Trump será um presidente poderoso?
Chegou a hora. Donald Trump assumiu, na última sexta-feira, a presidência dos Estados Unidos. Implacável como sempre deve ser com figuras políticas poderosas, a internet não parou de divulgar imagens comparando Obama a Trump, com este caracterizado como pouco cavalheiro. Um de seus discursos foi até comparado ao de um vilão do Batman. As semelhanças […]
Publicado em 24 de janeiro de 2017 às, 11h06.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h15.
Chegou a hora. Donald Trump assumiu, na última sexta-feira, a presidência dos Estados Unidos. Implacável como sempre deve ser com figuras políticas poderosas, a internet não parou de divulgar imagens comparando Obama a Trump, com este caracterizado como pouco cavalheiro. Um de seus discursos foi até comparado ao de um vilão do Batman. As semelhanças eram, de fato, impressionantes.
Mais importante do que isso é analisar o poder real que Trump terá como presidente. O mandatário norte-americano costuma ser tratado, sem ironia, como “líder do mundo livre”. Resquício da Guerra Fria. O poder presidencial nos Estados Unidos é fortemente baseado na retórica. Comparado ao presidente brasileiro, por exemplo, Trump tem menos poderes constitucionais. Não pode tentar mudar a Constituição. Não pode propor, formalmente, um orçamento para o país. Não pode editar medidas provisórias. Assim como Michel Temer, Trump pode vetar – total ou parcialmente – leis aprovadas pelos parlamentares.
Essas limitações são relevantes. Trump não é um sujeito persuasivo. Como disse o comediante Jerry Seinfeld, é como se uma criança de dez anos tivesse chegado à presidência. Apesar de ter “escrito” o livro
, Trump não é bom negociador como empresário. Nem será como presidente. Mais do que populistas, seus discursos mostram pouca vontade em lidar com parlamentares. É razoável pensar, então, que Trump tentará impor suas vontades aos congressistas.
O novo presidente poderá ter sucesso de duas maneiras: propondo políticas públicas com as quais os parlamentares concordam ou editando decretos com aplicação imediata. A primeira opção parece mais tranquila. Afinal, Trump governará, ao menos até o início de 2019, com maioria republicana tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. É o que se chama de “governo unido”, contra um “governo dividido” em que o presidente é de um partido e a maioria parlamentar (em qualquer uma das casas legislativas) é de outro.
Quando o governo é dividido, o presidente e os parlamentares têm, de acordo com o cientista político Morris Fiorina (autor de “Divided Government”, Simon & Schuster, 1996), menos incentivos para cooperar. Afinal, por que os republicanos ajudariam um presidente democrata a implementar suas políticas – e vice-versa? A disputa pela presidência dificulta isso. Os parlamentares e presidente tendem, então, a jogar o “jogo do veto”, conforme definido por Charles Cameron em “Veto Bargaining: Presidents and the Politics of Negative Power” (Cambridge University Press, 2000). O presidente ameaçaria vetar a lei X, analisada pelos congressistas, e estes adaptá-la-iam para acomodar as preferências do presidente – ou então arriscariam aprová-la e fazer o presidente arcar com o custo do veto.
Mas Trump tem sorte. Contará com o apoio da maioria parlamentar. Pelo menos no papel, certo? Pois o Partido Republicano tem cada vez mais facções internas. Está fragmentado e, nos últimos 25 anos, caminhou muito para a direita (muito mais do que o partido democrata foi para a esquerda). Há uma facção religiosa, outra facção anti-sistema político (“tea party”), uma facção republicana “clássica”… e Trump não pertence a nenhuma delas! A chance de ele propor políticas que desagradam seu partido, portanto, é alta.
O caso da política de imigração é emblemático. O novo presidente passou boa parte de sua campanha falando mal dos imigrantes. Afirmou que mexicanos trazem drogas (!) e violência sexual (!!) para os Estados Unidos. Construirá um muro separando os dois países. Falar é fácil. Para construir esse muro, Trump terá que convencer os parlamentares a destinarem dinheiro do orçamento para este enorme projeto de infraestrutura. Milhares de pessoas seriam empregadas, mas a que custo? A reputação internacional dos Estados Unidos sofreria. E muitos republicanos são contra isso. (Mas Trump não pode gastar dinheiro sem autorização parlamentar? Não pode. Ele não tem um BNDES à disposição!)
A segunda opção de Trump é editar decretos impondo suas preferências políticas. Não são medidas provisórias brasileiras, que têm aplicação imediata e precisam de aprovação parlamentar posterior. São decretos com alcance mais limitado, ao menos na teoria. As “executive orders” são o principal instrumento, mas não o único, para que o presidente norte-americano determine diretamente uma mudança política.
Caso Trump resolva abusar desse mecanismo, os democratas não poderão chiar muito. Barack Obama utilizou-se deles à vontade. Em seu estudo “The Obama administrative presidency: some late-term patterns”, publicado ano passado pela Presidential Studies Quarterly, o cientista político Andrew Rudalevige indica dez atos unilaterais de Obama que tiveram grande alcance.
Dois merecem destaque. O primeiro autorizou ações militares americanas no Iraque e na Síria com o objetivo de combater o Estado Islâmico (ISIS). Como Obama conseguiu fazer isso sem autorização explícita dos parlamentares? Ele argumentou que o Estado Islâmico é uma organização sucessora da Al-Qaeda, e os atos pós-11 de Setembro o autorizariam a usar força militar contra eles. O segundo foi ainda mais polêmico: autorizou o uso de drones para assassinar terroristas, mesmo que sejam cidadãos norte-americanos. De acordo com a justificativa de Obama, um drone equivale a um soldado. Ambos matam em casos de guerra. Não cometem assassinatos. Posição polêmica, para dizer o mínimo. E os congressistas aquiesceram nos dois casos.
A ameaça mais relevante que Trump faz ao legado de Obama é a anulação do “Obamacare”, uma política de saúde que fornece vouchers para milhões de cidadãos pagarem serviços médicos. Os Estados Unidos não têm, ao contrário do Brasil e Inglaterra, um sistema público de saúde com atendimento universal. Antes do Obamacare, apenas idosos e pobres tinham direito a atendimento gratuito. O candidato republicano à presidência em 2012, Mitt Romney, prometeu anular a lei de Obama no primeiro de seu mandato (que, é claro, não ocorreu).
Trump não poderá anular o Obamacare por decreto – o que não significa que ele não pode fazer nada para minimizar o alcance da lei. Para ser anulado, é preciso que o Congresso aprove uma lei retirando do cidadão a obrigação de comprar um seguro-saúde mínimo (que pode, dependendo do caso, ser custeado pelo governo). Caso Trump mude isso por decreto, o Supremo Tribunal Federal norte-americano julgará a medida inconstitucional.
Mas o presidente tem uma carta na manga. Através de um decreto assinado em seu primeiro dia como presidennte, Trump orientou todos os ministérios e agências burocráticas responsáveis por alguma parte do Obamacare a não se esforçarem para implementar medidas dessa legislação que imponham custos ao governo e aos indivíduos. Na prática, é uma tentativa de derrubar o Obamacare aos poucos, a depender da vontade dos burocratas.
Como qualquer presidente americano, Trump terá que ser conciliador se quiser sobreviver no cargo. Seu impeachment não pode ser descartado caso ele continue assim.