A ética pós-leniência
O fechamento do acordo de leniência e a assinatura das delações premiadas da Odebrecht fecham um ciclo. Muitas outras virão se os políticos não tiverem sucesso nas suas artimanhas noturnas. Mas, pelo tamanho e pela importância, a da Odebrecht é um capítulo a parte. Fechada esta página começam a se avolumar as preocupações com a […]
Da Redação
Publicado em 9 de dezembro de 2016 às 10h16.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h01.
O fechamento do acordo de leniência e a assinatura das delações premiadas da Odebrecht fecham um ciclo. Muitas outras virão se os políticos não tiverem sucesso nas suas artimanhas noturnas. Mas, pelo tamanho e pela importância, a da Odebrecht é um capítulo a parte.
Fechada esta página começam a se avolumar as preocupações com a sobrevivência das grandes empreiteiras envolvidas no escândalo. Ressalte-se que os inimigos da Lava-Jato sempre a acusaram de colocar em risco o país com o enfraquecimento dos grandes grupos e da Petrobras. Mais recentemente, porém, a apreensão se espalhou por muitos setores da sociedade.
Em artigo na revista EXAME de 23/11/2016, intitulado “A punição que é inútil”, J. R. Guzzo escreve: “A destruição gradativa das grandes construtoras que se envolveram em roubalheira é um desastre para o país”. A aflição é legítima dada a situação financeira de todas elas, com um excesso de dívidas e dificuldades para conseguir novos contratos. Terão capacidade para construir um novo futuro pós Lava-Jato?
Para que tenham sucesso na reconstrução é necessária a gestação de uma nova relação de credibilidade com a sociedade e com os seus colaboradores. A julgar pelo anúncio publicado pela Odebrecht nos jornais, na semana passada, os sinais não são animadores.
É verdade que o pedido de desculpas e o reconhecimento do erro que vêm logo no título – “Desculpe, a Odebecht errou” – são impostos pela situação e, possivelmente, pelo próprio acordo. É possível que não houvesse alternativa. O risco é que com a confissão do pecado e a expiação da culpa a liderança se sinta absolvida pelo que fez. A verdadeira redenção só virá com a construção de uma nova cultura empresarial. Um título melhor seria algo como: O Futuro da Odebrecht.
A segunda parte do anúncio se chama: “Compromisso com o Futuro”. Lista 10 compromissos “para uma atuação ética, integra e transparente”. O decálogo é composto de varias afirmações prometendo que a corrupção vai ser combatida e não tolerada e que um Sistema de Conformidade será implementado. O aparecimento de tais sistemas de Compliance (usando o termo em inglês) se fortaleceu nos Estados Unidos e no mundo depois da quebra da Enron em 2001. Embora as regras já existissem há muito tempo, foi nos últimos 15 anos que elas endureceram. O poder público, os reguladores e a comunidade concluíram que empresários e executivos não são confiáveis e que o seu bom comportamento precisa ser garantido por um processo de comprovação independente e verificável.
Dito de outra maneira, os Sistemas de Conformidade são baseados na desconfiança. Embora se espere que decorra deles uma garantia de integridade, essa certeza não existe pela simples razão de que tudo que é imposto é simulado. Só uma cultura organizacional que se baseie no princípio da liberdade e da responsabilidade produzirá uma ética natural e espontânea. Uma nova geração que traga estampada no peito esta forma de atuação expulsará atos e atitudes estranhos como os anticorpos reagem ás infecções.
Outro principio ativo inibidor de malfeitos é a transparência. Em um mundo de inovação aberta os segredos necessários são poucos, para dentro e para fora da organização. Como no clichê jornalístico em que “o melhor detergente é a luz do sol”, não há melhor receita para a ética certa do que a inexistência de sigilos.
A Odebrecht e as demais empreiteiras são obrigadas a ter um Sistema de Conformidade, como toda grande companhia o é atualmente. Mas, seria mais encorajador ver na lista o compromisso de criação de uma nova cultura organizacional baseada em princípios de liberdade, responsabilidade e transparência. As empresas ganhariam mais com uma nova alma do que com novas regras.
A lista termina com “a convicção de que este Compromisso nos manterá no rumo da Sobrevivência, do Crescimento e da Perpetuidade”. No mundo atual de mudanças aceleradas a garantia de perpetuidade é uma ilusão. As empresas não são mais feitas para durar, mas para brilhar e encantar no presente. A durabilidade e a sobrevivência são uma soma de vitórias (e algumas derrotas) convincentes como em um campeonato de futebol por pontos corridos que nunca acaba.
Guzzo argumenta corretamente no artigo que: “Destruir empreiteiras é destruir dezenas de milhares de empregos – e não empregos quaisquer, mas posições de engenheiros, técnicos, trabalhadores altamente especializados, um ativo econômico fundamental que levou anos para ser construído. É jogar no lixo um imenso conjunto de conhecimentos na construção de usinas hidroelétricas, aeroportos, ferrovias e tudo mais que possa haver em termos de engenharia de alto porte”.
