O que nós sabemos de fato sobre a economia?
Os economistas não conquistaram o direito de ser esnobes e superiores, especialmente se a reputação deles vem da capacidade de fazer matemática: matemática avançada tem sido de notavelmente pouca ajuda ultimamente, se é que ajudou em alguma coisa
Da Redação
Publicado em 27 de setembro de 2018 às 12h32.
O título deste ensaio é o título que eu dei a uma palestra que fiz em uma almoço na seção de Nova York da Associação Nacional de Economistas de Negócios. Para ser sincero, foi meio que um título provisório, e eu não tinha certeza alguma do que ia falar; mas tenho passado algum tempo tentando definir formalmente algumas coisas, e me vi querendo juntar tudo em um pequeno ensaio. Portanto, aí vão algumas metarreflexões sobre o conhecimento econômico, inspiradas em parte, mas não totalmente, pela crise financeira e suas consequências.
Claro, obviamente a crise tem inspirado tanto questionamentos entre economistas quanto uma série de críticas externas. Porém, eu argumentaria que tanto os questionamentos internos quanto as críticas externas são em sua maioria, bola fora.
Entre macroeconomistas, a autocrítica me parece ser em sua maioria acanhada demais: as pessoas se recriminam por, digamos, não dar aos mercados financeiros um papel maior nos modelos delas. Mas poucos têm feito o que deveriam, que é questionar toda a direção que a macroeconomia tem tomado nestas últimas quatro décadas, mais ou menos.
Entre os economistas de maneira mais ampla, muitas das críticas parecem se resumir à visão de que a macroeconomia é uma porcaria e de que nós deveríamos nos ater à microeconomia, que é a coisa “real”, consistente. Como eu vou explicar em um instante, isso tudo está errado. Na verdade, em um sentido importante, a última década foi uma imensa confirmação da cartilha da macroeconomia; por outro lado, a exaltação da micro como a única economia real dá crédito demais à microeconomia, e é amplamente responsável pelas formas que a teoria macroecônomica tem dado errado.
Por fim, muitos outsiders e alguns insiders têm concluído que a teoria econômica em geral é uma patacoada, que nós devíamos buscar orientação de pessoas imersas no mundo real – digamos, líderes de negócios – ou nos concentrar em resultados empíricos, deixando pra lá os modelos. Na realidade, porém, conselhos de líderes de negócios na maioria dos casos têm sido piores que inúteis nesta última década, enquanto as vozes ouvidas pelos loucos com autoridade, como sempre, têm dado conselhos bastante ruins.
Ainda que a evidência empírica seja importante, e que nós precisemos de mais dela, os dados quase nunca falam por si sós, um ponto amplamente ilustrado pelos eventos monetários recentes.
Assim, permitam-me falar de três coisas:
— O sucesso anônimo da macroeconomia
— O prestígio excessivo da microeconomia
— Os limites do empiricismo
O segredinho limpo da macroeconomia
Há uma história sobre a física quântica – não sei ao certo onde foi que eu li – que descreve a rivalidade entre os físicos Julian Schwinger e Richard Feynman. Schwinger foi o primeiro a descobrir como fazer eletrodinâmica quântica, mas os métodos dele eram incrivelmente difíceis e trabalhosos. Feynman chegou a uma abordagem muito mais simples, seus famosos diagramas, que se revelaram tão bons quanto, mas amplamente mais fáceis de serem usados.
Schwinger, pelo que eu lembro da história, nunca foi visto usando um diagrama de Feynman. Mas ele tinha uma sala fechada na casa dele, e o boato era que a sala era onde ele guardava todos os diagramas de Feynman que usava em segredo.
