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Turnover é problema?

A rotatividade de funcionários é natural e até mesmo saudável. Mas pode escalar a um ponto em que passa a ser uma preocupação

Tão importante quanto saber por que uma pessoa quer entrar em sua empresa é entender por que ela deseja sair (MirageC/Getty Images)
Tão importante quanto saber por que uma pessoa quer entrar em sua empresa é entender por que ela deseja sair (MirageC/Getty Images)
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Sofia Esteves

Publicado em 24 de junho de 2022 às, 06h00.

Última atualização em 18 de julho de 2022 às, 19h38.

Por Sofia Esteves

Talvez você tenha estranhado esse título porque, normalmente, a palavra “turnover” é associada a um problema. Ela é vista sempre como algo ruim, que traz um grande prejuí­zo para a empresa, mas a verdade é que o cenário não é exatamente esse. Longe de mim querer minimizar o impacto da saída de um talento. Essa “dança das cadeiras” entre talentos é natural e até mesmo saudável, pois gera novas experiências para as duas partes — tanto para a organização quanto para o(a) colaborador(a). Porém, ainda que nem sempre o turnover seja motivo de dor de cabeça, tal movimento de saída pode escalar para um ponto em que, de um fluxo natural, passa a ser uma evasão preocupante. É o caso das empresas que têm vivido o fenômeno da great resignation — ou “grande renúncia” — ou que têm sofrido com a disputa por talentos em áreas como a de TI e a de inovação.

Essa escalada nem sempre é percebida. Claro, as organizações têm noção de quantas pessoas deixaram seu quadro e por quanto tempo permaneceram na empresa, mas nem sempre sabem quando esse fluxo atravessa o nível de normalidade para o de alerta vermelho. E isso pode acontecer por alguns motivos.

Um deles é que existe a percepção de que faltam postos de trabalho formal, conforme apontado por uma pesquisa recente da EXAME/IDEIA. Pode ser que muitos empregadores pensem que está sobrando mão de obra qualificada e que, portanto, a saída de um talento é mais facilmente “superável”. A realidade não é exatamente essa e, dependendo do perfil buscado, pode ser muito difícil encontrar alguém pronto para desempenhar o mesmíssimo papel do talento que pediu demissão.

Outro motivo que pode levar uma organização a ignorar o perigo de um alto índice de rotatividade é a falta de conhecimento sobre as razões que fizeram com que uma pessoa deixasse aquele emprego. Nem todo RH realiza uma entrevista de desligamento cuidadosa, e a verdade é que tão importante quanto saber por que uma pessoa quer ingressar em sua empresa é entender por que ela deseja sair. Às vezes, pode ser só uma questão salarial ou uma transição de carreira que não foi possível no trabalho atual — e tudo bem. Mas, outras vezes, pode ser descontentamento com a liderança, ausência de um plano de carreira, piora da qualidade de vida e da saúde mental, e outras questões que podem impactar negativamente a marca empregadora.

Independentemente dos motivos que levam a essa “miopia”, existem alguns sinais de alerta que podem ajudar a liderança de uma empresa a começar a enxergar melhor e a evitar as consequências da alta do turnover. A seguir, listo algumas pistas para saber quando a rotatividade passou do nível de normalidade.

1. A taxa de turnover voluntário de sua empresa subiu. Aqui, estamos considerando quem pede demissão, e não as pessoas que foram desligadas por iniciativa da empresa. A ideia não é apenas olhar para o índice isoladamente, mas ter uma base de comparação definida para identificar comportamentos fora do padrão desejado. Para isso, é necessário definir um parâmetro, que pode ser o histórico da própria empresa, uma meta estabelecida para o negócio ou mesmo um comparativo com organizações de perfil similar. A liderança estratégica só saberá se algo no entra e sai de pessoas está errado se medir essa movimentação e comparar a taxa atual com o padrão adotado.

2. As saídas poderiam ter sido evitadas. Há colaborador(a) que sai de uma empresa porque conseguiu uma proposta salarial muito superior à remuneração da empregadora atual. Existe profissional que sai porque quer trabalhar em outro setor ou porque se encantou com um projeto específico de outro lugar. Agora, há também os casos em que as pessoas deixam uma organização por motivos que poderiam ser contornados caso houvesse uma escuta atenta, o diálogo constante e uma gestão de pessoas cuidadosa e estratégica. Quando isso acontece, o turnover passa a ser motivo de preocupação.

3. O custo do turnover está impactando a saúde financeira da empresa. Existe um cálculo que ajuda a identificar quanto o turnover custa para uma empresa, mas não é esse resultado sozinho que vai acender o sinal vermelho. O que deve ser avaliado também é quanto esse número está pesando no bolso da empresa, considerando o tempo investido na seleção, na integração, no treinamento e no desenvolvimento da pessoa até ela começar a ter uma boa performance na função e na área — alguns estudiosos consideram que um talento leva, em média, seis meses para se adaptar e ter alto desempenho. Entra também nesse cálculo quanto tempo e energia outras pessoas na organização despenderam para treinar e desenvolver o(a) recém-chegado(a). Ou seja, existe toda uma jornada que representa um alto investimento da empresa no talento que, quando decide mudar de emprego, gera uma perda também de capital intelectual e humano.

4. O tempo para repor uma vaga está se tornando cada vez maior. Conforme expliquei no segundo ponto, existem índices de turnover distintos e, por isso, é importante estabelecer uma medida de comparação que faça sentido para o negócio. Agora, se a empresa ainda não tem essas métricas, uma forma fácil e prática de entender se a rotatividade está alcançando taxas preocupantes é avaliar o tempo gasto para contratar uma nova pessoa. Será que a velocidade de saída condiz com a velocidade para encontrar profissionais semelhantes? O RH está gastando o mesmo tempo que antes para repor uma vaga, ou esse período de busca está se tornando cada vez maior?

Os itens acima não são regras absolutas ou uma sentença dramática de que a organização está em perigo. Os quatro pontos são alertas que podem ajudar a liderança de uma organização a refletir sobre a realidade atual de seu negócio e a avaliar se é o caso de estruturar um plano de ação para tornar as relações de trabalho com os talentos mais interessantes e duradouras.