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Força-tarefa de Haddad visa proteger capital político e reforçar laços com Lula

Em meio à crescente desconfiança sobre o marco fiscal, ministro da Fazenda usa encontros Campos Neto e Lira para blindagem da sua agenda – e de sua imagem

Lula e Haddad: chefe da Fazenda busca formas de blindar sua agenda (Ricardo Stuckert / PR/Flickr)
Lula e Haddad: chefe da Fazenda busca formas de blindar sua agenda (Ricardo Stuckert / PR/Flickr)

Imagem é tudo. O slogan publicitário de refrigerante onipresente nos intervalos de TV na década de 90 se aplica com fidelidade ao momento experimentado pela gestão de Fernando Haddad à frente do Ministério da Fazenda.

Aplaudido pelo sistema financeiro por sua tenacidade na defesa do cumprimento das metas fiscais, o chefe da equipe econômica de Lula passa por seu mais severo teste de resiliência.

Haddad venceu a desconfiança do mercado no primeiro semestre mostrando-se uma voz moderada no governo de maioria desenvolvimentista do PT, mas agora precisa validar suas credenciais fiscalistas para manter essa espécie de “nota de classificação de risco” sob controle.

Com o diagnóstico consolidado de que é altamente improvável que se atinja o prometido déficit zero para 2024 e pressionado pela ala política do Planalto a preservar os gastos sociais e em obras programados para o ano eleitoral, o ministro começa a lidar com os reflexos de medidas gestadas por sua equipe com o objetivo de evitar uma precoce flexibilização da meta, advogada por congressistas graúdos e colegas da Esplanada.

A primeira prova de receptividade desse pacote de iniciativas que, segundo especialistas, flertariam com a contabilidade criativa foi o anúncio da mobilização para retirar uma parcela dos gastos com precatórios da previsão orçamentária.

Em decisão avalizada pelo Tesouro, a AGU defendeu no STF a derrubada de trechos da chamada “PEC dos Precatórios”. A equipe de Haddad quer que a corte julgue os principais dispositivos da medida como inconstitucionais e determine o pagamento imediato de todas as dívidas já expedidas.  Para isso, o governo quer classificar o principal – ou seja, o valor da dívida -- como despesa primária.

Já os juros sobre o valor principal dos precatórios deveriam ser classificados como despesa financeira. Portanto, ficariam fora da meta de resultado primário e dos limites de despesa que o governo deve cumprir. Isso faz muita diferença para o atingimento das metas de gastos, sobretudo com a brecha que seria aberta para uso de créditos extraordinários.

Como era esperado, a reação dos agentes financeiros foi ruim, o que mexeu no preço dos ativos e teve reflexo no câmbio —muito embora o cenário externo tenha colaborado para esse mau humor.

A confiança na execução do marco fiscal, que já vinha abalada, sofreu um revés sensível. E com um ingrediente adicional: a dúvida que paira agora no mercado é exatamente em torno do apetite do time de Haddad, que vem se destacando pelo tom mais ortodoxo  e prezando pela previsibilidade, por seguir a cartilha mais heterodoxa do Planalto, abrindo o flanco para novas medidas "criativas" para deixar as contas no azul artificialmente e driblando o ajuste que a nova legislação exige.

Redução de danos

Em resposta aos ruídos disseminados nas últimas semanas, Haddad montou uma operação de redução de danos, expondo publicamente o secretário Rogério Ceron (Tesouro), que vinha adotando uma conduta mais discreta no posto até então.

Ceron conseguiu algum êxito em seu roadshow pelos formadores de opinião no mercado ao inferir que a solução, embora longe de ser a ideal para a previsibilidade das contas, seria a mais adequada entre as opções à mesa.

Em paralelo, o ministro da Fazenda se movimentou com relativa destreza para receber novos afagos públicos de Lula. Foi nesse diapasão que o presidente disse que haverá mudança de rota na economia e rasgou elogios ao desempenho do ministro à frente da pasta.

As falas do chefe do Executivo coincidem com pesquisas que indicam uma deterioração na imagem de Haddad como fiador da política econômica lulista.  Em seguida, Haddad cuidou de tomar à frente de duas agendas de blindagem do seu capital político. Fez questão de se apresentar como patrocinador da primeira reunião de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, com o Lula, crítico contumaz da sua autonomia na condução da política monetária.

E costurou um encontro reservado com Arthur Lira, principal operador do Congresso Nacional, para ajustar expectativas quanto à ambiciosa pauta legislativa de medidas arrecadatórias.

O resultado dessa força-tarefa montada para validar a liderança de Haddad na agenda econômica ainda será melhor dimensionado nas próximas semanas. O ministro depende como nunca dos números do crescimento, da inflação e do consumo das famílias para provar a Lula que a defesa pública da imagem do titular da Fazenda é também o colchão reputacional do governo do PT.