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Além do PT

Para o novo ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, a reforma deve ser uma meta do país, e não do governo

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h49.

Está nas mãos do novo ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, o maior desafio do governo Lula em 2003: delinear a reforma da Previdência e garantir sua aprovação no Congresso. Ex-presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e deputado federal pelo PT, Berzoini já definiu os contornos de sua proposta, mas quer promover um amplo debate nacional antes de enviá-la ao Congresso. Ele conversou com EXAME poucas horas depois de receber o cargo do ex-ministro José Cechin.

O que o senhor pretende mudar na Previdência?

O Brasil tem dois sistemas previdenciários. O primeiro é composto do setor privado e de parte do setor público que segue as regras do INSS. O segundo é composto de servidores públicos. O problema central está no segundo, responsável pela maior parte da despesa previdenciária da União. É uma despesa com clara tendência de crescimento. A sociedade precisa, então, decidir: faz sentido ter dois sistemas, sendo um deles tão oneroso?

Como, então, unificá-los?

A idéia é que todo mundo tenha um teto para aposentadoria, como existe hoje no INSS. A partir do teto, que poderia ser semelhante aos 1 561 reais atuais, haveria a previdência complementar para quem quisesse. Todos teriam, portanto, os mesmos direitos. Isso permitiria que o trabalhador ficasse, por exemplo, dez anos no setor privado, depois cinco no público, depois novamente no privado, até a aposentadoria -- tudo com um único registro e um único sistema. Cada pessoa que optasse pelo fundo de pensão receberia, ao se aposentar, de acordo com a própria contribuição, com a contribuição do empregador (público ou privado) e com a boa gestão do fundo. E todos podem sair ganhando. Quando a Previ entrou na Embraer, muita gente criticou. Após a reestruturação da empresa, ela se tornou uma das maiores exportadoras do país e dá um lucro considerável, para benefício do fundo de pensão. Portanto, queremos que a previdência pública garanta o básico, que hoje está em sete e meio salários mínimos. Podemos lutar para chegar a nove ou dez mínimos? Podemos. Dá, por exemplo, para estruturar um sistema que permita ganho de produtividade: se o PIB crescer, o benefício pode crescer.

Como fica a aposentadoria de quem está no meio da carreira?

Defendemos a idéia do pro rata. Quer dizer o seguinte: um funcionário que já trabalhou no setor público por 20 anos terá seus direitos respeitados. E o tempo que ainda falta? Aí já valeria o novo sistema, com teto e fundo de pensão acima dele. Lá na frente a aposentadoria desse funcionário seria a soma de 20/35, que incidiriam apenas sobre o salário desse período, e 15/35, que valeriam até o teto, acrescido do fundo de pensão.

E quem já está aposentado?

Acredito que está consolidada a tese de que a contribuição dos inativos é inconstitucional, pois afronta o direito adquirido. Há quem argumente que, para salários muito altos, o direito adquirido se torna privilégio adquirido, e portanto poderia ser contestado. Estou disponível para debater essa tese. Mas só para salários altos, caso contrário, seria comprar briga e gastar uma energia desproporcional ao resultado. Não temos nada conceitualmente contra a cobrança dos inativos, mas não queremos pautar a reforma pelos aspectos de menor viabilidade jurídica.

A proposta resolve o problema atual?

Depende do que se entenda por resolver. Acho que o governo sempre terá de gastar algum nível de recursos orçamentários com Previdência, tanto pública quanto privada -- aliás, a Constituição prevê que isso ocorra. Na área pública, infelizmente a tendência é que a diferença entre despesa e receita continue a aumentar por mais dois ou três anos. Seria bravata dizer o contrário. Mas queremos reverter a curva e fazer que em 2008 ou 2009 o país gaste menos do que gasta hoje -- se a reforma que estamos propondo for aprovada em 2003. Na verdade, achamos que já no governo Lula -- em 2005 ou 2006 -- a previdência pública vai começar a pesar menos, mas a diferença será pequena. Ela vai pesar sensivelmente menos a partir de 2008. Em 2012 ela já estará em um patamar leve em relação ao Orçamento.