Macroeconomia moderna é um pouco assim, se você puder imaginar Schwinger no comando de todos os periódicos e em posição de impedir qualquer um de publicar a versão mais simples. Qual o equivalente desses diagramas de Feynman? Algo como o IS-LM, que é o modelo mais simples para demonstrar como as taxas de juros e a produção são determinadas em conjunto, e o modo como a maiorias dos macroeconomistas praticantes de fato pensa sobre as flutuações econômicas de curto prazo (IS-LM significa poupança de investimentos, dinheiro de liquidez. Leia uma explicação).
É também como eles falam de macroeconomia uns com os outros. Mas não é o que eles colocam nos artigos deles, porque os periódicos exigem que seu modelo tenha “microfundações”.
Veja, a questão sobre uma análise do tipo IS-LM não é que usá-la seja um problema tão grande em épocas formais, mas sim que ele faz algumas previsões bastante vigorosas – previsões que discordam bastante das anteriores de muitas pessoas – sobre épocas anomais. Especificamente, este tipo de análise diz que, quando há um choque negativo muito grande na demanda – digamos, pela ruína de uma enorme bolha imobiliária -, acontece uma mudança de regime, e nem a política fiscal ou a monetária têm os mesmos efeitos de períodos normais.
Do lado monetário, a macreoconomia antiquada diz que, uma vez que as taxas de juros tenham sido conduzidas ao limite inferior zero, a política monetária perde tração. Mesmo imensas altas na base monetária – reservas bancárias mais câmbio em circulação – não serão inflacionárias. De fato, se você acrescentar outra abordagem antiquada que alguns de nós ainda mantêm em nossas salas fechadas, você concluirá que grandes aumentos na base monetária não vão ajudar muita coisa, nem mesmo para expandir medidas mais amplas da oferta monetária.
Todos nós sabemos o que aconteceu. O Federal Reserve sob a presidência de Ben Bernanke ampliou maciçamente a base monetária, a uma ordem de quase cinco. Houve graves alertas de que isso causaria inflação e depreciaria o dólar. Mas os preços não foram a lugar algum, e não aconteceu muita coisa aos agregados monetários mais amplos (um resultado que, estranhamente, alguns economistas pareceram achar profundamente enigmático, ainda que fosse exatamente o que se deveria esperar).
E quanto à política fiscal? A macroeconomia tradicional afirmava que no limite inferior zero, não haveria perdas – os déficits não aumentariam as taxas de juros, e os multiplicadores fiscais seriam maiores do que em condições normais. A primeira destas previsões foi obviamente comprovada, à medida que as taxas de juros continuaram baixas mesmo quando os déficits estavam bastante grandes. A segunda previsão é um pouco mais difícil de testar, por motivos que eu vou abordar quando falar nos limites do empiricismo. Porém, a evidência de fato sugere grandes multiplicadores positivos.
A história geral, então, é sobre um sucesso esmagador de previsões. A macroeconomia básica e fora de moda não fracassou na crise. Ela funcionou extremamente bem. De fato, é difícil pensar em outros exemplos de modelos econômicos funcionando tão bem assim, fazendo previsões que a maioria dos não-economistas (além de alguns economistas) se recusa a acreditar, e considera até mesmo implausíveis, mas que se concretizaram. Onde, por exemplo, você pode achar outros sucessos comparáveis na microeconomia?
Mas, dirá você, nós não vimos a Grande Recessão surgindo. Bom, o que você quer dizer com “nós”? Ok, o que é verdade é que poucos economistas perceberam que havia uma grande bolha imobiliária. Mas isso não é um fracasso dos modelos fundamentais: os modelos certamente teriam previsto que o estouro de uma bolha que cortou os investimentos imobiliários em 4% do produto interno bruto e destruiu US$ 7 trilhões em patrimônios de chefes de família causaria uma recessão severa. O que aconteceu foi que os economistas se recusaram a acreditar que os preços de imóveis pudessem estar tão fora da realidade assim.
Este não é exatamente um problema da macroeconomia; até certo ponto é um problema da economia financeira, mas essencialmente eu acho que ele refletiu a indisposição geral dos seres humanos (uma categoria que inclui muitos, embora não necessariamente todos, os economistas) em acreditar que tantas pessoas pudessem estar tão erradas sobre algo tão grande.
