As previsões dos melhores para 2004
Inflação sob controle, crescimento moderado e riscos vindos do cenário externo: essas são as projeções para 2004 dos Top 5 do Banco Central
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h32.
O primeiro ano do governo Lula está chegando ao fim. É possível olhá-lo de duas maneiras. Os pessimistas dirão que foi um ano ruim. A inflação permaneceu elevada e rompeu a meta prevista, a economia não cresceu, o país permanece amarrado por inúmeros entraves legais anacrônicos e o desemprego não dá sinais de ceder. Os otimistas vão olhar para esses números, concordar e limitar-se a dizer uma frase: poderia ter sido muito, muito pior. O Partido dos Trabalhadores no governo surpreendeu positivamente por sua fidelidade à estabilidade econômica e pela disposição em cortar na própria carne, expulsando quadros históricos que votaram contra as reformas tributária e da Previdência.
E 2004? O que esperar para o ano que vem, agora que está confirmado que o mundo não acabou porque Brasília está sob nova direção? Assim como em 2003, é possível traçar um cenário pessimista e um otimista. Os otimistas vão dizer que 2004 será um ano de crescimento, aumento do nível de emprego, estabilidade na inflação e no dólar e alta nas ações indicando maior confiança dos investidores em relação ao lado privado da economia. Olhando para Brasília, os otimistas dirão que as reformas tributária e da previdência avançaram e o governo tem ganho quase tudo no Congresso. Observando o cenário internacional, os otimistas dirão que a economia americana caminha a passos largos na direção da recuperação, e que não há mais grandes riscos externos. Os pessimistas dirão: tudo bem, mas 2004 poderia ser muito, muito melhor.
Para discutir o que pode ocorrer no ano que vem, o Portal EXAME consultou alguns dos bancos que foram considerados, pelo Banco Central (BC), os que mais acertaram as projeções para inflação, juros e câmbio. O BC mensalmente divulga as cinco instituições cujos prognósticos apresentaram a menor margem de erro, que são chamados de "Top 5" pelo BC. Clique aqui para ver as previsões deles para o ano que vem. A avaliação foi dividida em três partes: o cenário econômico, o cenário político e o cenário financeiro.
Cenário econômico: o ano do crescimento (quase) sustentável
O ano de 2004 será de crescimento. Na avaliação de Marco Aurélio Cançado, diretor-financeiro do banco mineiro Mercantil do Brasil, um dos Top 5 de novembro, a economia deverá apresentar um crescimento de atividade de 3,55%. "Tanto o governo Fernando Henrique quanto o governo Lula foram bem-sucedidos em garantir a estabilidade econômica", diz Cançado. "Por isso os agentes econômicos estão otimistas com um crescimento para 2004."
Os ventos do cenário internacional também são favoráveis, diz Alexandre Lintz, economista-chefe do banco BNP Paribas. A expectativa de crescimento de mais de 4% dos Estados Unidos, o principal mercado para as exportações brasileiras, e os avanços de preços de produtos em que o Brasil é competitivo também ajudam. "A inflação vai ficar sob controle em 2004, o que permitirá ao governo cortar juros", diz Lintz.
Juros menores garantem um aumento das vendas de eletrodomésticos, eletroeletrônicos e, em menor escala, automóveis. Conhecidos como bens duráveis, esses produtos são, em sua maioria, vendidos a crédito. "Uma queda dos juros vai permitir que a classe média volte a comprar eletrodomésticos financiados", diz Lintz.
Esse cenário, claro, tem riscos. Dirceu Bezerra Júnior, sócio da consultoria paulista Rosenberg e Associados, outro Top 5 de novembro, concorda com essa avaliação no curto prazo. "Teremos um 2004 com crescimento moderado", diz ele. "Se não houver nenhum acidente no cenário externo, poderemos fechar o ano com um avanço de 3% no Produto Interno Bruto." Ele é cético, porém, em relação à sustentabilidade do crescimento no longo prazo. "Há um fator que limita a expansão da economia, que é o fato de a renda não crescer há dois anos", diz Bezerra. "O crescimento da demanda vai ser sustentado por uma expansão do crédito, mas isso não será sustentável se o emprego e a renda não crescerem."
Outro risco é o Banco Central ter de pisar no freio da redução de juros no meio do ano, por causa do aumento de preços de algumas matérias-primas. "As cotações de alguns produtos subiram muito no mercado internacional", diz Lintz. "As commodities minerais subiram 45% em 2003, e os grãos avançaram 22%." Por um lado, esse aumento de preços garante sólidas exportações para o Brasil, o que é bom. No entanto, os preços desses produtos aqui também são cotados em dólar, o que pode pressionar os preços no atacado. "Há um pequeno risco de a inflação no atacado sair de controle, o que pode fazer o Banco Central ter de diminuir o passo da queda dos juros", diz Lintz.