Como fazer para aprová-la?

A reforma não é só do governo Lula, mas dos governadores, dos prefeitos e do presidente a ser empossado em 2007 -- que, eu espero, seja Lula, mas que poderá vir a ser outra pessoa. Portanto, esse é o princípio para que não se transforme a reforma numa briga entre oposição e situação. Quero pedir ao PFL e ao PSDB suas propostas de reforma. Vou conversar com alguns governadores e prefeitos para solicitar propostas. E quero conversar com a universidade, com os sindicatos de trabalhadores do setor privado e dos funcionários públicos, e com empresários. Com isso, quero tentar construir o sentimento de que é uma proposta para o Brasil, não é uma proposta para viabilizar o governo Lula. Com base nessas opiniões, vamos tentar chegar a uma proposta para só então encaminhá-la ao Congresso. Se surgir alguém da universidade ou de um outro partido que apresente uma reforma melhor, estamos abertos para discutir.

E quanto tempo leva essa consulta à sociedade?

Não quero fixar prazo rígido para não criar um ultimato para mim mesmo -- às vezes 15 dias a mais pode ser a diferença entre fechar um acordo com um setor importante. Mas espero concluir as discussões ainda no primeiro semestre -- e, se der para abreviar sem perder no aspecto democrático, melhor.

Não é complicado defender hoje idéias que o PT atacou no passado?

O PT teve em alguns momentos opiniões diferentes das que temos hoje. O partido não tem nenhum compromisso em manter a mesma opinião ao longo de décadas. Acho que houve um amadurecimento muito grande nos últimos anos dos dois lados. Tem gente que estava convencida de que dava para romper direitos adquiridos e hoje acha mais complicado. E nós também mudamos. Não acho, de maneira alguma, constrangedor defender propostas às quais eu possa ter sido contrário pouco tempo atrás. Desde que esteja convencido de que mudei de opinião de fato, e não por oportunismo ou conveniência.

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Está nas mãos do novo ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, o maior desafio do governo Lula em 2003: delinear a reforma da Previdência e garantir sua aprovação no Congresso. Ex-presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e deputado federal pelo PT, Berzoini já definiu os contornos de sua proposta, mas quer promover um amplo debate nacional antes de enviá-la ao Congresso. Ele conversou com EXAME poucas horas depois de receber o cargo do ex-ministro José Cechin.

O que o senhor pretende mudar na Previdência?

O Brasil tem dois sistemas previdenciários. O primeiro é composto do setor privado e de parte do setor público que segue as regras do INSS. O segundo é composto de servidores públicos. O problema central está no segundo, responsável pela maior parte da despesa previdenciária da União. É uma despesa com clara tendência de crescimento. A sociedade precisa, então, decidir: faz sentido ter dois sistemas, sendo um deles tão oneroso?

Como, então, unificá-los?

A idéia é que todo mundo tenha um teto para aposentadoria, como existe hoje no INSS. A partir do teto, que poderia ser semelhante aos 1 561 reais atuais, haveria a previdência complementar para quem quisesse. Todos teriam, portanto, os mesmos direitos. Isso permitiria que o trabalhador ficasse, por exemplo, dez anos no setor privado, depois cinco no público, depois novamente no privado, até a aposentadoria -- tudo com um único registro e um único sistema. Cada pessoa que optasse pelo fundo de pensão receberia, ao se aposentar, de acordo com a própria contribuição, com a contribuição do empregador (público ou privado) e com a boa gestão do fundo. E todos podem sair ganhando. Quando a Previ entrou na Embraer, muita gente criticou. Após a reestruturação da empresa, ela se tornou uma das maiores exportadoras do país e dá um lucro considerável, para benefício do fundo de pensão. Portanto, queremos que a previdência pública garanta o básico, que hoje está em sete e meio salários mínimos. Podemos lutar para chegar a nove ou dez mínimos? Podemos. Dá, por exemplo, para estruturar um sistema que permita ganho de produtividade: se o PIB crescer, o benefício pode crescer.