O ponto é: A última década foi uma justificação, e não uma refutação, da boa e antiquada macroeconomia. O que me traz ao lado ruim: a microeconomia não é tão boa quanto se diz.
O segredinho sujo da microeconomia
Eu passei muito da minha carreira acadêmica cavalgando em dois subcampos econômicos distintos. Para os seres humanos normais, os estudos do comércio internacional e da macroeconomia internacional podem parecer basicamente a mesma coisa. Na realidade, porém, os dois campos usavam modelos muito diferentes, tinham culturas intelectuais muito distintas e tendiam a menosprezar uns aos outros. O pessoal do comércio tendia a enxergar o povo da macroeconomia internacional como semicharlatões, fazendo coisas ad hoc sem rigor. O povo da macroeconomia internacional achava o pessoal do comércio chato, obcecado em provar teoremas e com pouca coisa útil a oferecer ao mundo real.
Os dois lados estavam, sem dúvida, certos.
Enfim, creio que é justo dizer que ao longo das últimas décadas a profissão de economista pendeu para o lado da microeconomia deste debate. A teoria microeconômica, embasada em uma derivação rigorosa do comportamento individual com a maximização da utilidade, foi considerada o padrão de excelência. A macroeconomia obsoleta, baseada em proposições psicológicas frouxas como a “propensão marginal ao consumo”, e em geral descrevendo relações agregadas sem descrever explicitamente o que as pessoas estavam fazendo, foi considerada dúbia e inculta.
De fato, os macroeconomistas ficaram tão magoados com as gozações dos microeconomistas que passaram várias décadas tentando tornar os campos deles tão parecidos com a microeconomia quanto pudessem.
Mas será que a microeconomia merece mesmo sua reputação de superioridade moral e intelectual?
Não.
Mesmo antes da ascensão da economia comportamental, qualquer economista semi-autocrítico entendeu que a maximização da utilidade, e de fato o próprio conceito de utilidade, não era um “fato” do mundo; era mais um experimento mental, em que as conclusões sempre teriam de ser declaradas no subjuntivo.
Sim, nós acreditamos que as pessoas tendem a agir em interesse próprio e em geral não deixam de aproveitar oportunidades óbvias de melhorarem sua situação. Assim, fazia sentido seguir essa linha de raciocínio à sua conclusão lógica. E se nós imaginássemos pessoas que soubessem o que queriam, e que buscassem a estratégia ideal, dadas as restrições com que elas lidam, para atingir o máximo que pudessem destas metas? Se fosse assim, o que isso preveria sobre o comportamento?
É um exercício interessante e às vezes esclarecedor. Mas não é prova de que o mundo de fato funcione deste modo. E a verdade é que na maioria das vezes não funciona. Os economistas Daniel Kahneman e Amos Tversky e Richard Thaler e por aí vai mereceram todas as honras que receberam por ajudar a documentar as maneiras específicas nas quais a maximização da utilidade fica abaixo das expectativas, mas mesmo antes dos trabalhos deles nós nunca deveríamos ter esperado que a maximização fosse uma boa descrição da realidade.
Verdade que um modelo não precisa ser perfeito para fornecer insights grandemente importantes. Mas eis minha dúvida: onde os exemplos de teoria microeconômica estão fornecendo previsões robustas, contraintuitivas e bem-sucedidas com o mesmo nível de sucesso da macroeconomia IS-LM depois de 2008? Talvez haja alguns, mas não consigo lembrar de nenhum.
Só esclarecendo: Existe uma fartura de excelentes trabalhos de microeconomia, tanto em teorias quanto empíricos. Eu estou falando, porém, do tipo que expande visões, no nível o-mundo-não-funciona-como-você-imagina que a macroeconomia tem conseguido. Quando eu olho para a lista de top 20 artigos da American Economy Review, creio que consiga ver um trabalho de microeconomia nesta linha, o de Kenneth Arrow sobre cobertura de saúde. Há outros?
