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A traumática força global do FED

Peter S. Goodman, Keith Bradsher e Neil Gough © 2017 New York Times News Service Ciudad Juarez, México – Francisca Hervis Reyes e sua família perseveraram na fronteira, trabalhando em fábricas a mais de dois mil quilômetros de sua cidade natal. A família continuou na cidade mesmo enquanto a guerra dos cartéis transformava Ciudad Juarez […]

FRANCISCA REYES, EM CIUDAD JUAREZ: os ovos dobraram de preço; e a explicação está nas decisões do FED / Ivan Pierre Aguirre/The New York Times
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Da Redação

Publicado em 30 de março de 2017 às 11h39.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h02.

Peter S. Goodman, Keith Bradsher e Neil Gough
© 2017 New York Times News Service

Ciudad Juarez, México – Francisca Hervis Reyes e sua família perseveraram na fronteira, trabalhando em fábricas a mais de dois mil quilômetros de sua cidade natal. A família continuou na cidade mesmo enquanto a guerra dos cartéis transformava Ciudad Juarez em um dos lugares mais perigosos do planeta. Entretanto, talvez eles não resistam às novas preferências do Fed, o banco central dos EUA.

Reyes recebe seu salário em pesos mexicanos, uma moeda que tem perdido valor agora que o Fed dá indícios de que planeja aumentar a taxa de juros este ano. No terreno árido ao sul da fronteira dos EUA, os preços de alimentos e outras necessidades básicas acompanham o dólar, cujo valor não para de crescer. É como se o Fed tivesse cortado o salário de Reyes.

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Assim como milhões de pessoas do Sudeste Asiático até a África, passando pela América Latina, Reyes e sua família estão sentindo as consequências de uma enorme mudança na economia global.

Nos últimos tempos, quando o Fed aumentou as taxas de juros, ainda mais dinheiro abandonou os mercados emergentes e foi redirecionado para os EUA. E como planeja aumentá-la ainda mais este ano, os mercados em desenvolvimento estão se preparando para impactos ainda mais profundos: fuga de capital, desvalorização cambial e enfraquecimento econômico.

Enquanto instituição, o Fed responde apenas ao povo dos Estados Unidos. Quando os tempos são de vacas magras e as empresas não querem contratar, o Fed coloca mais dinheiro no mercado por meio de cortes nas taxas de juros. Quando as coisas vão bem e os preços elevados causam preocupação, a instituição esfria as coisas aumentando a taxa de juros e limitando o crédito.

Entretanto, pode-se dizer que o Fed funciona, na verdade, como o banco central do planeta. O dólar é a moeda mais utilizada como reserva e como moeda de troca. Quando o Fed baixa a taxa de juros, ele torna o dólar menos atraente, encorajando investidores a buscarem lucro em outros lugares. Mas quando os juros aumentam, os investidores mudam de marcha, acumulando dólares e vendendo outras moedas.

Em toda a China, centenas de milhões de pessoas que acabaram com suas poupanças comprando imóveis ficarão vulneráveis, caso o dinheiro perca muito valor de uma vez e o preço dos imóveis despenque. Na Turquia, os donos de loja que resistiram a uma tentativa de golpe militar, a ataques do governo contra as liberdades civis e dos terroristas contra o governo, agora encaram a queda da lira turca, que elevou o preço dos produtos importados.

Na Malásia, as empresas encaram o aumento do custo de produtos precificados em dólar, à medida que a moeda local perde valor. No México, famílias temem os efeitos de uma câmbio volátil, que já dava mostras de instabilidade depois das ameaças do presidente Donald Trump de taxar produtos vindos do país.

“Todas as vezes que o peso perde valor, nosso poder de compra diminui”, afirmou Reyes durante uma manhã recente, enquanto a luz pálida do deserto dava lugar à fria escuridão da noite. “Pensamos em voltar a Veracruz. As pessoas estão deixando as fábricas e voltando para suas cidades.” A força do Fed pode ser traumática, especialmente em lugares mais pobres.

Na medida em que a crise financeira se desenrolava em 2008, o banco central tomava medidas extraordinárias para que o dinheiro continuasse a fluir. O resultado foi um aumento no investimento nos mercados emergentes.

Mais de 259 bilhões de dólares foram deslocados para países em desenvolvimento no ano seguinte, de acordo com o Instituto Internacional de Finanças, uma associação comercial. Entre 2010 e 2015, o fluxo de capital anual para esses países foi de 328 bilhões de dólares, em média.

No primeiro semestre de 2013, quando o Fed surpreendeu o mundo com planos para desacelerar suas iniciativas de estímulo econômico, os investidores começaram a sair dos países em desenvolvimento, causando uma desvalorização drástica nas moedas do Brasil, da Índia, da Indonésia, da África do Sul e da Turquia.

“O efeito do aumento nas taxas de juros americanas sobre países emergentes é surpreendentemente forte”, afirmou Gary Clyde Hufbauer, especialista em comércio internacional do Instituto Peterson de Economia Internacional.

