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A chance do Brasil voltar a ser industrial

O mundo industrial está passando por uma revolução. Por muito tempo pensou-se que a evolução tecnológica, especialmente aquela relacionada à internet, afetaria apenas os setores que processavam informações, e que os produtos físicos seriam pouco impactados por essa explosiva transformação. Não mais. Estamos vivendo uma nova Revolução Industrial, provavelmente mais radical do que qualquer mudança […]

Tecnologia: produção da indústria de alta intensidade avançou 1,4%, enquanto a de média-alta cresceu 2,7% (Jeff J. Mitchell/Getty Images)
Tecnologia: produção da indústria de alta intensidade avançou 1,4%, enquanto a de média-alta cresceu 2,7% (Jeff J. Mitchell/Getty Images)
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Silvio Genesini

Publicado em 21 de julho de 2016 às, 12h23.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h44.

O mundo industrial está passando por uma revolução. Por muito tempo pensou-se que a evolução tecnológica, especialmente aquela relacionada à internet, afetaria apenas os setores que processavam informações, e que os produtos físicos seriam pouco impactados por essa explosiva transformação.

Não mais. Estamos vivendo uma nova Revolução Industrial, provavelmente mais radical do que qualquer mudança que a humanidade viveu anteriormente. O Fórum Econômico de Davos deste ano a chamou de quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0. As tecnologias que impulsionam essa ruptura são tão diversas como: inteligência artificial, robótica, internet das coisas, impressão 3D, veículos autônomos, nanotecnologia, biotecnologia, novos materiais, estocagem de energia, etc.

O Brasil tem uma chance única de pular etapas na sua posição competitiva se concentrar seus esforços de inovação nessas novas tecnologias e não em mudanças incrementais como tem feito até agora. As transformações disruptivas têm esse dom de permitir o que, em inglês, se chama leapfrogging, ou seja, a possibilidade de crescimento exponencial e não linear para construção de um futuro no qual seremos muito mais produtivos e competitivos.

Para contextualizar tal evolução, a primeira Revolução Industrial foi de 1760 a 1840, possibilitada pelo aparecimento das ferrovias e pela invenção das máquinas a vapor. A segunda, que começou no início do século XX, foi impulsionada pela eletricidade e pela linha de montagem — tornando possível a produção em massa. A terceira aconteceu a partir da década de 60 do século passado, quando o advento dos computadores permitiu o surgimento de técnicas avançadas de controle e aperfeiçoamento da produção.

Em cada um desses períodos a produtividade cresceu muito, possibilitando a geração de riquezas e, em muitos casos, a sua distribuição de forma mais equitativa. A terceira revolução abriu os mercados, tornou o mundo plano, e criou a globalização. As fábricas foram para longe do mercado consumidor, especialmente para a Ásia. O conceito de economia de escala, com controle informatizado da produção e o uso de mão de obra barata de países distantes se estabeleceu como padrão mundial de excelência produtiva.

Com a quarta revolução o paradigma anterior se esgota e começam a aparecer as “smart factories”, fábricas menores, muito automatizadas e mais perto do mercado fornecedor. Sintoma dessa transformação é a Foxconn, gigante asiático e principal fornecedor de produtos Apple. Recentemente, sua principal fábrica em Taiwan passou por um processo de automação radical e foram demitidos 50 mil profissionais de um total de 110 mil.

O Brasil que perdeu muitas dessas fábricas internacionais e não construiu as suas pode voltar a ter a expectativa de tê-las na versão 4.0 se conseguir dominar as novas tecnologias.

Essa ruptura pode trazer benefícios impressionantes para os países que surfarem a onda, e pode ser letal para os retardatários. Para piorar a situação, ela acontece em um mundo desigual, no qual a segunda revolução ainda não chegou para mais de um bilhão de pessoas que vivem sem energia elétrica. Além disso, mais da metade da população mundial ainda não tem acesso à internet e, portanto, não podem ser considerados beneficiados pela terceira revolução.

Igualmente, as possibilidades de criação de novos produtos e serviços são infinitas assim como da destruição de empresas e modelos de negócios estabelecidos. No lado humano, os grandes beneficiários serão os detentores de capital físico e intelectual, e perdedores os trabalhadores braçais e com baixa preparação educacional.

Do lado dos países, o desafio é ainda maior. A desigualdade entre desenvolvidos e emergentes — que melhorou sensivelmente nos últimos anos — pode mudar de direção outra vez. Além do risco evidente da perda dos empregos tradicionais sem a substituição por novas ocupações que estejam associadas às tecnologias emergentes.

A edição especial de EXAME Melhores & Maiores deste mês de julho trouxe uma reportagem sobre o estágio de inovação no país com o título “Por que inovamos tão pouco”. Ela traz uma descrição competente e completa das nossas mazelas, e mostra as razões porque estamos na 70ª posição no Global Innovation Index.

Está claro que não adianta tentarmos ser melhores que a Coréia do Sul, China ou Alemanha no que eles fazem bem hoje. Essa é a batalha que já terminou. Eles, entre outros, são os campeões da terceira revolução. No ponto futuro, na guerra que se inicia, os vencedores ainda estão em aberto — e temos uma chance clara se começarmos logo.

A reportagem mostra também a dispersão das nossas prioridades. “No caso da Coréia do Sul são seis. No Brasil, as prioridades até o ano passado eram 15. A nova estratégia do Ministério da Ciência e Tecnologia, publicada em maio, ressalta 11 áreas”. Nenhuma delas tem a ambição explícita de preparar o país para o mundo da internet das coisas, da inteligência artificial, da robótica, da impressão 3D, das smart factories, etc.

O Brasil pode e deve querer ser mais do que um exportador de commodities. O poder público, os empresários, a universidade, nosso nascente ecossistema de inovação têm a obrigação de explicitar o desejo e a narrativa de sermos uma nação industrial geradora de empregos de qualidade. Basta querermos.

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