De fato, quando eu tento pensar em trabalhos empíricos de microeconomia que abriram cabeças, o exemplo que me vem à mente com mais força é o da literatura sobre os efeitos dos salários mínimo, que parece ser um exemplo em que os fatos refutam o que o modelo padrão nos disse para esperar.
O ponto não é que a teoria microeconômica é inútil e que nós devíamos parar de fazê-la. Mas ela não merece ser vista como superior à modelagem macroeconômica.
Além disso, o esforço para fazer a macro parecer mais e mais com a micro, de fundamentar tudo em comportamentos racionais, tem de ser visto agora como destrutivo. É verdade, este esforço efetivamente levou a algumas previsões robustas: por exemplo, de que só o dinheiro inesperado deveria afetar a produção real, que mudanças de renda transitórias não deveriam impactar o gasto do consumidor, que o gasto do governo deveria desencorajar a demanda privada, etc. Mas todas essas previsões se revelaram erradas.
Por outro lado, a exigência de que a macro se tornasse cada vez mais rigorosa, na visão estreita e desorientada de que se assemelhasse à micro, levou à prisão de algumas abordagens úteis no quarto dos fundos de Schwinger, e ao esquecimento de casos demais. Quando a crise bateu, foi impressionante quantos acadêmicos bem-sucedidos mostraram não saber coisas que qualquer economista teria sabido em 1970, e que isso efetivamente ressuscitou falácias da década de 30 na crença de que fossem insights profundos.
O que os dados podem e não podem nos dizer
Dados são bons (eles também são, até onde eu sei, plurais, embora isso esteja parecendo uma batalha perdida). Alguns dos meus melhores amigos são dados. O foco crescente dos economistas em evidências empíricas é, em grande medida, uma boa coisa.
Mas os dados nunca falam por si sós, por uma série de motivos. Um deles, que é familiar, é que os economistas não conseguem fazer muitos experimentos, e os experimentos naturais são raros: A grande maioria dos dados que nós vemos refletem os efeitos confusos de variáveis em que não estamos interessados, e revertem a causalidade nas variáveis que estamos tentando analisar.
O outro problema é que, mesmo quando nós conseguimos coisas semelhantes a experimentos naturais, elas em geral aconteceram em regimes econômicos que não são relevantes aos nossos problemas atuais. Ambos os problemas foram extremamente relevantes nos anos seguintes à crise de 2008.
A começar pelos efeitos da expansão monetária. A história de fato nos dá muitos exemplos de países que expandiram rapidamente sua oferta cambial, e a grande maioria desses exemplos se parecem, digamos, com o Brasil das décadas de 80 e 90.
Ou seja, você pode se ver tentado a concluir que a evidência empírica de que a expansão monetária é inflacionária é, de fato, aproximadamente de um para um.
Mas a questão, à medida que o Fed embarcou na flexibilização quantitativa, era que efeito isso teria em uma economia de limite inferior zero. E ainda que houvesse muitos exemplos históricos de grande expansão monetária, exemplos no limite inferior zero foram muito raros. Na verdade, houve basicamente dois: os Estados Unidos na década de 30 e o Japão no início dos anos 2000. Estes exemplos contavam uma história muito diferente: a expansão não iria, de fato, ser inflacionária, e funcionaria do jeito como funcionou.
Mas você precisava de um modelo para te dizer que exemplos eram relevantes. Os dados não falavam por si sós.
E quanto à política fiscal? A correlação bruta entre os déficits orçamentários e a produção real é negativa, não positiva, mas todo mundo sabe que isto acontece porque grande parte da causalidade vem do PIB ao orçamento, e não o contrário.
