas regras e garantias para que o empresário que assume riscos tenha o respeito do governo em suas operações.

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