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Os homens que nunca admitem que estão errados

Não admitir erros é um mal que existe muito antes de Trump

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Paul Krugman

Publicado em 8 de novembro de 2017 às, 11h44.

John Kelly, o chefe de pessoal da Casa Branca, tentou recentemente defender o presidente Trump das acusações de que ele foi grosseiramente insensível com a viúva de um soldado dos Estados Unidos morto em combate. Ao fazê-lo, Kelly acusou Frederica Wilson, a integrante do Congresso e amiga da família do soldado que revelou o que o Sr. Trump tinha dito, de mau comportamento no passado, durante a dedicatória de um edifício do FBI.

Um vídeo daquela dedicatória mostra, entretanto, que a afirmação do Sr. Kelly era falsa, e que as declarações da representante Wilson durante a cerimônia foram completamente apropriadas. Por causa disso, o Sr. Kelly, ex-general e homem honrado, reconheceu seu erro e pediu desculpas abundantemente.

Viram ali? Eu fiz uma piada!

Na verdade, é claro, o Sr. Kelly jamais admitiu o erro ou sequer pediu desculpas.

Em vez disso, a Casa Branca declarou que é falta de patriotismo criticar generais, o que, além de ser uma posição profundamente não-americana, é ridículo quando se considera as tantas vezes em que Donald Trump fez exatamente isso.

Porém, estamos vivendo em uma era de infalibilidade trumpal: Nós somos governados por homens que nunca admitem equívocos, nunca se desculpam e, crucialmente, nunca aprendem com seus erros. Desnecessário dizer, homens que acham que admitir erros faz você parecer fraco simplesmente continuam a cometer equívocos maiores; delírios de infalibilidade eventualmente levam à catástrofe, e só se pode esperar que os desastres à frente não atrairão a catástrofe para todos nós.

O que me leva ao tema do Federal Reserve. O quê?

A verdade é que o que eu estou chamando de infalibilidade trumpal – a insistência em se ater a ideias falsas e afirmações refutadas não importando o que aconteça – é uma doença que acometeu o Partido Republicano moderno muito antes do Sr. Trump. E uma área em que os sintomas são especialmente graves é na política monetária.

Repare, quando a crise financeira de 2008 estourou, o Federal Reserve, comandado à época por Ben Bernanke, adotou medidas extraordinárias. Ele cortou as taxas de juro para zero e imprimiu dinheiro em uma escala enorme. Não literalmente, mas ele comprou trilhões de dólares em títulos criando novas reservas bancárias.

Muitos conservadores ficaram horrorizados. Especialistas de TV ficaram sem ar de tanto falar em hiperinflação, e até mesmo vozes que pareciam mais respeitáveis denunciaram as ações do Fed. Em 2010, um quem-é-quem de economistas conservadores e especialistas publicou uma carta aberta alertando que as políticas do Fed causariam inflação e “rebaixariam o dólar”.

Contudo, isso nunca aconteceu. De fato, a medida preferida de inflação do Fed tem consistentemente ficado abaixo de sua meta de 2% ao ano.

Claro, todo economista faz previsões ruins volta e meia; se você não faz, você não está correndo risco o bastante. Eu certamente cometi minha cota, inclusive uma previsão ruim do mercado na noite da eleição, da qual eu recuei três dias depois, reconhecendo que meu desespero político tinha levado a melhor sobre meu juízo analítico. Mas eu sempre tento encarar os meus erros e aprender com eles.

Creio que eu seja apenas esse tipo de pessoa antiquada. Quatro anos depois daquela carta aberta ao Sr. Bernanke, a Bloomberg foi atrás de muitos dos signatários para perguntar o que eles haviam aprendido. Nenhum deles, um que fosse, estava sequer disposto a admitir ter estado errado.

Sendo assim, o que acontece com os economistas que nunca admitem erros e nunca mudam seus pontos de vista à luz das experiências? A resposta, ao que parece, é que eles são incluídos na lista de cotados para ser o novo chairman do Fed.

Considere, por exemplo, o caso de John B. Taylor, da Universidade de Stanford (um dos signatários daquela carta aberta). Ao contrário de alguns dos outros nomes que estavam na suposta lista, ele é um economista acadêmico bastante citado.

Desde a crise financeira, entretanto, ele repetidamente tem cobrado que o Fed eleve as taxas de juros em alinhamento com a regra de política que ele desenvolveu há um quarto de século.

O fracasso em seguir a regra dele supostamente causaria inflação, o que não aconteceu, mas sete anos estando consistentemente errado não inspiraram nenhuma reflexão da parte do Sr. Taylor.

O que isso inspirou foi uma descida rumo a raciocínios cada vez mais estranhos sobre por que o Fed precisa elevar os juros apesar da inflação baixa.

O dinheiro fácil, declarou ele, era parte de um complô para “resgatar a política fiscal”, isto é, um esforço para ajudar o presidente Barack Obama. Ou talvez fosse o equivalente monetário do controle de aluguéis, desencorajando empréstimos do mesmo modo que desestimula construção de apartamentos – uma análise bizarra que deixou colegas coçando as cabeças para entender.

O que essas cada vez mais estranhas intervenções tiveram em comum foi que elas sempre apresentavam algum motivo para o errado ser o certo; por que o Sr. Taylor estava certo ao alertar sobre as políticas de dinheiro fácil, apesar da inflação maior, o problema que ele previu que isso causaria, nunca ter se materializado. E nunca, jamais, um reconhecimento de que talvez algo estivesse errado com a análise inicial dele.

De novo, todo mundo comete erros de previsão. Se você estiver consistentemente errado, isso certamente deveria pesar contra a sua credibilidade; o histórico importa. Mas é muito pior se você não consegue jamais se forçar a reconhecer erros do passado e aprender com eles.

Este tipo de comportamento torna ainda mais provável que você continuará a cometer os mesmos erros. Mas mais do que isso, ele mostra algo de errado com seu caráter. E homens com essa falha de caráter não deveriam jamais ser colocados em cargos de responsabilidade política.