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Por que o corte de impostos de Trump causou chiadeira?

As decisões de negócios são muito menos sensíveis aos incentivos financeiros – inclusive as alíquotas tributárias – do que os conservadores dizem

REPUBLICANOS NO PODER: por que os efeitos do corte tributário foram tão mínimos? Por que isso não fez mais para aumentar o investimento? / Jonathan Ernst | Reuters
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Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2018 às 17h39.

A Onda Azul da semana passada (N.E.: referência às vitórias de candidatos democratas nas eleições de meio de mandato) significa que Donald Trump entrará na eleição de 2020 com apenas uma grande realização legislativa: um corte significativo de impostos para as empresas e os ricos. Ainda assim, a expectativa era de que o corte fizesse grandes coisas. Os republicanos achavam que isso daria a eles um grande impulso eleitoral, e previram ganhos econômicos impressionantes. Em vez disso, o que eles ganharam foi uma enorme chiadeira.

A compensação política, sem dúvida, nunca veio. Além disso, os resultados econômicos têm sido frustrantes. É verdade que nós tivemos dois trimestres de crescimento econômico razoavelmente acelerados, mas surtos de crescimentos assim até que são comuns; houve um significativamente maior, em 2014, e quase ninguém reparou. Fora que o crescimento atual foi criado em grande medida pelo gasto do consumidor e – surpresa – pelos gastos público, e não era bem isso que os cortadores de impostos vinham prometendo.

Enquanto isso, não há nenhum sinal da grande explosão de investimentos que os apoiadores da medida prometeram. As empresas vêm usando os lucros do corte de impostos em sua maioria para comprar de volta suas próprias ações em vez de criar empregos ou ampliar a capacidade produtiva.

Mas por que os efeitos do corte tributário foram tão mínimos? Deixemos de lado as mudanças cheias de problemas nos impostos individuais, que vão dar trabalho durante anos para os contadores; a essência do projeto foi um grande corte de impostos sobre o rendimento das sociedades. Por que isso não fez mais para aumentar o investimento?

A resposta, eu sugeriria, é que as decisões de negócios são muito menos sensíveis aos incentivos financeiros – inclusive as alíquotas tributárias – do que os conservadores dizem. E reconhecer esta realidade não mina só o argumento pró-corte de impostos de Trump. É algo que mina também a doutrina econômica republicana como um todo.

Quanto às decisões de negócios: é um segredinho sujo dos analistas monetários que as mudanças nas taxas de juros afetam a economia principalmente por meio de seu impacto no mercado imobiliário e no valor internacional do dólar (o que por sua vez afeta a competitividade dos bens americanos nos mercados mundiais). Qualquer efeito direto no investimento empresarial é tão pequeno que fica até difícil de enxergá-lo nos dados. O que estimula tais investimentos, em vez disso, são as percepções quanto à demanda de mercado.

Por que isso acontece? Um grande motivo é que os investimentos empresariais têm vida útil relativamente curta. Se você estiver pensando em fazer um empréstimo com hipoteca para comprar uma casa que vá durar por muitas décadas, a taxa de juros importa bastante. Agora, se você estiver considerando fazer um empréstimo para, por exemplo, comprar um computador para trabalhar que ou vai quebrar ou se tornar obsoleto em poucos anos, a taxa de juros sobre o empréstimo vai ser um fator menor na hora decidir finalizar a compra.

E a mesma lógica vale para as alíquotas tributárias: Não há muitos investimentos empresariais em potencial que vão valer a pena com um imposto de 21% sobre os lucros, a taxa atual, mas que não valessem a pena se fazer com 35%, taxa anterior ao corte tributário de Trump.

Além disso, uma porção significativa dos lucros empresariais de fato representa recompensas ao poder do monopólio, e não um retorno dos investimentos – e cortar impostos sobre os lucros de um monopólio é uma doação pura e simples, que não oferece motivo algum para investir ou contratar.

Sim, os defensores do corte tributário, inclusive os economistas de Trump, fizeram muito barulho sobre como hoje nós temos um mercado de capitais global, em que o dinheiro vai para onde houver o maior retorno depois dos impostos. Além disso, eles apontaram para países com impostos menores sobre as participações em sociedades, como a Irlanda, que parece atrair bastante investimento externo.

