Justiça social na reforma da Previdência
Quem é pobre no Brasil em sua maioria já se aposenta pela idade mínima sugerida de 65 anos e com renda em geral até 2 salários mínimos
Da Redação
Publicado em 22 de fevereiro de 2019 às 18h06.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2019 às 08h42.
Pouco mais de vinte anos depois da derrota do governo Fernando Henrique na votação da reforma da Previdência, estamos às voltas com outro embate no Congresso sobre o mesmo assunto. O atraso fez com que a reforma mais simples de 1997 se transformasse em algo muito mais complexo agora.
Mas passados vinte anos o que não se pode mais fazer é tergiversar sobre a realidade da crise na previdência. Os números hoje são mais do que claros para mostrar a necessidade de uma mudança radical. Basta lembrar que, hoje, 59% do gasto primário, ou seja, sem considerar os juros pagos, vão para a previdência. Sobram 41% para todo o resto do gasto público. Na minha estimativa, até 2030 esse número chegará a 91% se não houver nenhuma reforma, sobrando obviamente 9% para educação, saúde, etc.
A estrutura do Estado brasileiro investe muito mais na velhice do que na juventude, um contrassenso em um país que ainda é muito pobre. Nesse sentido, quem é contra a reforma traz o argumento de que a previdência ajuda a diminuir a pobreza na velhice, diminuindo a desigualdade de renda, o que é falso. Muito pelo contrário, a previdência brasileira é um dos elementos que perpetuam nossa desigualdade de renda. Basicamente porque quem é mais rico é mais privilegiado na contabilidade final para receber sua aposentadoria, seja porque está no serviço público, seja porque consegue mais comprovação de contribuição à previdência, podendo se aposentar muito cedo. Quem é pobre no Brasil em sua maioria já se aposenta pela idade mínima sugerida de 65 anos e com renda em geral até 2 salários mínimos.
Outro ponto positivo da reforma é a contribuição progressiva, na qual quem ganha mais pagará mais. Isso é um elemento secundário na reforma, com efeito próximo de zero no resultado final da economia de gastos, mas serve como canal de convencimento da sociedade da justiça social por trás da reforma. Um ponto negativo, por provavelmente cair durante a discussão, é o salário de R$ 400 para quem é pobre e querer se aposentar antes dos 70 anos. Essa parte deverá ser bastante transformada na medida final.
De qualquer maneira, ao propor a nova reforma o governo quer que no final da vida todos sejam tratados de forma semelhante. Mais ainda, colocará em discussão uma das grandes jabuticabas perversas que temos no Brasil que é não haver uma idade mínima para aposentadoria. Isso permite que muita gente se aposente abaixo dos 50 anos de idade, quando a expectativa de vida de quem chega aos 65 anos de idade é em torno de 85 anos. Apenas treze países do mundo não têm idade mínima de aposentadoria, sendo que a maioria são países em estado de guerra civil ou então com tempos exigidos de contribuição muito mais elevados do que o nosso. No Equador, por exemplo, trabalha-se quarenta anos para poder se aposentar.
A reforma atual pretende economizar R$ 1,1 trilhão em dez anos, mas dadas as fragilidades políticas do governo, difícil que se aprove a integralidade da reforma. Estimo que podemos chegar a algo entre R$ 700 a 800 bilhões no final do processo. Menos do que isso será lido pelo mercado como uma derrota e uma crise fiscal que se manterá no horizonte. Dado que a reforma será um processo muito longo com idas e vindas nas discussões nas comissões, a cada nova proposta da comissão saberemos se a reforma caminha para R$ 800 bilhões ou R$ 400 bilhões de economia.
Uma reforma mais próxima desse último número fará o mercado ter uma reação muito negativa, sinalizando o que viria pela frente caso não se aprovasse uma reforma mais robusta. Seria um pouco parecido com a reação negativa do mercado em setembro do ano passado quando o PT disparou e havia chance de vitória de Fernando Haddad.
O vai e vem da reforma deverá atrasar sua aprovação. Estimo que apenas no final do primeiro semestre devemos ter a votação em primeiro turno na Câmara e o processo final no Senado terminado apenas no segundo semestre, lá para setembro ou outubro.
É possível que a reforma não seja aprovada? Claro, cisnes negros sempre podem ocorrer. Mas o Congresso precisa estar consciente do que significará aprovar uma reforma muito aguada ou não aprovar nada. Imediatamente o mercado entenderá que o Estado brasileiro optou por voltar à recessão. O caminho traçado é pela clareza de que sem a reforma da previdência, o gasto público continuará crescendo de forma significativa, a regra do teto terá que ser desfeita e em três anos a dívida pública bruta do governo chegaria a 90% do PIB. Não precisa falar que o governo Bolsonaro politicamente estaria liquidado em caso de não aprovação ou aprovação de algo muito fraco.
Vale dizer que os problemas não acabam com a aprovação de uma boa reforma. Ela é apenas uma condição necessária, mas não suficiente, para que a economia volte a crescer. Mas a aprovação da reforma em tese traria força para o Ministro Paulo Guedes para seguir com as outras reformas, especialmente a tributária, que também é constitucional. E permitiria que as reformas microeconômicas tão necessárias começassem a tomar o centro das discussões. Quando Temer tomou posse em maio de 2016 a centralidade da crise fiscal fez com que as reformas microeconômicas começassem a aparecer só no final daquele ano em anúncio feito por Mansueto Almeida naquele momento. Agora será a mesma coisa, com reformas pró-produtividade começando a aparecer no segundo semestre, depois da solução final da previdência.
