Exame.com
Continua após a publicidade

Herança maldita na área fiscal

Às vezes parece que os dramas fiscais de cada país são mais parecidos do que poderíamos imaginar. Em recente artigo, o economista americano Martin Feldstein fez algumas sugestões para acelerar o ajuste fiscal nos Estados Unidos. Lá, como cá, a discussão sobre a sustentabilidade da dívida começou a ficar mais intensa. É verdade que os […]

AJUSTE FISCAL: Uma das propostas de economista americano é aumentar tributação de combustíveis / Joe Raedle / Getty Images (Joe Raedle/Getty Images)
AJUSTE FISCAL: Uma das propostas de economista americano é aumentar tributação de combustíveis / Joe Raedle / Getty Images (Joe Raedle/Getty Images)
S
Sérgio Vale

Publicado em 17 de maio de 2016 às, 12h30.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h07.

Às vezes parece que os dramas fiscais de cada país são mais parecidos do que poderíamos imaginar. Em recente artigo, o economista americano Martin Feldstein fez algumas sugestões para acelerar o ajuste fiscal nos Estados Unidos. Lá, como cá, a discussão sobre a sustentabilidade da dívida começou a ficar mais intensa. É verdade que os EUA têm o grande benefício de ter uma taxa básica de juros de 0,5%, enquanto temos a nossa em 14,25%. Isso permite que, mesmo com um déficit de 3% do PIB e um crescimento nominal de 4%, a dívida ficaria estável em 75% do PIB. No nosso caso, dado o baixo crescimento, a inflação e os juros elevados, o superávit primário requerido para que a dívida se estabilizasse está na casa dos 5% do PIB ao ano, considerando uma média entre 2016 e 2019.

Obviamente, não se pede do novo governo nada parecido. O déficit primário deve fechar esse ano em torno de 2% do PIB, o terceiro ano seguido de números negativos (é doloroso lembrar que até Collor entregou a Itamar uma sequência de três anos de fortes superávits primários). Para 2017, não se pedirá nada mais do que tentar levar esse número para zero. Será factível? Considerando esse cenário de 2% de déficit este ano, se o governo Temer conseguir entregar um crescimento de receita real de 4,5% e manter a queda real do gasto em 2,5% seria possível zerar o déficit ano que vem. Vale sempre ter em mente, para quem acha zero pouco: se o governo Dilma tivesse continuado, com o descontrole instalado, o déficit passaria de R$ 200 bilhões em 2017, piorando muito o cenário para quem virasse presidente em 2019.

Esse cenário de 4,5% de crescimento da receita é coerente com nossa expectativa de PIB para 2017, agora de expansão de 2%. A queda de despesa é mais difícil, dado que terá sido o terceiro ano seguido de forte ajuste nos gastos. Mesmo que não se consiga implementar uma queda real, não é difícil trabalhar com um cenário em que a receita possa ter uma elevação maior caso a CIDE aumente e a repatriação comece a andar, talvez não necessitando de fato da CPMF. A ideia de crescimento da despesa em proporção do crescimento do PIB nominal teve uma chance lá atrás de ser desenvolvida, mas uma certa Ministra da Casa Civil de então havia considerado a possibilidade “rudimentar”.

A reversão de parte do gasto tributário também poderia render recursos significativos. Apenas no primeiro mandato da ex-presidente Dilma esse gasto subiu R$ 100 bilhões e este ano deve chegar a R$ 267 bilhões. Os gastos que vencem esse ano e poderiam não ser renovados, com base nas estimativas de gastos tributários de 2013 da Receita Federal, estão na casa de R$ 3 bilhões. Certamente haverá disposição para negociar alguns desses gastos antes de seu prazo final.

E aqui voltamos à nossa referência inicial, Martin Feldstein. Ele parte de duas propostas para diminuir o déficit: aumentar a tributação na gasolina e cortar gastos tributários. Os americanos conseguem ter ainda mais gastos tributários do que nós, mas, diferente daqui, são dedutíveis em sua maioria no imposto de renda, o que permite às propostas como as de Feldstein colocar um limite para as deduções que os americanos podem fazer. Aqui, as deduções ocorrem em sua maioria diretamente nos impostos cobrados das empresas, o que é mais fácil por questões de fiscalização e simplificação, mas também podem ser mais difíceis de ser retiradas pelo lobby mais estruturado das empresas. Não será fácil derrubar esses gastos tributários.

De qualquer maneira, o ajuste fiscal será o mais difícil que o país já fez. Nenhum presidente entregou ao seu sucessor números tão ruins como agora. Essa herança maldita não conseguirá ser revertida facilmente como a falsa herança maldita, que, por nada ter de maldita, levou a economia a já começar a se recuperar naturalmente em 2003.

Por isso, o papel essencial de Temer, como um governo de transição, é ao fazer o trabalho necessário. Poderá se tornar impopular no curto prazo, mas os benefícios podem surgir rapidamente se ele conseguir imprimir o ritmo ágil que se pede nesse momento.

sergiovale