A maioria dos economistas acredita que os aumentos dos juros previstos para este ano terão efeitos muito menos dramáticos. O Fed deixou claros seus planos, permitindo que os investidores tenham tempo para se preparar. Muitos países emergentes aumentaram suas reservas de dólares, como forma de se precaver contra a desvalorização cambial. Ainda assim, alguns países já sentem as dificuldades.

A moeda turca perdeu cerca de 25 por cento do valor em relação ao dólar desde maio, e o governo está operando com reservas relativamente limitadas. O peso mexicano tem perdido o valor desde que Trump ameaçou renegociar o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, NAFTA. A China reagiu rapidamente à ação do Fed com o aumento na taxa de juros no país.

No mundo do investimento, o peso funciona como referência para as moedas de todos os países em desenvolvimento – a pior aposta quando as coisas vão mal. “É o primeiro lugar de onde as pessoas vão embora sempre que pensam que alguma coisa ruim pode acontecer com os mercados emergentes”, afirmou Mark Weisbrot, diretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política, em Washington. “O México é vulnerável”. Bloqueando as saídas

Os líderes chineses sempre tiveram medo de um êxodo cambial descontrolado.

Uma queda no valor de sua moeda aumentaria os preços para os consumidores chineses, gerando revolta pública. Isso poderia estourar a bolha imobiliária que se desenvolveu em muitas cidades chinesas, e deixaria os bancos chineses com bilhões de dólares em perdas, além de acabar com a riqueza de milhares de pessoas que veem os imóveis como sua porta de entrada para as classes abastadas.

Allen Zhang, eletricista que trabalha em uma mina de carvão nas montanhas da China central, vive em uma casa modesta na periferia de Jincheng, cidade industrial cuja população aumento 400 por cento nos últimos 25 anos, chegando aos 500 mil habitantes.

Zhang suplementa sua renda de 290 dólares ao mês tentando suprir a falta de moradia na cidade. Ele investiu a poupança e usou suas habilidades manuais para construir seis novos quartos na casa da família, alugando-os para trabalhadores das fábricas.

Um comprador ofereceu recentemente 350.000 dólares pela casa – o equivale ao que Zhang ganharia se trabalhasse mais de um século nas minas. Ele não aceitou a proposta. “Eu quero mais”, afirmou.

Essas são as expectativas encaradas pelas autoridades chinesas à medida que o Fed dificulta a permanência de dinheiro no país.

Durante os anos 1990, a China ignorou as lições de Washington a respeito da abertura dos mercados de capital. Quando a crise financeira atingiu a Ásia no fim da década e os investidores tiraram dinheiro da região, muitas economias foram arrasadas. A China sofreu pouco, e mostrou que tinha razão.

Por isso, opaís tem enormes poderes para apoiar o valor de sua moeda a despeito do Fed. Atualmente, conta com cerca de 3 trilhões de dólares em moedas estrangeiras, um dinheiro que pode ser usado para recomprar o yuan dos mercados globais.

Contudo, para manter o valor do yuan é preciso controlar rigidamente quem tira o dinheiro do país, uma medida que atrapalha os negócios. Em novembro, o governo decretou que transferências internacionais de mais de US$ 5 milhões precisam ser aprovadas.

“O dinheiro da China não pode sair sem passar por vários pontos de controle”, afirmou Zhu Ning, economista da Universidade Tsinghua. O que poderia dar errado

Em todo o México, o peso fraco tem levado a um aumento nos preços de uma ampla gama de produtos, de carros ao gás de cozinha, passando pelas tortillas. Em fevereiro, os preços estavam subindo cerca de 5 por cento ao ano, a inflação mais alta do México nos últimos sete anos.

O banco central mexicano aumenta constantemente as taxas de juros para proteger a moeda nacional frente a uma possível guerra comercial com os Estados Unidos. Agora que o Fed aumenta a pressão, muitos analistas preveem que o banco central do México deverá elevar novamente as taxas de juros do país este mês.

Os preços do frango, carne, leite e vegetais aumentaram, uma vez que muitos desses itens são importados dos EUA. A família de Reyes tem se alimento com feijão e macarrão nos últimos tempos.

Ela apontou para uma vendinha do outro lado da rua, em frente à sua casa. “Os ovos dobraram de preço nos últimos seis meses. Estamos comprando menos.” Reyes costumava mandar dinheiro para a família em Veracruz, onde uma de suas irmãs é cega e não pode trabalhar. Agora não dá mais.

Dentro da casa de blocos de concreto onde vive com o marido, as três filhas e os três netos do casal, é possível ver as manchas deixadas pelas goteiras no telhado. As paredes estão desmoronando. Duas janelas foram fechadas com pedaços de madeira e fita isolante, depois de serem danificadas durante uma briga entre duas gangues.

A família se preparava para dormir na única cama da casa, e todos se deitavam de comprido para aproveitar melhor o espaço. Sem aquecimento, esse era o melhor jeito de encarar o frio de 6,6 graus. “Usamos cobertores e o calor do nosso coração”, afirmou Reyes.

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