Exame Logo

O processo de escolha dos ministros do STF tem que mudar?

O presidente Michel Temer (PMDB) tem um dilema a resolver nas próximas semanas. Após a morte de Teori Zavascki em um trágico acidente de avião, cabe a Temer indicar um novo ministro para o Supremo Tribunal Federal. É necessária a aprovação do Senado Federal por maioria absoluta – ou seja, 41 dos 81 senadores. O […]

SUPREMO: apenas cinco vezes na história do Brasil – todas no governo de Floriano Peixoto (1891-1894) – os senadores rejeitaram indicações de ministros feitas pelo presidente / Rosinei Coutinho/SCO/STF
DR

Da Redação

Publicado em 1 de fevereiro de 2017 às 15h48.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h06.

O presidente Michel Temer (PMDB) tem um dilema a resolver nas próximas semanas. Após a morte de Teori Zavascki em um trágico acidente de avião, cabe a Temer indicar um novo ministro para o Supremo Tribunal Federal. É necessária a aprovação do Senado Federal por maioria absoluta – ou seja, 41 dos 81 senadores. O presidente não deverá ter dificuldade para fazer aprovar sua indicação. Apenas cinco vezes na história do Brasil – todas no governo de Floriano Peixoto (1891-1894), o segundo presidente do país – os senadores rejeitaram indicações. Desde 1985, o Senado aprovou os 26 nomes recomendados pelo Executivo.

Se os senadores costumam ser tão deferentes às indicações, será que o presidente tem poder demais para definir nomes do Judiciário? Há processos alternativos de indicação que podem ser interessantes para o país? Duas propostas de emenda constitucional circulam hoje pelo Senado, propondo retirar parte do poder do presidente. Elas poderiam resolver o problema? Antes de analisá-las, é importante considerar alguns aspectos históricos e constitucionais a respeito dos critérios de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

No início do século XX, a maioria dos juízes do STF tinha como origem o cargo de promotor público ou juiz em instâncias inferiores. À medida que as décadas foram passando, houve diversificação. Após 1985, apenas 26% dos indicados para o Supremo começaram como juízes e promotores, enquanto 40% o fizeram como advogados e 26% funcionários públicos. Há implicações interessantes nisso. Um juiz de primeira ou segunda instância alçado ao Supremo certamente lembrará, durante a revisão constitucional de leis aprovadas por políticos, casos “menores” que o fizeram interagir mais diretamente com cidadãos. Mas um advogado indicado para o STF terá experiência diversa, mais afeita a defender interesses específicos do que garantir o cumprimento da lei – embora, é claro, nem sempre essas duas coisas sejam excludentes.

Desde 1946, também houve uma progressiva diminuição na atuação partidária dos escolhidos para compor o STF. Segundo os cientistas políticos André Marenco e Luciano Da Ros, autores do estudo “Caminhos que levam à Corte: carreiras e padrões de recrutamento dos ministros dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário Brasileiro (1829-2006)”, 33% dos juízes escolhidos entre 1985 e 2008 tinham filiação partidária, ante 43% no período 1946-1964. A implicação disto é clara: o Supremo Tribunal Federal tornou-se, ao longo do tempo, espaço de disputa da comunidade jurídica mais do que do campo político. Por isso, não devemos levar muito a sério notícias sobre como o PSDB e o PMDB querem influenciar a escolha de Michel Temer. Muito mais importante será a opinião de juristas, especialmente de São Paulo, estado de origem do presidente.

Segundo a Constituição de 1988, há apenas três critérios a serem seguidos pelo presidente na escolha de um ministro. Ele (ou ela) tem que ter “notável saber jurídico”, “reputação ilibada” e entre 35 e 65 anos. Os ministros do STF têm que se aposentar obrigatoriamente aos 70 anos. Podem, como foi o caso de dois juízes desde 1985, abandonar o cargo para integrar governos.

