Economia

A industria dá o serviço

Poucos duvidam que o futuro da metrópole é ser um megacentro de serviços. Mas atenção: é a indústria que impulsiona a economia

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h50.

Em 1985, o setor industrial da Grande São Paulo empregava 1,8 milhão de trabalhadores, ou 32,8% do total. Hoje, de cada 100 trabalhadores, somente 20 estão em fábricas. Nesse período, evaporaram 300 mil postos na indústria. Com base em dados como esses, não foram poucos os que decretaram o fim de São Paulo como metrópole industrial. A cidade estaria caminhando para se transformar num grande centro de serviços. Apostar nos serviços e na tecnologia é necessário, sim, mas varrer totalmente a indústria tradicional seria terrível. "Por que as pessoas valorizam tanto a indústria automobilística? Porque gera muito efeito em cadeia", afirma a economista Paula Montagner, da Fundação Seade. "Nenhum dos ramos de serviço tem essa capacidade de impulsionar a economia -- ou eles respondem à demanda da indústria, ou dependem da renda pessoal." Traduzindo: se São Paulo perdesse sua condição de pólo industrial para se tornar apenas um centro de serviços, ficaria totalmente dependente de outras regiões.

É preciso fazer uma distinção importante: uma coisa é a perda de postos de trabalho. Outra, bem diferente, é o peso do setor. "São Paulo nunca deixou de ser uma metrópole essencialmente industrial", afirma a economista Fátima Araújo, pesquisadora da Fundação Seade. "A queda no emprego industrial não significa uma perda da importância da indústria para a economia." De acordo com um estudo da Fundação Seade de 1995 a maio de 2000, 47% dos investimentos privados anunciados na região metropolitana de São Paulo, o equivalente a 15,4 bilhões de dólares, foram destinados ao setor industrial. Fátima afirma que o aumento da participação do setor de serviços no total de empregos estaria sendo gerado, na verdade, pela reestruturação da indústria -- usando novas tecnologias e processos, ela produz mais contratando menos.

"Esse processo, em que a indústria cede espaço aos serviços, está em curso já há algumas décadas e se acentuou nos anos 90", diz a economista Clarisse Messer, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Segundo afirma, o que dificulta a permanência da indústria na Grande São Paulo é o custo da modernização das fábricas -- proibitivo para a maioria das empresas. A Volkswagen, por exemplo, está gastando cerca de 2 bilhões de reais na reciclagem dos funcionários e na modernização de sua unidade em São Bernardo do Campo -- que em 2002 completa 45 anos. Enquanto a velha indústria tem dificuldades para se manter na Grande São Paulo, as novas unidades muitas vezes são construídas em cidades como Campinas, Jundiaí e Valinhos. É assim que as empresas driblam os altos preços dos terrenos próximos da capital, aproveitam a malha de estradas e ferrovias e fazem projetos que levam em conta a preocupação com o meio ambiente. "Na metrópole permanecem as fábricas antigas e pouco competitivas, que gradualmente vão perdendo sua representatividade", diz Clarisse. "Esse processo é irreversível", afirma.

O movimento de desestruturação industrial atingiu principalmente as micro e pequenas empresas. "São Paulo perdeu 5 mil estabelecimentos nos anos 90", diz o economista Marcio Pochmann, secretário municipal do Trabalho. Com a abertura para as importações e o câmbio valorizado, setores como o têxtil não resistiram à concorrência externa. Ainda assim, Pochmann não acredita que seja um caminho sem volta. Durante a década de 90, São Paulo perdeu participação no total nacional de emprego industrial. Começou a recuperá-la no início de 2001 -- ano que prometia marcar a retomada do crescimento do país, não fossem as crises que se sucederam. "Se o Brasil crescesse de 5% a 6% ao ano, São Paulo voltaria a ter condições de expandir o emprego industrial", afirma Pochmann. "O potencial ainda existe, está aqui."

O secretário afirma que, no caso brasileiro, a destruição de postos de trabalho na indústria pode estar sendo superestimada. "Nos anos 80, o setor industrial absorvia ocupações que não eram da indústria: serviços de segurança, transporte, alimentação e limpeza", diz. "Essas atividades passaram a ser terceirizadas e agora são contabilizadas como empregos do setor de serviços." Ou seja: as pesquisas apontam que os profissionais mudaram de setor, mas continuam exercendo as mesmas funções.

A transferência de empregos para o setor de serviços não provoca apenas um impacto estatístico. É decisivo do ponto de vista social. A maioria dos trabalhadores que saem da indústria para as empresas prestadoras de serviço encontra situações mais precárias de trabalho. Muitos dos antigos operários migraram para as ocupações que mais cresceram na metrópole nos últimos anos: serviços domésticos, segurança, motoboys e balconistas. "Não se pode comparar a transformação do emprego em São Paulo com o que ocorreu em metrópoles como Nova York e Tóquio. Nelas, o emprego de serviços é mais intelectual, produz conhecimento", diz Eduardo César Marques, professor de ciência política na USP e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). "Aqui, como na Cidade do México, a proliferação dos serviços traduziu-se em empregos mais precários e queda de renda."

É claro que uma parte dos trabalhadores foi beneficiada com a mudança de setor. Profissionais de marketing, engenharia e design, por exemplo, são hoje muito mais bem remunerados do que se estivessem empregados na indústria. Mas, de modo geral, a explosão dos serviços aumentou a informalidade e a falta de segurança no emprego -- mesmo nos casos em que a função não tenha mudado.

A diminuição na renda tem como conseqüência imediata a queda na capacidade de consumir. Em 1995, a capital paulista detinha 16% do potencial de consumo nacional. Hoje, 11%. Essa redução está provavelmente vinculada ao êxodo industrial e ao aumento do subemprego. "Muitas fábricas se transferiram para o Nordeste e para o Sul", afirma Marcos Pazzini, diretor da consultoria Target Marketing. "Nessas regiões o potencial de consumo aumentou."

Qual a saída para São Paulo? "Há um destino a escolher", afirma Eduardo Fontes Hotz, presidente da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa). Para Hotz, a opção seria São Paulo associar-se, como centro de decisão e finanças, a Campinas (pólo de tecnologia e conhecimento) e a Santos (o maior porto da América Latina). "Juntas, essas três regiões poderão competir com os maiores centros mundiais da nova ordem econômica", diz. O urbanista Jorge Wilheim, secretário municipal do Planejamento, concorda com o potencial global da chamada "macrorregião paulista" (que inclui também parte do Vale do Paraíba). Ele defende a criação de conselhos que discutiriam questões comuns às cidades interligadas. Isso facilitaria a solução de problemas que muitas vezes ultrapassam as fronteiras municipais. "A integração da região metropolitana até que vai indo bem na prática", diz Wilheim. "Mas na teoria ela nunca aconteceu."

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