Assim, qualquer um preferiria buscar exemplos de grandes mudanças na política fiscal que não refletissem estabilizadores automáticos. Para os Estados Unidos, isto em grande medida significava guerra; em um grande conjunto de países, você poderia observar os efeitos de programas de austeridade. Ambas as fontes de experimentos quase-naturais sugeriam um multiplicador positivo, mas menor que um.
Mas novamente, o que nós queríamos era o efeito da política fiscal no limite inferior zero. Modelos macro simples indicavam que o multiplicador seria muito maior neste caso, e que uma série de evidências hoje endossa esta conclusão.
Eu também destacaria que, como as análises de mudanças em políticas fiscais podem estar sujeitas ao problema grave dos erros-nas-variáveis, você realmente teria de olhar mudanças extremas. Isto quer dizer, em especial, que quando nós falamos de políticas de austeridade, você teria de examinar o período de 2009 a 2012, o pânico pós-Grécia. Tudo depois disso envolve mudanças relativamente pequenas nas bordas, sujeitas a tantos erros de medição que ninguém esperaria obter resultados claros.
O ponto é que evidência empírica tem um limite. Ela certamente pode provar que a sua teoria está errada! E ela também pode tornar uma teoria muito mais persuasiva, naqueles casos em que a teoria faz previsões surpreendentes que os dados confirmam. Mas os dados nunca podem absolver você da necessidade de ter teorias.
Então, o que nós sabemos sobre a economia?
Ao longo desta última década, eu tenho visto uma série de economistas tentar argumentar com autoridade: “Eu sou um Professor Famoso, portanto, vocês têm de acreditar no que eu falo”. Isso nunca termina bem. Eu também tenho visto um bocado de niilismo: Economistas não sabem nada, e nós devíamos demolir este campo e começar do zero.
Obviamente eu discordo dos dois pontos de vista. Os economistas não conquistaram o direito de ser esnobes e superiores, especialmente se a reputação deles vem da capacidade de fazer matemática avançada: Matemática avançada tem sido de notavelmente pouca ajuda ultimamente, se é que ajudou em alguma coisa.
Por outro lado, os economistas de fato sabem muito: eles têm alguns modelos extremamente úteis, em geral bastante simples, que têm se mantido bem diante de evidências e eventos. Além disso, eles definitivamente não deveriam se submeter a pessoas importantes e/ou ricas quando se trata de política. Compare o histórico macroeconômico de Janet Yellen, ex-presidente do Fed, com o dos múltiplos bilionários que alertaram que Bernanke depreciaria o dólar.
O ponto crucial é ter ciência do que nós sabemos, e por quê.
O título deste ensaio é o título que eu dei a uma palestra que fiz em uma almoço na seção de Nova York da Associação Nacional de Economistas de Negócios. Para ser sincero, foi meio que um título provisório, e eu não tinha certeza alguma do que ia falar; mas tenho passado algum tempo tentando definir formalmente algumas coisas, e me vi querendo juntar tudo em um pequeno ensaio. Portanto, aí vão algumas metarreflexões sobre o conhecimento econômico, inspiradas em parte, mas não totalmente, pela crise financeira e suas consequências.
Claro, obviamente a crise tem inspirado tanto questionamentos entre economistas quanto uma série de críticas externas. Porém, eu argumentaria que tanto os questionamentos internos quanto as críticas externas são em sua maioria, bola fora.
Entre macroeconomistas, a autocrítica me parece ser em sua maioria acanhada demais: as pessoas se recriminam por, digamos, não dar aos mercados financeiros um papel maior nos modelos delas. Mas poucos têm feito o que deveriam, que é questionar toda a direção que a macroeconomia tem tomado nestas últimas quatro décadas, mais ou menos.
Entre os economistas de maneira mais ampla, muitas das críticas parecem se resumir à visão de que a macroeconomia é uma porcaria e de que nós deveríamos nos ater à microeconomia, que é a coisa “real”, consistente. Como eu vou explicar em um instante, isso tudo está errado. Na verdade, em um sentido importante, a última década foi uma imensa confirmação da cartilha da macroeconomia; por outro lado, a exaltação da micro como a única economia real dá crédito demais à microeconomia, e é amplamente responsável pelas formas que a teoria macroecônomica tem dado errado.