Atualmente, duas propostas de emenda à Constituição (PECs) que sugerem mudanças no processo de escolha de ministros do STF tramitam no Senado. A mais avançada é a PEC 35/2015, já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pronta para votação em plenário (embora não haja nenhuma movimentação recente nesse sentido). O autor é o senador Lasier Martins (PDT-RS). Propõe que o presidente nomeie o juiz a partir de uma lista com três nomes sugeridos pelos presidentes dos tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Superior Tribunal Militar e Tribunal Superior Eleitoral) e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Estabelece mandato de dez anos para o juiz e inelegibilidade por cinco anos após o término do mandato. Tem que ter pelo menos 15 anos de atividade jurídica comprovada.

Além de diminuir o poder presidencial, a PEC 35 teria dois efeitos imediatos. O primeiro seria aumentar muito a interferência do campo jurídico no processo de escolha, inclusive incluindo formalmente a OAB. E ao limitar o mandato dos juízes a 10 anos, incentivá-los-ia (influência de Temer!) a agir politicamente, mesmo proibindo que disputem eleições por cinco anos após a saída. O perigo de misturar atuação política com atuação judiciária é claríssimo. Mudar a Constituição, como político, é uma coisa. Interpretá-la como juiz é diferente. São atuações conflitantes por natureza.

Outra PEC, 44/2012, foi apresentada por Cristovam Buarque (PPS-DF) e ainda não foi analisada pela CCJ. O senador também propõe limitar o poder do presidente, mas não transferi-lo apenas para a comunidade jurídica, como a PEC 35 faz. A PEC 44 propõe muito mais poder para o Senado no processo de escolha. Em primeiro lugar, uma lista com seis nomes seria sugerida por uma comissão composta por dois membros do Ministério Público Federal, dois membros indicados pelo Conselho Nacional de Justiça, um pela Câmara dos Deputados e outro pela OAB. Recebidas as seis indicações, o presidente reduziria a lista a três nomes, e caberia ao Senado escolher entre os três.

Assim como a PEC 45, a proposta de Buarque institucionaliza o papel do campo jurídico – especialmente a OAB – no processo de escolha, bem como dá aos deputados federais a oportunidade de participar formalmente. Também implicaria demora no processo de nomeação. Reduzir uma lista de seis nomes a um escolhido final seria vagaroso. O principal papel da PEC 45 seria aumentar muito a relevância do Senado no processo, ao colocar a instituição como responsável pela decisão final. Vale perguntar: em que medida isso é desejável? Em que medida isso é necessário?

Se considerarmos um ótimo estudo das cientistas políticas Leany Lemos e Mariana Llanos (“Presidential preferences? The Supreme Tribunal Federal nominations in democratic Brazil”), trata-se de uma proposta desnecessária. Os senadores já são bastante influentes no processo. Isto ocorre por conta de uma das “leis” mais importantes e subestimadas da política: a antecipação de reações. Dada a necessidade de aprovação do Senado, o presidente evitará propor um nome polêmico, “extremista”, para o Supremo Tribunal Federal – mesmo que deseje muito isso. O embaraço da derrota política seria grande.

As cientistas políticas ilustram o argumento com os casos de Fernando Collor e Lula. Ambos selecionaram, para o STF, candidatos majoritariamente oriundos do Judiciário. A única escolha “política” de Collor foi Francisco Rezek, que era ministro do STF, saiu para integrar o ministério do presidente, e voltou durante o mandato de Collor. Não foi bem aceito por parte dos senadores e correu sério risco de rejeição. Lula pôde escolher oito ministros do STF durante seus dois mandatos, e sete foram opções “centristas”, muito bem aceitas pela comunidade jurídica.

Afinal, é o PMDB quem comanda o rito do processo no Senado. E o PMDB é um partido de centro, talvez centro-direita. Não topariam José Eduardo Cardozo, por exemplo. E Dias Toffoli teve dificuldades. Toffoli foi advogado eleitoral do PT e Advogado-Geral da União de Lula. Apesar de não ser filiado ao partido, sua posição política é claríssima. Foi aprovado mesmo assim, mas até hoje sente o peso por conta de sua atuação prévia na política.

Seguindo esse raciocínio, o processo de nomeação do substituto de Zavascki pode demorar. Michel Temer precisa de tempo para construir razoável consenso em torno de um nome, pois necessita de forte apoio da comunidade jurídica – hoje mais fragmentada do que há alguns anos. Além disso, o presidente tende a escolher um nome “técnico” em vez de Alexandre de Moraes (filiado ao PSDB) e Ives Gandra Martins Filho (muito mais conservador do que a média dos senadores).