Cenário político: o pequeno risco da eleição
Assim como aconteceu no tenebroso 2002, as atenções em 2004 serão dominadas pelas eleições municipais no dia 3 de outubro. Não se espera, porém, uma turbulência tão grande quanto a provocada pela eleição presidencial, que mandou o dólar e o risco Brasil a seus maiores níveis históricos. "As eleições municipais são muito menos abrangentes do que uma eleição presidencial", diz Cançado, do Mercantil do Brasil. "Os candidatos a prefeito sabem que nacionalizar a eleição, tentando transformá-la em plebiscito contra o governo é um mau negócio." Por isso, a perspectiva dos especialistas do mercado é que, ao contrário do que aconteceu em 2002, a economia não fique turbulenta por causa da eleição.
O que pode agitar um pouco o cenário é uma combinação entre o calendário político e o calendário econômico. No segundo trimestre do ano, quando os partidos estão em pleno processo de escolha de candidatos, tradicionalmente os índices de desemprego aumentam. Passado o período fraco do primeiro trimestre, os desempregados saem à caça de colocações. Esse aumento da demanda por trabalho pressiona os índices, o que pode servir de munição para a oposição. "Isso pode gerar, no mercado, uma desconfiança do lado fiscal", diz Lintz, do BNP Paribas. "Pode provocar temores de que o governo vai cair na tentação de gastar para aumentar rapidamente o nível de emprego." O risco é pequeno, pois a ortodoxia do ministro da fazenda Antonio Palocci é bem conhecida, mas o mercado financeiro tem a tendência de amplificar pequenos eventos políticos. Olho vivo às declarações da oposição, portanto.
Outro problema é um atraso na condução das micro-reformas, como a nova Lei de Falências e o marco regulatório dos investimentos em infra-estrutura. O governo fez a coisa certa em 2003, acertando o lado macro da economia inflação, juros, câmbio e saldo da balança comercial. Agora, terá de acertar o lado micro tornar o cenário legal e regulatório menos inóspito para as empresas. O problema é que as mudanças no micro passam pelo Congresso, que tende negociar duramente cada centímetro de avanço concedido ao governo. Mais uma vez, essa pode ser uma fonte de turbulências em potencial, e gerar um pouco de oscilação nos ativos financeiros, especialmente as ações.
Cenário financeiro: crônica de um crescimento anunciado
Os principais movimentos financeiros de 2004 já estão previstos pelo mercado e expressos nos preços dos ativos financeiros. A perspectiva para o ano que vem é de uma inflação sob controle, que poderá derrubar os juros dos atuais 16,5% ao ano para algo entre 13% e 14,5% em dezembro. O Comitê de Política Monetária (Copom) deverá reduzir gradualmente as taxas no ano que vem. "O ritmo de corte dos juros será mais lento, mas deverá ser mais constante", diz Lintz, do BNP. "As reuniões deverão se decidir por vários cortes de 0,25 ponto percentual durante o ano, até atingir a meta do mercado."
Apesar disso, os investimentos em juros continuarão a ser um bom negócio. Os profissionais do mercado financeiro esperam uma queda gradual nos juros nominais, mas que não afetará muito os juros reais. "A inflação deve ficar estável, convergindo para a meta de 5,5% a 6%", diz Cançado, do Mercantil do Brasil. "Na ponta do lápis, isso representa juros reais de 8% ao ano, o que é uma excelente rentabilidade."
Cançado avalia que as ações serão um investimento "neutro" no ano que vem, assim como o dólar. Em 2003, a Bolsa de Valores de São Paulo acumulou uma expressiva alta de quase 90% em dólares, o que a transformou na segunda praça em rentabilidade na América Latina ( veja tabela ). Vai ser difícil reproduzir esse comportamento no ano que vem, pois a perspectiva de crescimento do lucro das empresas já está explicitada nas ações.
Quais os riscos para a bolsa? Um cenário não mudou: a forte dependência do mercado acionário do capital externo para sustentar uma valorização consistente. Ou seja, qualquer fator que comprometer a liquidez do mercado internacional vai atingir em cheio as ações. O mesmo vale para o dólar: espera-se um comportamento neutro da moeda americana no ano que vem, com o dólar simplesmente acompanhando a inflação. Porém, isso depende de as economias desenvolvidas, especialmente os Estados Unidos, manterem o passo de crescimento ao longo do ano.
Por que isso acontece? Na ponta do lápis, o Brasil terá de rolar 40 bilhões de dólares em dívidas externas públicas e privadas no ano que vem. Se o dinheiro estiver escasso em Wall Street, essa rolagem será difícil e cara. "Esse cenário, que não é o mais provável, pode comprometer o crescimento da economia", diz Bezerra, da Rosenberg e Associados. "Por isso, eu administraria meu dinheiro no ano que vem com confiança, mas mantendo minha atenção nos Estados Unidos durante 25 horas por dia."