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A hipocrisia de Camilo Santana na segurança cearense

Diferenciar os funcionários públicos de alguma maneira como mais competentes do que outros pode estimular mais esforço dos policiais e inovação nos governos

Ceará: Força Nacional de Segurança Pública está fazendo o policiamento ostensivo nas ruas de Fortaleza, em apoio aos agentes de segurança do estado (José Cruz/Agência Brasil)
Ceará: Força Nacional de Segurança Pública está fazendo o policiamento ostensivo nas ruas de Fortaleza, em apoio aos agentes de segurança do estado (José Cruz/Agência Brasil)
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Sérgio Praça

Publicado em 7 de janeiro de 2019 às, 18h57.

Notei algo curioso quando fui para Fortaleza, no Ceará, em janeiro do ano passado (a trabalho!). Vi uma viatura policial dedicada à “proteção do turista”. É um batalhão especial estabelecido na Lei 15.217/2012. Não dei muita bola. Naquela semana, 14 pessoas foram chacinadas em uma festa no bairro de Cajazeiras, a mando da facção Guardiões do Estado. Os guardiões são aliados do Primeiro Comando da Capital (PCC) desde 2017. Nenhuma vítima era turista.

No dia seguinte à chacina, chamei um Uber após participar do evento que motivou minha viagem. Ao chegar, a motorista perguntou para onde eu iria. Estranhei a pergunta: o aplicativo mostrava o destino desejado. Mas ela queria ter certeza de que não passaríamos por um bairro próximo, violento demais – infelizmente não lembro o nome.

Corte para Dezembro de 2018. Os governadores Paulo Hartung (ex-MDB, Espírito Santo), Eduardo Leite (PSDB, Rio Grande do Sul) e Camilo Santana (PT, Ceará) publicam, na Folha de S. Paulo, o texto “Precisamos atrair os melhores para o governo”.

Entre outras platitudes, discutidas em um seminário na Universidade de Oxford (a convite da Fundação Lemann e Fundação Brava), afirmam: “Precisamos trabalhar ativamente para motivar os servidores. E parte disso está em estabelecer objetivos claros, criando uma cultura de acompanhamento de metas e avaliação de resultados. (...) Para isso, os governos precisarão organizar a administração para tratar a área de pessoal de forma menos burocrática e mais estratégica (...). O RH dos governos não pode servir apenas para organizar pagamentos. Esse setor deve concentrar a estratégia de como atrair, reter e formar os melhores profissionais”.

Eduardo Leite acaba de assumir o governo, então é injusto cobrá-lo. Paulo Hartung desfiliou-se do MDB e se aposentou da política. Camilo Santana foi reeleito. Como será que ele lida com o RH de sua polícia na prática?

Abri o site do governo e li a descrição do programa “Ceará Pacífico”. Com a Lei 15.797/2015, Santana “estabeleceu fluxo regular de promoções na carreira policial. A promoção beneficia [até] quem se aposenta”. Fluxo regular de promoções? Promoção para quem vai se aposentar? Que estranho!

Mas é isso mesmo que a Lei 15.797 define. Há cinco tipos de promoções: post mortem, antiguidade, bravura, requerida e merecimento. As duas últimas merecem comentários.

A promoção “requerida” pode ser pedida pelo policial que tem 30 anos de contribuição para a aposentadoria. Esta modalidade de promoção “consistirá na sua elevação (...) ao grau imediatamente superior, observadas as condições estabelecidas nesta Lei”. A única condição relevante é que o militar deve já ter sido habilitado para a promoção por merecimento.

Este tipo de promoção poderia ser um dos pilares dos governadores que visitaram Oxford. Diferenciar os funcionários públicos de alguma maneira como mais competentes do que outros pode estimular mais esforço dos policiais e inovação nos governos.

Como, então, funciona a promoção por merecimento para policias militares instituída por Camilo Santana em 2015? Segundo a lei, ela se fundamenta por “valores funcionais agregados” durante a carreira, que seriam aferidos por uma comissão específica de promoção. Entre os critérios específicos a serem levados em conta pela comissão, está o tempo de exercício e o “desempenho” no cargo – que não é definido! Promoção por merecimento que leva em conta tempo de exercício? E que não explicita o que é “bom desempenho”?

Vale um “erramos” do jornal.