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Sem motivos para pânico cambial em 2018

De todas as consequências da crise de maio, quando veio à tona a delação da JBS, certamente a maior envolve a questão fiscal. De um lado, a frustração de receitas levará à revisão da meta de déficit primário para pior este ano e ano que vem. De outro, caiu por terra a esperança de se […]

EMANNUEL MACRON: que surja logo nosso reformista para 2018 / Jean-Paul Pelissier/ Reuters
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Da Redação

Publicado em 1 de agosto de 2017 às 16h15.

De todas as consequências da crise de maio, quando veio à tona a delação da JBS, certamente a maior envolve a questão fiscal. De um lado, a frustração de receitas levará à revisão da meta de déficit primário para pior este ano e ano que vem. De outro, caiu por terra a esperança de se ver a reforma da Previdência aprovada antes do próximo governo, em 2019. Nesse cenário cada vez mais aterrador para a política fiscal, o mercado segue complacente.

Tal complacência é fruto da expectativa de que o governo achará saídas, o que é verdade no curto prazo. Se as corporações públicas seguem impedindo o avanço da reforma, cortes de despesas obrigatórias terão que acontecer e o governo parece disposto a enfrentar isso. Ao mesmo tempo, o Banco Central sinaliza pouca preocupação com o curto prazo. Com a inflação em queda, a aprovação ou não da reforma agora saiu do radar como questão relevante para este momento. Uma certa complacência também?

Há uma confiança elevada de que a agenda reformista veio para ficar e há quem veja em Lula a velha figura conciliadora que fará o papel que lhe causava ojeriza em 2002, mas que agradava ao mercado. A visão de um Lula conciliador é ao mesmo tempo a crença de que surgirá a figura de um Macron, o meteórico presidente francês, que unirá o país em torno das medidas que sejam relevantes. Mais do que um forte, o brasileiro é antes de tudo, um otimista. Ao menos, é possível ser otimista nas reformas microeconômicas, que seguem firmemente na liderança de João Pinho de Mello no Ministério da Fazenda. Está para sair a nova Lei de Falências e a MP do BNDES aqui discutida semana passada é mais um fator positivo dessa agenda.

Nesse mar de condescendentes incertezas, um termômetro essencial de momentos de crise poderá ser beneficiado, que é a taxa de câmbio. Certamente haverá mais volatilidade, mas não parece haver espaço, no momento, para tendência de depreciação muito intensa, ou seja, que considere variações muito acima de 15%. Dois elementos serão essenciais para esse comportamento benigno.

Primeiro, diferente do cenário de 2002, as contas externas estão sob controle. A balança comercial deve ficar próxima de 60 bilhões de dólares este ano, com leve queda ano que vem. O déficit em conta corrente que era de 4% do PIB apenas poucos anos atrás agora caminha para ficar próximo de 0% este ano. Seguimos credores em dívida externa, com reservas pouco abaixo de 400 bilhões de dólares. Se fosse um cenário de desajuste, o mercado sinalizaria com uma depreciação cambial mais intensa para ajustar rapidamente o desequilíbrio. Seria, como chamamos, um overshooting cambial semelhante ao de 2002. Mas sem crise nas contas externas, não haveria razão para nenhuma explosão cambial.

Segundo, o efeito Trump seguirá sendo devastador. Ao final de seu primeiro semestre de governo já parece um governo ao final de oito anos de mandato. Até agora, nada relevante de política econômica foi aprovado, o que é positivo em muitos casos, mas sinaliza o que sempre se desconfiava de Trump. Ele é presidente, mas não é líder, o que só aumentará sua dose de derrotas e de inimigos em Washington.

Trump pode ser o estopim de um cenário mais complicado para a economia americana, pois é o elemento desagregador que paralisa decisões de investimento. Nesse sentido, é muito semelhante ao efeito Dilma na economia. Pode-se dizer que o presidente brasileiro tem na agenda de política econômica mais capacidade de interferir na economia, mas o fato é que Trump foi aceito pelo mercado na crença de que faria as reformas, especialmente a tributária, para estimular o crescimento. A frustração de tal possibilidade é que poderá arrefecer os ânimos dos investidores.

Por outro lado, a Europa segue firme em recuperação, com PIB crescendo em torno de 2% este ano, inflação sob controle, queda forte da taxa de desemprego e, o mais importante, alguma estabilidade política no horizonte, especialmente depois do fenômeno Macron. Até ano que vem há poucos cenários de ruptura possíveis na Europa, o maior talvez sendo a eleição da Itália no começo do ano. Mesmo assim, o relativo Estados Unidos/Europa mostra que o velho continente está em melhor forma no curto prazo.

A consequência é que o dólar tenderá a continuar se enfraquecendo em relação ao euro, mas também a outras moedas. Para o Real, seria um freio importante para evitar grandes depreciações em ano eleitoral.