Está agora nas mãos da equipe política do pr esidente Bolsonaro , do Congresso e da própria capacidade de comunicação do governo em vender a reforma e convencer a sociedade da sua necessidade. O caminho alternativo dessa vez não seria suave como em outros momentos.
Pouco mais de vinte anos depois da derrota do governo Fernando Henrique na votação da reforma da Previdência, estamos às voltas com outro embate no Congresso sobre o mesmo assunto. O atraso fez com que a reforma mais simples de 1997 se transformasse em algo muito mais complexo agora.
Mas passados vinte anos o que não se pode mais fazer é tergiversar sobre a realidade da crise na previdência. Os números hoje são mais do que claros para mostrar a necessidade de uma mudança radical. Basta lembrar que, hoje, 59% do gasto primário, ou seja, sem considerar os juros pagos, vão para a previdência. Sobram 41% para todo o resto do gasto público. Na minha estimativa, até 2030 esse número chegará a 91% se não houver nenhuma reforma, sobrando obviamente 9% para educação, saúde, etc.
A estrutura do Estado brasileiro investe muito mais na velhice do que na juventude, um contrassenso em um país que ainda é muito pobre. Nesse sentido, quem é contra a reforma traz o argumento de que a previdência ajuda a diminuir a pobreza na velhice, diminuindo a desigualdade de renda, o que é falso. Muito pelo contrário, a previdência brasileira é um dos elementos que perpetuam nossa desigualdade de renda. Basicamente porque quem é mais rico é mais privilegiado na contabilidade final para receber sua aposentadoria, seja porque está no serviço público, seja porque consegue mais comprovação de contribuição à previdência, podendo se aposentar muito cedo. Quem é pobre no Brasil em sua maioria já se aposenta pela idade mínima sugerida de 65 anos e com renda em geral até 2 salários mínimos.
Outro ponto positivo da reforma é a contribuição progressiva, na qual quem ganha mais pagará mais. Isso é um elemento secundário na reforma, com efeito próximo de zero no resultado final da economia de gastos, mas serve como canal de convencimento da sociedade da justiça social por trás da reforma. Um ponto negativo, por provavelmente cair durante a discussão, é o salário de R$ 400 para quem é pobre e querer se aposentar antes dos 70 anos. Essa parte deverá ser bastante transformada na medida final.
De qualquer maneira, ao propor a nova reforma o governo quer que no final da vida todos sejam tratados de forma semelhante. Mais ainda, colocará em discussão uma das grandes jabuticabas perversas que temos no Brasil que é não haver uma idade mínima para aposentadoria. Isso permite que muita gente se aposente abaixo dos 50 anos de idade, quando a expectativa de vida de quem chega aos 65 anos de idade é em torno de 85 anos. Apenas treze países do mundo não têm idade mínima de aposentadoria, sendo que a maioria são países em estado de guerra civil ou então com tempos exigidos de contribuição muito mais elevados do que o nosso. No Equador, por exemplo, trabalha-se quarenta anos para poder se aposentar.
A reforma atual pretende economizar R$ 1,1 trilhão em dez anos, mas dadas as fragilidades políticas do governo, difícil que se aprove a integralidade da reforma. Estimo que podemos chegar a algo entre R$ 700 a 800 bilhões no final do processo. Menos do que isso será lido pelo mercado como uma derrota e uma crise fiscal que se manterá no horizonte. Dado que a reforma será um processo muito longo com idas e vindas nas discussões nas comissões, a cada nova proposta da comissão saberemos se a reforma caminha para R$ 800 bilhões ou R$ 400 bilhões de economia.
Uma reforma mais próxima desse último número fará o mercado ter uma reação muito negativa, sinalizando o que viria pela frente caso não se aprovasse uma reforma mais robusta. Seria um pouco parecido com a reação negativa do mercado em setembro do ano passado quando o PT disparou e havia chance de vitória de Fernando Haddad.
O vai e vem da reforma deverá atrasar sua aprovação. Estimo que apenas no final do primeiro semestre devemos ter a votação em primeiro turno na Câmara e o processo final no Senado terminado apenas no segundo semestre, lá para setembro ou outubro.
É possível que a reforma não seja aprovada? Claro, cisnes negros sempre podem ocorrer. Mas o Congresso precisa estar consciente do que significará aprovar uma reforma muito aguada ou não aprovar nada. Imediatamente o mercado entenderá que o Estado brasileiro optou por voltar à recessão. O caminho traçado é pela clareza de que sem a reforma da previdência, o gasto público continuará crescendo de forma significativa, a regra do teto terá que ser desfeita e em três anos a dívida pública bruta do governo chegaria a 90% do PIB. Não precisa falar que o governo Bolsonaro politicamente estaria liquidado em caso de não aprovação ou aprovação de algo muito fraco.
Vale dizer que os problemas não acabam com a aprovação de uma boa reforma. Ela é apenas uma condição necessária, mas não suficiente, para que a economia volte a crescer. Mas a aprovação da reforma em tese traria força para o Ministro Paulo Guedes para seguir com as outras reformas, especialmente a tributária, que também é constitucional. E permitiria que as reformas microeconômicas tão necessárias começassem a tomar o centro das discussões. Quando Temer tomou posse em maio de 2016 a centralidade da crise fiscal fez com que as reformas microeconômicas começassem a aparecer só no final daquele ano em anúncio feito por Mansueto Almeida naquele momento. Agora será a mesma coisa, com reformas pró-produtividade começando a aparecer no segundo semestre, depois da solução final da previdência.
Está agora nas mãos da equipe política do pr esidente Bolsonaro , do Congresso e da própria capacidade de comunicação do governo em vender a reforma e convencer a sociedade da sua necessidade. O caminho alternativo dessa vez não seria suave como em outros momentos.