Como fica a aposentadoria de quem está no meio da carreira?

Defendemos a idéia do pro rata. Quer dizer o seguinte: um funcionário que já trabalhou no setor público por 20 anos terá seus direitos respeitados. E o tempo que ainda falta? Aí já valeria o novo sistema, com teto e fundo de pensão acima dele. Lá na frente a aposentadoria desse funcionário seria a soma de 20/35, que incidiriam apenas sobre o salário desse período, e 15/35, que valeriam até o teto, acrescido do fundo de pensão.

E quem já está aposentado?

Acredito que está consolidada a tese de que a contribuição dos inativos é inconstitucional, pois afronta o direito adquirido. Há quem argumente que, para salários muito altos, o direito adquirido se torna privilégio adquirido, e portanto poderia ser contestado. Estou disponível para debater essa tese. Mas só para salários altos, caso contrário, seria comprar briga e gastar uma energia desproporcional ao resultado. Não temos nada conceitualmente contra a cobrança dos inativos, mas não queremos pautar a reforma pelos aspectos de menor viabilidade jurídica.

A proposta resolve o problema atual?

Depende do que se entenda por resolver. Acho que o governo sempre terá de gastar algum nível de recursos orçamentários com Previdência, tanto pública quanto privada -- aliás, a Constituição prevê que isso ocorra. Na área pública, infelizmente a tendência é que a diferença entre despesa e receita continue a aumentar por mais dois ou três anos. Seria bravata dizer o contrário. Mas queremos reverter a curva e fazer que em 2008 ou 2009 o país gaste menos do que gasta hoje -- se a reforma que estamos propondo for aprovada em 2003. Na verdade, achamos que já no governo Lula -- em 2005 ou 2006 -- a previdência pública vai começar a pesar menos, mas a diferença será pequena. Ela vai pesar sensivelmente menos a partir de 2008. Em 2012 ela já estará em um patamar leve em relação ao Orçamento.

Como fazer para aprová-la?

A reforma não é só do governo Lula, mas dos governadores, dos prefeitos e do presidente a ser empossado em 2007 -- que, eu espero, seja Lula, mas que poderá vir a ser outra pessoa. Portanto, esse é o princípio para que não se transforme a reforma numa briga entre oposição e situação. Quero pedir ao PFL e ao PSDB suas propostas de reforma. Vou conversar com alguns governadores e prefeitos para solicitar propostas. E quero conversar com a universidade, com os sindicatos de trabalhadores do setor privado e dos funcionários públicos, e com empresários. Com isso, quero tentar construir o sentimento de que é uma proposta para o Brasil, não é uma proposta para viabilizar o governo Lula. Com base nessas opiniões, vamos tentar chegar a uma proposta para só então encaminhá-la ao Congresso. Se surgir alguém da universidade ou de um outro partido que apresente uma reforma melhor, estamos abertos para discutir.

E quanto tempo leva essa consulta à sociedade?

Não quero fixar prazo rígido para não criar um ultimato para mim mesmo -- às vezes 15 dias a mais pode ser a diferença entre fechar um acordo com um setor importante. Mas espero concluir as discussões ainda no primeiro semestre -- e, se der para abreviar sem perder no aspecto democrático, melhor.

Não é complicado defender hoje idéias que o PT atacou no passado?

O PT teve em alguns momentos opiniões diferentes das que temos hoje. O partido não tem nenhum compromisso em manter a mesma opinião ao longo de décadas. Acho que houve um amadurecimento muito grande nos últimos anos dos dois lados. Tem gente que estava convencida de que dava para romper direitos adquiridos e hoje acha mais complicado. E nós também mudamos. Não acho, de maneira alguma, constrangedor defender propostas às quais eu possa ter sido contrário pouco tempo atrás. Desde que esteja convencido de que mudei de opinião de fato, e não por oportunismo ou conveniência.

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