Enfrentaremos a turbulência eleitoral em condições muito mais amenas, mas não nos enganemos. Não há muitos candidatos disponíveis a fazer o jogo do ajuste, nem haverá espaço na opinião pública para aceitar quem toque nesse assunto. O mercado poderá acreditar que qualquer um que ganhar terá que reverter suas posições históricas e contrárias, especialmente durante a eleição. Dilma foi exemplo recente disso de dizer o que não acreditava, mas o mercado comprou que nada mudaria. Assim, pode até ser que o mercado se aquiete em 2018, mas poderá ver o lobo tirar a pele de cordeiro a depender de quem ganhar em 2019. No momento, há mais lobos vestidos de carneiros no mercado eleitoral. Que surja logo nosso necessário Macron reformista.

SERGIO VALE

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Tal complacência é fruto da expectativa de que o governo achará saídas, o que é verdade no curto prazo. Se as corporações públicas seguem impedindo o avanço da reforma, cortes de despesas obrigatórias terão que acontecer e o governo parece disposto a enfrentar isso. Ao mesmo tempo, o Banco Central sinaliza pouca preocupação com o curto prazo. Com a inflação em queda, a aprovação ou não da reforma agora saiu do radar como questão relevante para este momento. Uma certa complacência também?

Há uma confiança elevada de que a agenda reformista veio para ficar e há quem veja em Lula a velha figura conciliadora que fará o papel que lhe causava ojeriza em 2002, mas que agradava ao mercado. A visão de um Lula conciliador é ao mesmo tempo a crença de que surgirá a figura de um Macron, o meteórico presidente francês, que unirá o país em torno das medidas que sejam relevantes. Mais do que um forte, o brasileiro é antes de tudo, um otimista. Ao menos, é possível ser otimista nas reformas microeconômicas, que seguem firmemente na liderança de João Pinho de Mello no Ministério da Fazenda. Está para sair a nova Lei de Falências e a MP do BNDES aqui discutida semana passada é mais um fator positivo dessa agenda.

Nesse mar de condescendentes incertezas, um termômetro essencial de momentos de crise poderá ser beneficiado, que é a taxa de câmbio. Certamente haverá mais volatilidade, mas não parece haver espaço, no momento, para tendência de depreciação muito intensa, ou seja, que considere variações muito acima de 15%. Dois elementos serão essenciais para esse comportamento benigno.

Primeiro, diferente do cenário de 2002, as contas externas estão sob controle. A balança comercial deve ficar próxima de 60 bilhões de dólares este ano, com leve queda ano que vem. O déficit em conta corrente que era de 4% do PIB apenas poucos anos atrás agora caminha para ficar próximo de 0% este ano. Seguimos credores em dívida externa, com reservas pouco abaixo de 400 bilhões de dólares. Se fosse um cenário de desajuste, o mercado sinalizaria com uma depreciação cambial mais intensa para ajustar rapidamente o desequilíbrio. Seria, como chamamos, um overshooting cambial semelhante ao de 2002. Mas sem crise nas contas externas, não haveria razão para nenhuma explosão cambial.

Segundo, o efeito Trump seguirá sendo devastador. Ao final de seu primeiro semestre de governo já parece um governo ao final de oito anos de mandato. Até agora, nada relevante de política econômica foi aprovado, o que é positivo em muitos casos, mas sinaliza o que sempre se desconfiava de Trump. Ele é presidente, mas não é líder, o que só aumentará sua dose de derrotas e de inimigos em Washington.

Trump pode ser o estopim de um cenário mais complicado para a economia americana, pois é o elemento desagregador que paralisa decisões de investimento. Nesse sentido, é muito semelhante ao efeito Dilma na economia. Pode-se dizer que o presidente brasileiro tem na agenda de política econômica mais capacidade de interferir na economia, mas o fato é que Trump foi aceito pelo mercado na crença de que faria as reformas, especialmente a tributária, para estimular o crescimento. A frustração de tal possibilidade é que poderá arrefecer os ânimos dos investidores.

Por outro lado, a Europa segue firme em recuperação, com PIB crescendo em torno de 2% este ano, inflação sob controle, queda forte da taxa de desemprego e, o mais importante, alguma estabilidade política no horizonte, especialmente depois do fenômeno Macron. Até ano que vem há poucos cenários de ruptura possíveis na Europa, o maior talvez sendo a eleição da Itália no começo do ano. Mesmo assim, o relativo Estados Unidos/Europa mostra que o velho continente está em melhor forma no curto prazo.

A consequência é que o dólar tenderá a continuar se enfraquecendo em relação ao euro, mas também a outras moedas. Para o Real, seria um freio importante para evitar grandes depreciações em ano eleitoral.

Enfrentaremos a turbulência eleitoral em condições muito mais amenas, mas não nos enganemos. Não há muitos candidatos disponíveis a fazer o jogo do ajuste, nem haverá espaço na opinião pública para aceitar quem toque nesse assunto. O mercado poderá acreditar que qualquer um que ganhar terá que reverter suas posições históricas e contrárias, especialmente durante a eleição. Dilma foi exemplo recente disso de dizer o que não acreditava, mas o mercado comprou que nada mudaria. Assim, pode até ser que o mercado se aquiete em 2018, mas poderá ver o lobo tirar a pele de cordeiro a depender de quem ganhar em 2019. No momento, há mais lobos vestidos de carneiros no mercado eleitoral. Que surja logo nosso necessário Macron reformista.

SERGIO VALE
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