Economia

A globalização nasceu 13 000 anos atrás

Collapse prossegue a fascinante saga para descobrir por que algumas sociedades florescem, enquanto outras fracassam

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h02.

Quando chegou às livrarias, no início do ano, Collapse (editora Viking, sem tradução em português), de Jared Diamond, foi direto para o topo da lista de best-sellers de não-ficção. O sucesso deve-se a seu livro anterior, Armas, Germes e Aço, de 1997 (editora Record). Collapse manteve-se no primeiro lugar por várias semanas e também arrastou de volta Armas, Germes e Aço para o terceiro lugar. Com razão. O livro vendeu mais de 1 milhão de exemplares e ganhou o Pulitzer em 1998. Pretende abarcar 13 000 anos de história da humanidade sem referir-se a nenhum personagem isolado, nenhum sábio, líder religioso ou guerreiro da Antiguidade. Parece a receita para um fracasso editorial, mas Diamond, dono de uma prosa irresistível, sempre pensa grande e recheia os saltos históricos de milhares de anos com minúcias deliciosas de sua erudição científica. Collapse começa onde termina Armas, Germes e Aço -- as duas obras formam na verdade um livro de 1 000 páginas. Na primeira parte, Diamond tenta responder a uma pergunta de Yali, um nativo de Papua-Nova Guiné, desses que saíram direto da Idade da Pedra para um mundo globalizado pela colonização inglesa. Por que algumas civilizações deram certo e outras desapareceram? A lon ga resposta de Diamond, um fisiologista que migrou para a ornitologia e se tornou o maior especialista em pássaros de Nova Guiné (seguindo a inspiração de Darwin) e acabou dominando a história e a geografia, é fascinante. Em vez de culpar as populações, como fazem os racistas, Diamond perseguiu as razões nas condições geográficas que existiam no mundo há 13 000 anos para mostrar que duas populações da época, dependendo do meio ambiente, podem chegar a desfechos históricos bem diferentes ao longo do milênio.

Por exemplo, por que os habitantes do Crescente Fértil (a Mesopotâmia) e da China decolaram no processo civilizatório enquanto as populações de índios norte-americanos na mesma época permaneceram na Pré-História? Diamond tem várias explicações que surpreendem pela simplicidade. O Crescente Fértil da Mesopotâmia e a China, berços da agricultura, estão aproximadamente na mesma latitude geográfica. Isso significa que as plantas e os animais domesticáveis e as inovações tecnológicas puderam viajar desimpedidos de Portugal à China sem risco de desaparecer por causa das variações climáticas. O mesmo não acontece nas Américas. No eixo predominante vertical, do Alasca à Patagônia, ocorrem enormes variações climáticas, sem chance para uma espécie bem-sucedida localmente ser transplantada por grandes distâncias pelo comércio ou pela agricultura estável. Isso pode parecer meio óbvio agora. Mas a questão levantada por Diamond é que se constrói melhor uma história científica seguindo os rastros deixados na expansão das culturas de trigo do que esmiuçando a história rocambolesca de Alexandre na unificação da civilização helênica. O mesmo acontece com os animais, aliados sem os quais a civilização estanca. Na América inexistiam cavalos para transporte de cargas e para as guerras.

Collapse responde a outra pergunta direta. Como sociedades complexas e bem-sucedidas, no auge do seu poderio, escolhem caminhos que vão dar certo ou fracassam miseravelmente, levando à extinção? Pessoas na faixa dos 50 anos vão se lembrar com certeza do enorme sucesso do escritor Erick Von Daniken com seu Eram os Deuses Astronautas? Diante das enormes estátuas, pesando toneladas, que guardam a hoje inóspita ilha de Páscoa, Daniken argumenta que elas não poderiam ter sido erguidas por humanos. Nem mesmo os remanescentes dos antigos povos da ilha sabiam explicar como e por que foram erguidos aqueles monumentais torsos que a vigiam. Eram obras de extraterrestres, garante até hoje Daniken. A explicação de Diamond e de outros pesquisadores é na verdade mais espantosa ainda. As estátuas gigantescas faziam apenas parte de uma tola disputa de prestígio entre os 12 clãs tribais da ilha. A civilização desapareceu porque seus habitantes, ensandecidos na febre de construir estátuas gigantescas, acabaram comendo tudo que se movia ou crescia na ilha -- inclusive, no final, depois dos ratos, eles mesmos.

Mas em que essas experiências antigas podem ajudar as economias modernas, no entender de Diamond? É que na maioria dos casos essas sociedades antigas falharam em perceber desastres iminentes ou perceberam, mas não fizeram nada -- quando não pioraram a situação com medidas corretivas claramente erradas. Como os mecanismos básicos de decisões de grupos humanos são movidos por impulsos entranhados nos genes e nas culturas, essas questões são tão presentes hoje como na aurora de civilização. Por exemplo, pode o Primeiro Mundo manter seu atual nível de consumo exorbitante à custa da destruição de recursos e insumos não-renováveis na periferia do mundo ou mesmo dentro dos Estado Unidos e da Europa? Pior, o que vai acontecer quando as populações do Terceiro Mundo, entre elas a China e a Índia, tentarem aderir aos mesmos padrões de consumo? Diamond não é o ecochato de plantão. É um cientista membro da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, a favor das sementes modificadas por engenharia genética e do progresso do bem-estar da humanidade. Encerra Collapse dizendo-se "cautelosamente otimista" quanto ao futuro. Seu otimismo, no entanto, refere-se à qualidade das soluções que vão ser dadas aos problemas catastróficos que estão engatilhados hoje com a globalização e a interdependência que pode ser fatal. Ele não tem dúvidas de que os problemas vão ser resolvidos inevitavelmente nos próximos 50 anos. O otimismo de Diamond é que esses problemas podem ser solucionados pacificamente, com o Primeiro Mundo abdicando de parte de seu consumo desenfreado. Se isso falhar, a natureza se encarregará de resolver a pressão insustentável, repetindo o curso da história que chega ao fim num colapso rápido e impiedoso da volta à barbárie. Com almoço de ratos e sobremesa de tutano.

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