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Promotores paulistas e a insegurança dos acordos de leniência

Recusa do Ministério Publico de São Paulo pode ser legítima, mas atrasa investigações importantes sobre os governos Alckmin e Serra

Odebrecht: Promotores do Ministério Público de SP não querem referendar acordo assinado há dez meses a construtora (Mario Tama/Getty Images)
Odebrecht: Promotores do Ministério Público de SP não querem referendar acordo assinado há dez meses a construtora (Mario Tama/Getty Images)
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Sérgio Praça

Publicado em 25 de setembro de 2017 às, 20h26.

Quando Marcelo Odebrecht foi preso em 19 de junho de 2015, tinha a expectativa de sair logo da cadeia. Natural. Até então, o empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, era a grande estrela empresarial da Lava-Jato na cadeia. Odebrecht foi animado para o cárcere. Notabilizou-se por se exercitar em sua diminuta, mas confortável, cela. Com o passar das semanas, a empolgação diminuiu. O Superior Tribunal de Justiça recusou seu pedido de habeas corpus. Ficou cada vez mais claro que Odebrecht e seus asseclas teriam que fazer acordos de colaboração premiada individuais e um acordo de leniência de toda a empresa para evitarem condenações de décadas por seus crimes.

Em dezembro de 2016, Odebrecht assinou um acordo de leniência com o Ministério Público Federal. A empresa pagaria R$ 6,7 bilhões e forneceria plenas informações sobre atos corruptos. Em troca, manteria a prerrogativa de ser contratada por governos e ficaria livre de investigações futuras pelos mesmos crimes. Em outras palavras, uma vez assinado o acordo com o Ministério Publico Federal, outros órgãos como os Ministérios Públicos Estaduais, o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União, o Tribunal de Contas da União e a Advocacia-Geral da União não poderiam incomodar a Odebrecht pelos crimes confessados. Mas o Brasil não é tão simples.

Dez promotores do Ministério Público de São Paulo — órgão estadual, não subordinado ao Ministério Publico Federal — não querem referendar o acordo assinado dez meses atrás por seus pares federais. O motivo alegado pelos bacharéis paulistas é que o acordo não foi aprovado formalmente pelo Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) nem pela Advocacia-Geral da União (AGU). A Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) exige apenas a participação da CGU nos acordos de leniência, mas o endosso da AGU também seria importante – afinal, este órgão poderia pedir ressarcimento monetário adicional ao acordado com o Ministério Público Federal. A recusa do Ministério Publico de São Paulo pode ser legítima, mas atrasa investigações importantes sobre os governos de Geraldo Alckmin (atual governador), José Serra (ex-governador) e Gilberto Kassab (ex-prefeito de São Paulo). Será isto manipulação política para poupar governantes conservadores? Talvez. Há risco de certos crimes prescreverem – ou seja, de o poder público perder o prazo para investigar políticos e empresários por crimes cometidos há muitos anos.

Se o acordo celebrado pelo Ministério Publico Federal fosse obrigatoriamente seguido por outros órgãos, a insegurança jurídica no Brasil diminuiria muito. Não apenas por fatores relacionados à punição de corruptos, mas também pela expectativa sobre o futuro das empresas implicadas. Seria legítimo, embora talvez não desejável, que empresas como a Odebrecht parassem de ser contratadas pelo setor público. Apesar de o acordo de leniência do MPF prever isto, não é uma garantia. Tanto a CGU quanto o TCU podem impedir a Odebrecht de participar de licitações futuras. Ainda não sinalizaram que farão esse impedimento, mas é um risco. Mais um motivo para regulamentar melhor os acordos de leniência.