Lula opta por 'distanciamento vigiado' da sucessão de Lira
Após embates no início do ano, Planalto promete não interferir na disputa pela Câmara e alivia pressão do centrão
Publicado em 1 de março de 2024 às, 15h55.
Após um início de ano turbulento na relação com o Congresso Nacional, o governo Lula ajusta os ponteiros da articulação política de olho na mudança de comando na Câmara e no Senado. Embora a eleição para as Mesas das duas Casas só ocorra em 2025, a disputa pelas presidências é o tema que domina as conversas na volta do recesso parlamentar.
Ciente do amplo favoritismo de Davi Alcolumbre (UB-AP) no Senado, o presidente da República se incumbiu de assumir pessoalmente a construção de um pacto de convivência com o centrão.
Durante o "happy-hour" em que recebeu dirigentes partidários no Alvorada na semana passada, Lula assumiu o compromisso que o grupo esperava com ansiedade: não haverá plano B do Planalto para a eleição de fevereiro próximo e o roteiro sucessório ficará a cargo de Arthur Lira.
Era a senha que faltava para deflagrar a corrida por apoios entre os nomes que se apresentam a Lira como postulantes à vaga mais cobiçada do Legislativo.
A despeito do avanço das tratativas para destravar o pagamento de emendas, a sucessão na Câmara tem peso decisivo no projeto lulista de buscar a reeleição em 2026. O vencedor do páreo comandará o timing da pauta econômica na segunda metade do mandato do petista.
A depender do vencedor, Lula terá menor ou maior margem para governar e implementar sua agenda com vistas ao processo eleitoral do que planeja participar.
Ainda que todos os pré-candidatos integrem siglas centristas, há nuances importantes que os diferenciam. Exatamente por isso, o Planalto faz discreto movimento para assegurar que todos gravitem na órbita de Lula, mesmo mantendo a lealdade a Lira.
O QG político do governo considera que não é mais possível viabilizar uma candidatura "alternativa", mais fiel à base de Lula, contudo quer emplacar um deputado que se sinta minimamente "devedor" do Executivo.
A avaliação dos auxiliares do presidente é a de que Lira, mesmo tendo recebido os votos do PT e de parcela da esquerda na sua recondução, em 2023, jamais dependeu desses apoios para manter a cadeira da presidência da Câmara.
A conjuntura econômica mais favorável, o desejo adesista de um segmento das legendas do centro com base na região Nordeste e a sinalização de que recursos de programas como o PAC e o Minha Casa, Minha Vida podem irrigar o percurso da classe política até 2026 nos rincões do país são fatores que contariam a favor dessa estratégia governista.
Para tanto, Lula tem pedido a assessores que monitorem os passos dos principais postulantes, pois entende que a expectativa de poder na Câmara a partir do próximo biênio pode se sobrepor ao cacife hoje exibido pelo principal expoente do centrão, que comanda os trabalhos na Casa desde 2021.
Depuração
Neste contexto, o preferido de Lira, Elmar Nascimento (UB-BA) é, disparado, o candidato que mais causa antipatia no Planalto. Rival histórico do PT baiano, de Jaques Wagner e Rui Costa, cardeais do partido com ampla influência na agenda lulista, Elmar é também visto como braço-direito de Lira, prometendo ao plenário preservar a independência política e o controle do Orçamento. Pesa ainda contra Elmar o fato de ele ser egresso do mesmo partido de Alcolumbre, o que deixaria com o UB a chefia das duas Casas.
Trabalhando internamente para se viabilizar desde 2019, o presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP), não desperta paixões no entorno lulista, mas é apontado como "mais neutro" e "disposto a compor" que o predileto de Lira.
Isnaldo Bulhões (MDB-AL) e Antonio Brito (PSD-BA) se movimentam nos bastidores como opções menos associadas a Lira, mas devem enfrentar barreiras na campanha exatamente pela mão forte do presidente da Câmara no processo.
Já Dr. Luizinho (PP-RJ), Hugo Mota (Republicanos-PB), Celso Sabino (atual ministro do Turismo) e André Fufuca (hoje titular da pasta do Esporte) aparecem como "azarões", mas, dada a fidelidade a Lira, podem ser recompensados com o seu aval na reta final, caso exista convergência tácita com o Planalto.
O fato é que a chave virou após o convescote oferecido por Lula aos congressistas liristas. As ameaças e críticas de Lira ao governo na abertura do ano legislativo acabaram o credenciando no Planalto como condutor do processo seletivo mais importante para o período derradeiro da atual gestão de Lula.
Se ainda está distante de construir uma base sólida e uniforme na Câmara, o Executivo dá sinais de que atravessará os últimos meses do "Trator Lira" sem grandes sobressaltos nas votações mais importantes para a economia. E se beneficiará do calendário comprimido pelas eleições municipais, que engajam a maioria dos parlamentares nos redutos territoriais.