Mas tudo pode acontecer. Ciência Política é probabilística, não determinística. Senão não teria graça.

SERGIOPRACA.jpg

Veja também

O presidente Michel Temer (PMDB) tem um dilema a resolver nas próximas semanas. Após a morte de Teori Zavascki em um trágico acidente de avião, cabe a Temer indicar um novo ministro para o Supremo Tribunal Federal. É necessária a aprovação do Senado Federal por maioria absoluta – ou seja, 41 dos 81 senadores. O presidente não deverá ter dificuldade para fazer aprovar sua indicação. Apenas cinco vezes na história do Brasil – todas no governo de Floriano Peixoto (1891-1894), o segundo presidente do país – os senadores rejeitaram indicações. Desde 1985, o Senado aprovou os 26 nomes recomendados pelo Executivo.

Se os senadores costumam ser tão deferentes às indicações, será que o presidente tem poder demais para definir nomes do Judiciário? Há processos alternativos de indicação que podem ser interessantes para o país? Duas propostas de emenda constitucional circulam hoje pelo Senado, propondo retirar parte do poder do presidente. Elas poderiam resolver o problema? Antes de analisá-las, é importante considerar alguns aspectos históricos e constitucionais a respeito dos critérios de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

No início do século XX, a maioria dos juízes do STF tinha como origem o cargo de promotor público ou juiz em instâncias inferiores. À medida que as décadas foram passando, houve diversificação. Após 1985, apenas 26% dos indicados para o Supremo começaram como juízes e promotores, enquanto 40% o fizeram como advogados e 26% funcionários públicos. Há implicações interessantes nisso. Um juiz de primeira ou segunda instância alçado ao Supremo certamente lembrará, durante a revisão constitucional de leis aprovadas por políticos, casos “menores” que o fizeram interagir mais diretamente com cidadãos. Mas um advogado indicado para o STF terá experiência diversa, mais afeita a defender interesses específicos do que garantir o cumprimento da lei – embora, é claro, nem sempre essas duas coisas sejam excludentes.

Desde 1946, também houve uma progressiva diminuição na atuação partidária dos escolhidos para compor o STF. Segundo os cientistas políticos André Marenco e Luciano Da Ros, autores do estudo “Caminhos que levam à Corte: carreiras e padrões de recrutamento dos ministros dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário Brasileiro (1829-2006)”, 33% dos juízes escolhidos entre 1985 e 2008 tinham filiação partidária, ante 43% no período 1946-1964. A implicação disto é clara: o Supremo Tribunal Federal tornou-se, ao longo do tempo, espaço de disputa da comunidade jurídica mais do que do campo político. Por isso, não devemos levar muito a sério notícias sobre como o PSDB e o PMDB querem influenciar a escolha de Michel Temer. Muito mais importante será a opinião de juristas, especialmente de São Paulo, estado de origem do presidente.

Segundo a Constituição de 1988, há apenas três critérios a serem seguidos pelo presidente na escolha de um ministro. Ele (ou ela) tem que ter “notável saber jurídico”, “reputação ilibada” e entre 35 e 65 anos. Os ministros do STF têm que se aposentar obrigatoriamente aos 70 anos. Podem, como foi o caso de dois juízes desde 1985, abandonar o cargo para integrar governos.

Atualmente, duas propostas de emenda à Constituição (PECs) que sugerem mudanças no processo de escolha de ministros do STF tramitam no Senado. A mais avançada é a PEC 35/2015, já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pronta para votação em plenário (embora não haja nenhuma movimentação recente nesse sentido). O autor é o senador Lasier Martins (PDT-RS). Propõe que o presidente nomeie o juiz a partir de uma lista com três nomes sugeridos pelos presidentes dos tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Superior Tribunal Militar e Tribunal Superior Eleitoral) e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Estabelece mandato de dez anos para o juiz e inelegibilidade por cinco anos após o término do mandato. Tem que ter pelo menos 15 anos de atividade jurídica comprovada.