Por fim, muitos outsiders e alguns insiders têm concluído que a teoria econômica em geral é uma patacoada, que nós devíamos buscar orientação de pessoas imersas no mundo real – digamos, líderes de negócios – ou nos concentrar em resultados empíricos, deixando pra lá os modelos. Na realidade, porém, conselhos de líderes de negócios na maioria dos casos têm sido piores que inúteis nesta última década, enquanto as vozes ouvidas pelos loucos com autoridade, como sempre, têm dado conselhos bastante ruins.
Ainda que a evidência empírica seja importante, e que nós precisemos de mais dela, os dados quase nunca falam por si sós, um ponto amplamente ilustrado pelos eventos monetários recentes.
Assim, permitam-me falar de três coisas:
— O sucesso anônimo da macroeconomia
— O prestígio excessivo da microeconomia
— Os limites do empiricismo
O segredinho limpo da macroeconomia
Há uma história sobre a física quântica – não sei ao certo onde foi que eu li – que descreve a rivalidade entre os físicos Julian Schwinger e Richard Feynman. Schwinger foi o primeiro a descobrir como fazer eletrodinâmica quântica, mas os métodos dele eram incrivelmente difíceis e trabalhosos. Feynman chegou a uma abordagem muito mais simples, seus famosos diagramas, que se revelaram tão bons quanto, mas amplamente mais fáceis de serem usados.
Schwinger, pelo que eu lembro da história, nunca foi visto usando um diagrama de Feynman. Mas ele tinha uma sala fechada na casa dele, e o boato era que a sala era onde ele guardava todos os diagramas de Feynman que usava em segredo.
Macroeconomia moderna é um pouco assim, se você puder imaginar Schwinger no comando de todos os periódicos e em posição de impedir qualquer um de publicar a versão mais simples. Qual o equivalente desses diagramas de Feynman? Algo como o IS-LM, que é o modelo mais simples para demonstrar como as taxas de juros e a produção são determinadas em conjunto, e o modo como a maiorias dos macroeconomistas praticantes de fato pensa sobre as flutuações econômicas de curto prazo (IS-LM significa poupança de investimentos, dinheiro de liquidez. Leia uma explicação).
É também como eles falam de macroeconomia uns com os outros. Mas não é o que eles colocam nos artigos deles, porque os periódicos exigem que seu modelo tenha “microfundações”.
Veja, a questão sobre uma análise do tipo IS-LM não é que usá-la seja um problema tão grande em épocas formais, mas sim que ele faz algumas previsões bastante vigorosas – previsões que discordam bastante das anteriores de muitas pessoas – sobre épocas anomais. Especificamente, este tipo de análise diz que, quando há um choque negativo muito grande na demanda – digamos, pela ruína de uma enorme bolha imobiliária -, acontece uma mudança de regime, e nem a política fiscal ou a monetária têm os mesmos efeitos de períodos normais.
Do lado monetário, a macreoconomia antiquada diz que, uma vez que as taxas de juros tenham sido conduzidas ao limite inferior zero, a política monetária perde tração. Mesmo imensas altas na base monetária – reservas bancárias mais câmbio em circulação – não serão inflacionárias. De fato, se você acrescentar outra abordagem antiquada que alguns de nós ainda mantêm em nossas salas fechadas, você concluirá que grandes aumentos na base monetária não vão ajudar muita coisa, nem mesmo para expandir medidas mais amplas da oferta monetária.
Todos nós sabemos o que aconteceu. O Federal Reserve sob a presidência de Ben Bernanke ampliou maciçamente a base monetária, a uma ordem de quase cinco. Houve graves alertas de que isso causaria inflação e depreciaria o dólar. Mas os preços não foram a lugar algum, e não aconteceu muita coisa aos agregados monetários mais amplos (um resultado que, estranhamente, alguns economistas pareceram achar profundamente enigmático, ainda que fosse exatamente o que se deveria esperar).