A palavra-chave aqui, porém, é “parece”. As empresas de fato têm um incentivo forte para maquiar suas contas – perdão: administrar seus preços internos – de tal maneira que os lucros reportados vão aparecer em regiões fiscais com menos impostos, o que por sua vez, no papel, leva a grandes investimentos no exterior.

Só que há muito menos sendo investido nesses casos do que se supõe à primeira vista. Por exemplo, as grandes quantias que as empresas supostamente têm investido na Irlanda têm gerado notavelmente poucos empregos e notavelmente pouca renda até mesmo para os irlandeses, porque a maioria desse enorme investimento na Irlanda não é nada além de uma ficção contábil.

Agora vocês entendem por que o dinheiro que as empresas nos EUA comunicaram ter trazido de volta depois do corte tributário não se materializou na forma de empregos, salários e investimento: Nada foi embora de verdade. As subsidiárias no exterior transferiram alguns ativos de volta para suas empresas-mãe, mas isso foi apenas uma manobra contábil, com quase nenhum impacto real no que quer que seja.

Ou seja, o resultado básico dos impostos menores sobre as empresas é que a empresas pagam menos em impostos – e ponto. O que me traz ao problema da doutrina econômica conservadora.

Essa doutrina tem a ver com uma suposta necessidade de dar aos já privilegiados incentivos para fazerem boas coisas para o resto de nós. Nós, diz a direita política, devemos cortar importos dos ricos para convencê-los a trabalhar duro, e cortar impostos das empresas para forçá-las a investir na América.

Mas essa doutrina continua fracassando na prática. O corte de impostos do presidente George W. Bush não gerou uma explosão: a escalada de impostos do presidente Barack Obama não causou uma depressão. Os cortes tributários em Kansas não deram um empurrão na economia do estado; a alta de impostos na Califórnia não desacelerou o crescimento.

E, no caso do corte de impostos de Trump, a doutrina de novo fracassou. Infelizmente, é difícil fazer um político entender alguma coisa quando a contribuição de campanha dele dependem dele não entendê-la.

(Uma versão deste artigo apareceu impressa na edição de 16 de novembro de 2018, na página 25 da edição de Nova York.)

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A Onda Azul da semana passada (N.E.: referência às vitórias de candidatos democratas nas eleições de meio de mandato) significa que Donald Trump entrará na eleição de 2020 com apenas uma grande realização legislativa: um corte significativo de impostos para as empresas e os ricos. Ainda assim, a expectativa era de que o corte fizesse grandes coisas. Os republicanos achavam que isso daria a eles um grande impulso eleitoral, e previram ganhos econômicos impressionantes. Em vez disso, o que eles ganharam foi uma enorme chiadeira.

A compensação política, sem dúvida, nunca veio. Além disso, os resultados econômicos têm sido frustrantes. É verdade que nós tivemos dois trimestres de crescimento econômico razoavelmente acelerados, mas surtos de crescimentos assim até que são comuns; houve um significativamente maior, em 2014, e quase ninguém reparou. Fora que o crescimento atual foi criado em grande medida pelo gasto do consumidor e – surpresa – pelos gastos público, e não era bem isso que os cortadores de impostos vinham prometendo.

Enquanto isso, não há nenhum sinal da grande explosão de investimentos que os apoiadores da medida prometeram. As empresas vêm usando os lucros do corte de impostos em sua maioria para comprar de volta suas próprias ações em vez de criar empregos ou ampliar a capacidade produtiva.

Mas por que os efeitos do corte tributário foram tão mínimos? Deixemos de lado as mudanças cheias de problemas nos impostos individuais, que vão dar trabalho durante anos para os contadores; a essência do projeto foi um grande corte de impostos sobre o rendimento das sociedades. Por que isso não fez mais para aumentar o investimento?

A resposta, eu sugeriria, é que as decisões de negócios são muito menos sensíveis aos incentivos financeiros – inclusive as alíquotas tributárias – do que os conservadores dizem. E reconhecer esta realidade não mina só o argumento pró-corte de impostos de Trump. É algo que mina também a doutrina econômica republicana como um todo.

