Apesar de mais alinhada ao resto do mundo, Previdência tem desequilíbrios
O texto aprovado pelo Senado prevê uma economia de R$ 800 bilhões em 10 anos, mas ainda pode ser alterado por destaques que serão analisados hoje
Reuters
Publicado em 23 de outubro de 2019 às 11h43.
Brasília — As mudanças aprovadas nas regras previdenciárias brasileiras reduziram as discrepâncias do regime em relação aos modelos adotados no resto do mundo, mas desequilíbrios importantes permanecem e prometem se agravar com o envelhecimento médio da população, avaliam especialistas, que preveem necessidade de nova rodada de ajustes em no máximo uma década.
A avaliação é que o tema ficará fora da pauta política nos próximos anos, em meio a uma exaustão da sociedade com o assunto Previdência após uma reforma abrangente aprovada na terça-feira, mas terá que voltar a ser examinado à frente, inclusive porque algumas disparidades internas do modelo acabaram sendo reforçadas com as novas regras.
Com a reforma aprovada pelo Congresso , o país passará a adotar idade mínima como regra obrigatória para a aposentadoria dos trabalhadores urbanos — 62 anos para mulheres e 65 anos pra homens — e imporá limites à acumulação de benefícios e aos pagamentos de pensões.
O texto-base aprovado pelo Senado na noite de terça-feira prevê uma economia de 800,3 bilhões de reais em 10 anos, mas ainda pode ser alterado por destaques à matéria cuja análise deverá ser concluída na quarta-feira.
A reforma, que prevê regras de transição, também alterou as normas para o cálculo das valores pagos aos aposentados e pensionistas e elevou as contribuições pagas pelos servidores públicos e pelos trabalhadores da iniciativa privada que ganham mais.
Mas, no que é alvo de algumas das principais ressalvas, a aposentadoria rural não sofreu alterações, com a manutenção da idade mínima para aposentadoria em 60 anos para homens e 55 anos para mulheres, e da possibilidade de aposentadoria em regime especial que prescinde a comprovação de contribuição.
Outro aspecto apontado como fraqueza no modelo é o fato de algumas categorias terem mantido benefícios diferenciados. Professores, policiais e agentes penitenciários permanecem com o direito de se aposentarem mais cedo e servidores que ingressaram no serviço público até 2003 continuam podendo se aposentar com o vencimento integral.
"Uma vez aprovada a reforma, O Brasil se aproxima um pouco do que é a média mundial. Mas vai continuar muito discrepante, ainda que bem menos, porque a gente ainda tem a manutenção de algumas regras pouco usuais no cenário internacional", afirma Paulo Tafner, um dos principais especialistas na questão previdenciária brasileira. Ele prevê que o país tenha que voltar a discutir suas regras previdenciárias em "em cinco ou dez anos".
O economista Fabio Giambiagi, que junto de Tafner foi um dos defensores mais proeminentes da urgência de uma reforma previdenciária no país nos últimos anos, também afirma que o país não poderá demorar muito a retomar essa pauta, ainda que descarte a possibilidade de o tema ter protagonismo nas próximas eleições presidenciais, como teve na anterior.
Giambiagi diz entender que politicamente a derrubada das mudanças propostas pelo governo para os trabalhadores rurais facilitou a aprovação da reforma, mas ele nota que a disparidade entre os dois regimes --rural e urbano-- agora ficou maior.
"Acho que isso vai gerar uma insatisfação crescente na classe média ao longo do tempo, talvez modificando as condições para sua aprovação, que hoje não existem", disse.
A aposentadoria rural responde por cerca de 60% do déficit do regime geral da Previdência --que este ano já totaliza 132,7 bilhões de reais até agosto-- e representam pouco mais de 30% dos benefícios concedidos pelo Regime Geral da Previdência Social.
O economista afirma que o país precisará também necessariamente reduzir no futuro o gap de limite de idade para aposentadoria entre homens e mulheres, em linha com tendência mundial, e promover, ainda, aumento desses limites, acompanhando a elevação da expectativa de vida.
Capitalização
Na contramão do proposto pelo governo Jair Bolsonaro, o Congresso rejeitou a incorporação automática de Estados e municípios na reforma e também não autorizou a implantação do regime de capitalização, que prevê contribuições em contas individualizadas e pagamentos de benefícios proporcionais à poupança acumulada por cada trabalhador.
Para Tafner, o país não terá como fugir da capitalização, em face do envelhecimento acelerado da população.
"A reforma tratou mais ou menos bem do passado, mas o futuro está em aberto. O sistema de repartição não sobrevive à mudança demográfica", disse.
De 2012 a 2018, a parcela da população brasileira com 65 anos ou mais cresceu de 8,8% para 10,5%, enquanto a população de até 13 anos recuou de 20,9% para 18,6%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
No modelo previdenciário de repartição, adotado pelo país, os contribuintes do INSS --trabalhadores formais, empregados e aposentados-- sustentam as aposentadorias pagas no presente. Com o aumento da idade média da população, a relação entre contribuições e benefícios pagos torna-se crescentemente menos favorável, pressionando o déficit previdenciário.
A autorização para a implantação de um regime de capitalização, e também a extensão das novas regras da reforma a Estados e municípios, foram incluídas em uma segunda PEC previdenciária, a chamada PEC paralela. Mas a expectativa é que sua tramitação encontre resistências, principalmente na Câmara.
Assistência a idosos
Tafner também lamenta o fato de o Congresso ter rejeitado ajustes propostos pelo governo aos benefícios de assistência social pagos a idosos de baixa renda que não conseguem comprovar contribuição à Previdência (Benefício de Prestação Continuada) e a trabalhadores formais de baixa renda (abono salarial).
Os dois temas foram incluídos pelo governo na reforma da Previdência, a despeito de não dizerem respeito diretamente a aposentadorias.
O economista reconhece que, dadas as grandes desigualdades no país, limitações de benefícios são temas cercados de controvérsia, mas ele reclama do debate "raso" em torno do assunto.
No caso do abono salarial, a crítica do economista, também feita pelo governo, é que ele não beneficia a população mais pobre e mais necessitada. Em relação ao BPC, ele argumenta que em muitos casos as regras desestimulam a contribuição por parte de trabalhadores de faixas de renda mais baixa que teriam condição de fazê-la.
Após a derrubada no Senado da mudança das regras do abono, que aumentava a renda dos trabalhadores com direito a receber o benefício, o secretário especial adjunto de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, afirmou que a política é mal focalizada e que o esforço do governo era para que o pagamento chegasse nos mais pobres. "Temos que mudar essa situação", afirmou no Twitter.