Temos uma chance única de reconstruir um futuro em que estas qualidades e ativos sobrevivam ainda mais fortes e andem juntos com uma nova ética que não seja apenas obediente, submissa e resignada, mas sim convicta, consequente e coletiva.
O fechamento do acordo de leniência e a assinatura das delações premiadas da Odebrecht fecham um ciclo. Muitas outras virão se os políticos não tiverem sucesso nas suas artimanhas noturnas. Mas, pelo tamanho e pela importância, a da Odebrecht é um capítulo a parte.
Fechada esta página começam a se avolumar as preocupações com a sobrevivência das grandes empreiteiras envolvidas no escândalo. Ressalte-se que os inimigos da Lava-Jato sempre a acusaram de colocar em risco o país com o enfraquecimento dos grandes grupos e da Petrobras. Mais recentemente, porém, a apreensão se espalhou por muitos setores da sociedade.
Em artigo na revista EXAME de 23/11/2016, intitulado “A punição que é inútil”, J. R. Guzzo escreve: “A destruição gradativa das grandes construtoras que se envolveram em roubalheira é um desastre para o país”. A aflição é legítima dada a situação financeira de todas elas, com um excesso de dívidas e dificuldades para conseguir novos contratos. Terão capacidade para construir um novo futuro pós Lava-Jato?
Para que tenham sucesso na reconstrução é necessária a gestação de uma nova relação de credibilidade com a sociedade e com os seus colaboradores. A julgar pelo anúncio publicado pela Odebrecht nos jornais, na semana passada, os sinais não são animadores.
É verdade que o pedido de desculpas e o reconhecimento do erro que vêm logo no título – “Desculpe, a Odebecht errou” – são impostos pela situação e, possivelmente, pelo próprio acordo. É possível que não houvesse alternativa. O risco é que com a confissão do pecado e a expiação da culpa a liderança se sinta absolvida pelo que fez. A verdadeira redenção só virá com a construção de uma nova cultura empresarial. Um título melhor seria algo como: O Futuro da Odebrecht.
A segunda parte do anúncio se chama: “Compromisso com o Futuro”. Lista 10 compromissos “para uma atuação ética, integra e transparente”. O decálogo é composto de varias afirmações prometendo que a corrupção vai ser combatida e não tolerada e que um Sistema de Conformidade será implementado. O aparecimento de tais sistemas de Compliance (usando o termo em inglês) se fortaleceu nos Estados Unidos e no mundo depois da quebra da Enron em 2001. Embora as regras já existissem há muito tempo, foi nos últimos 15 anos que elas endureceram. O poder público, os reguladores e a comunidade concluíram que empresários e executivos não são confiáveis e que o seu bom comportamento precisa ser garantido por um processo de comprovação independente e verificável.
Dito de outra maneira, os Sistemas de Conformidade são baseados na desconfiança. Embora se espere que decorra deles uma garantia de integridade, essa certeza não existe pela simples razão de que tudo que é imposto é simulado. Só uma cultura organizacional que se baseie no princípio da liberdade e da responsabilidade produzirá uma ética natural e espontânea. Uma nova geração que traga estampada no peito esta forma de atuação expulsará atos e atitudes estranhos como os anticorpos reagem ás infecções.
Outro principio ativo inibidor de malfeitos é a transparência. Em um mundo de inovação aberta os segredos necessários são poucos, para dentro e para fora da organização. Como no clichê jornalístico em que “o melhor detergente é a luz do sol”, não há melhor receita para a ética certa do que a inexistência de sigilos.
A Odebrecht e as demais empreiteiras são obrigadas a ter um Sistema de Conformidade, como toda grande companhia o é atualmente. Mas, seria mais encorajador ver na lista o compromisso de criação de uma nova cultura organizacional baseada em princípios de liberdade, responsabilidade e transparência. As empresas ganhariam mais com uma nova alma do que com novas regras.
A lista termina com “a convicção de que este Compromisso nos manterá no rumo da Sobrevivência, do Crescimento e da Perpetuidade”. No mundo atual de mudanças aceleradas a garantia de perpetuidade é uma ilusão. As empresas não são mais feitas para durar, mas para brilhar e encantar no presente. A durabilidade e a sobrevivência são uma soma de vitórias (e algumas derrotas) convincentes como em um campeonato de futebol por pontos corridos que nunca acaba.
Guzzo argumenta corretamente no artigo que: “Destruir empreiteiras é destruir dezenas de milhares de empregos – e não empregos quaisquer, mas posições de engenheiros, técnicos, trabalhadores altamente especializados, um ativo econômico fundamental que levou anos para ser construído. É jogar no lixo um imenso conjunto de conhecimentos na construção de usinas hidroelétricas, aeroportos, ferrovias e tudo mais que possa haver em termos de engenharia de alto porte”.
Temos uma chance única de reconstruir um futuro em que estas qualidades e ativos sobrevivam ainda mais fortes e andem juntos com uma nova ética que não seja apenas obediente, submissa e resignada, mas sim convicta, consequente e coletiva.