Quanto às decisões de negócios: é um segredinho sujo dos analistas monetários que as mudanças nas taxas de juros afetam a economia principalmente por meio de seu impacto no mercado imobiliário e no valor internacional do dólar (o que por sua vez afeta a competitividade dos bens americanos nos mercados mundiais). Qualquer efeito direto no investimento empresarial é tão pequeno que fica até difícil de enxergá-lo nos dados. O que estimula tais investimentos, em vez disso, são as percepções quanto à demanda de mercado.

Por que isso acontece? Um grande motivo é que os investimentos empresariais têm vida útil relativamente curta. Se você estiver pensando em fazer um empréstimo com hipoteca para comprar uma casa que vá durar por muitas décadas, a taxa de juros importa bastante. Agora, se você estiver considerando fazer um empréstimo para, por exemplo, comprar um computador para trabalhar que ou vai quebrar ou se tornar obsoleto em poucos anos, a taxa de juros sobre o empréstimo vai ser um fator menor na hora decidir finalizar a compra.

E a mesma lógica vale para as alíquotas tributárias: Não há muitos investimentos empresariais em potencial que vão valer a pena com um imposto de 21% sobre os lucros, a taxa atual, mas que não valessem a pena se fazer com 35%, taxa anterior ao corte tributário de Trump.

Além disso, uma porção significativa dos lucros empresariais de fato representa recompensas ao poder do monopólio, e não um retorno dos investimentos – e cortar impostos sobre os lucros de um monopólio é uma doação pura e simples, que não oferece motivo algum para investir ou contratar.

Sim, os defensores do corte tributário, inclusive os economistas de Trump, fizeram muito barulho sobre como hoje nós temos um mercado de capitais global, em que o dinheiro vai para onde houver o maior retorno depois dos impostos. Além disso, eles apontaram para países com impostos menores sobre as participações em sociedades, como a Irlanda, que parece atrair bastante investimento externo.

A palavra-chave aqui, porém, é “parece”. As empresas de fato têm um incentivo forte para maquiar suas contas – perdão: administrar seus preços internos – de tal maneira que os lucros reportados vão aparecer em regiões fiscais com menos impostos, o que por sua vez, no papel, leva a grandes investimentos no exterior.

Só que há muito menos sendo investido nesses casos do que se supõe à primeira vista. Por exemplo, as grandes quantias que as empresas supostamente têm investido na Irlanda têm gerado notavelmente poucos empregos e notavelmente pouca renda até mesmo para os irlandeses, porque a maioria desse enorme investimento na Irlanda não é nada além de uma ficção contábil.

Agora vocês entendem por que o dinheiro que as empresas nos EUA comunicaram ter trazido de volta depois do corte tributário não se materializou na forma de empregos, salários e investimento: Nada foi embora de verdade. As subsidiárias no exterior transferiram alguns ativos de volta para suas empresas-mãe, mas isso foi apenas uma manobra contábil, com quase nenhum impacto real no que quer que seja.

Ou seja, o resultado básico dos impostos menores sobre as empresas é que a empresas pagam menos em impostos – e ponto. O que me traz ao problema da doutrina econômica conservadora.

Essa doutrina tem a ver com uma suposta necessidade de dar aos já privilegiados incentivos para fazerem boas coisas para o resto de nós. Nós, diz a direita política, devemos cortar importos dos ricos para convencê-los a trabalhar duro, e cortar impostos das empresas para forçá-las a investir na América.

Mas essa doutrina continua fracassando na prática. O corte de impostos do presidente George W. Bush não gerou uma explosão: a escalada de impostos do presidente Barack Obama não causou uma depressão. Os cortes tributários em Kansas não deram um empurrão na economia do estado; a alta de impostos na Califórnia não desacelerou o crescimento.

E, no caso do corte de impostos de Trump, a doutrina de novo fracassou. Infelizmente, é difícil fazer um político entender alguma coisa quando a contribuição de campanha dele dependem dele não entendê-la.

(Uma versão deste artigo apareceu impressa na edição de 16 de novembro de 2018, na página 25 da edição de Nova York.)

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