Além de diminuir o poder presidencial, a PEC 35 teria dois efeitos imediatos. O primeiro seria aumentar muito a interferência do campo jurídico no processo de escolha, inclusive incluindo formalmente a OAB. E ao limitar o mandato dos juízes a 10 anos, incentivá-los-ia (influência de Temer!) a agir politicamente, mesmo proibindo que disputem eleições por cinco anos após a saída. O perigo de misturar atuação política com atuação judiciária é claríssimo. Mudar a Constituição, como político, é uma coisa. Interpretá-la como juiz é diferente. São atuações conflitantes por natureza.

Outra PEC, 44/2012, foi apresentada por Cristovam Buarque (PPS-DF) e ainda não foi analisada pela CCJ. O senador também propõe limitar o poder do presidente, mas não transferi-lo apenas para a comunidade jurídica, como a PEC 35 faz. A PEC 44 propõe muito mais poder para o Senado no processo de escolha. Em primeiro lugar, uma lista com seis nomes seria sugerida por uma comissão composta por dois membros do Ministério Público Federal, dois membros indicados pelo Conselho Nacional de Justiça, um pela Câmara dos Deputados e outro pela OAB. Recebidas as seis indicações, o presidente reduziria a lista a três nomes, e caberia ao Senado escolher entre os três.

Assim como a PEC 45, a proposta de Buarque institucionaliza o papel do campo jurídico – especialmente a OAB – no processo de escolha, bem como dá aos deputados federais a oportunidade de participar formalmente. Também implicaria demora no processo de nomeação. Reduzir uma lista de seis nomes a um escolhido final seria vagaroso. O principal papel da PEC 45 seria aumentar muito a relevância do Senado no processo, ao colocar a instituição como responsável pela decisão final. Vale perguntar: em que medida isso é desejável? Em que medida isso é necessário?

Se considerarmos um ótimo estudo das cientistas políticas Leany Lemos e Mariana Llanos (“Presidential preferences? The Supreme Tribunal Federal nominations in democratic Brazil”), trata-se de uma proposta desnecessária. Os senadores já são bastante influentes no processo. Isto ocorre por conta de uma das “leis” mais importantes e subestimadas da política: a antecipação de reações. Dada a necessidade de aprovação do Senado, o presidente evitará propor um nome polêmico, “extremista”, para o Supremo Tribunal Federal – mesmo que deseje muito isso. O embaraço da derrota política seria grande.

As cientistas políticas ilustram o argumento com os casos de Fernando Collor e Lula. Ambos selecionaram, para o STF, candidatos majoritariamente oriundos do Judiciário. A única escolha “política” de Collor foi Francisco Rezek, que era ministro do STF, saiu para integrar o ministério do presidente, e voltou durante o mandato de Collor. Não foi bem aceito por parte dos senadores e correu sério risco de rejeição. Lula pôde escolher oito ministros do STF durante seus dois mandatos, e sete foram opções “centristas”, muito bem aceitas pela comunidade jurídica.

Afinal, é o PMDB quem comanda o rito do processo no Senado. E o PMDB é um partido de centro, talvez centro-direita. Não topariam José Eduardo Cardozo, por exemplo. E Dias Toffoli teve dificuldades. Toffoli foi advogado eleitoral do PT e Advogado-Geral da União de Lula. Apesar de não ser filiado ao partido, sua posição política é claríssima. Foi aprovado mesmo assim, mas até hoje sente o peso por conta de sua atuação prévia na política.

Seguindo esse raciocínio, o processo de nomeação do substituto de Zavascki pode demorar. Michel Temer precisa de tempo para construir razoável consenso em torno de um nome, pois necessita de forte apoio da comunidade jurídica – hoje mais fragmentada do que há alguns anos. Além disso, o presidente tende a escolher um nome “técnico” em vez de Alexandre de Moraes (filiado ao PSDB) e Ives Gandra Martins Filho (muito mais conservador do que a média dos senadores).

Mas tudo pode acontecer. Ciência Política é probabilística, não determinística. Senão não teria graça.

SERGIOPRACA.jpg

Acompanhe tudo sobre:Exame Hoje

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se