E quanto à política fiscal? A macroeconomia tradicional afirmava que no limite inferior zero, não haveria perdas – os déficits não aumentariam as taxas de juros, e os multiplicadores fiscais seriam maiores do que em condições normais. A primeira destas previsões foi obviamente comprovada, à medida que as taxas de juros continuaram baixas mesmo quando os déficits estavam bastante grandes. A segunda previsão é um pouco mais difícil de testar, por motivos que eu vou abordar quando falar nos limites do empiricismo. Porém, a evidência de fato sugere grandes multiplicadores positivos.
A história geral, então, é sobre um sucesso esmagador de previsões. A macroeconomia básica e fora de moda não fracassou na crise. Ela funcionou extremamente bem. De fato, é difícil pensar em outros exemplos de modelos econômicos funcionando tão bem assim, fazendo previsões que a maioria dos não-economistas (além de alguns economistas) se recusa a acreditar, e considera até mesmo implausíveis, mas que se concretizaram. Onde, por exemplo, você pode achar outros sucessos comparáveis na microeconomia?
Mas, dirá você, nós não vimos a Grande Recessão surgindo. Bom, o que você quer dizer com “nós”? Ok, o que é verdade é que poucos economistas perceberam que havia uma grande bolha imobiliária. Mas isso não é um fracasso dos modelos fundamentais: os modelos certamente teriam previsto que o estouro de uma bolha que cortou os investimentos imobiliários em 4% do produto interno bruto e destruiu US$ 7 trilhões em patrimônios de chefes de família causaria uma recessão severa. O que aconteceu foi que os economistas se recusaram a acreditar que os preços de imóveis pudessem estar tão fora da realidade assim.
Este não é exatamente um problema da macroeconomia; até certo ponto é um problema da economia financeira, mas essencialmente eu acho que ele refletiu a indisposição geral dos seres humanos (uma categoria que inclui muitos, embora não necessariamente todos, os economistas) em acreditar que tantas pessoas pudessem estar tão erradas sobre algo tão grande.
O ponto é: A última década foi uma justificação, e não uma refutação, da boa e antiquada macroeconomia. O que me traz ao lado ruim: a microeconomia não é tão boa quanto se diz.
O segredinho sujo da microeconomia
Eu passei muito da minha carreira acadêmica cavalgando em dois subcampos econômicos distintos. Para os seres humanos normais, os estudos do comércio internacional e da macroeconomia internacional podem parecer basicamente a mesma coisa. Na realidade, porém, os dois campos usavam modelos muito diferentes, tinham culturas intelectuais muito distintas e tendiam a menosprezar uns aos outros. O pessoal do comércio tendia a enxergar o povo da macroeconomia internacional como semicharlatões, fazendo coisas ad hoc sem rigor. O povo da macroeconomia internacional achava o pessoal do comércio chato, obcecado em provar teoremas e com pouca coisa útil a oferecer ao mundo real.
Os dois lados estavam, sem dúvida, certos.
Enfim, creio que é justo dizer que ao longo das últimas décadas a profissão de economista pendeu para o lado da microeconomia deste debate. A teoria microeconômica, embasada em uma derivação rigorosa do comportamento individual com a maximização da utilidade, foi considerada o padrão de excelência. A macroeconomia obsoleta, baseada em proposições psicológicas frouxas como a “propensão marginal ao consumo”, e em geral descrevendo relações agregadas sem descrever explicitamente o que as pessoas estavam fazendo, foi considerada dúbia e inculta.
De fato, os macroeconomistas ficaram tão magoados com as gozações dos microeconomistas que passaram várias décadas tentando tornar os campos deles tão parecidos com a microeconomia quanto pudessem.
Mas será que a microeconomia merece mesmo sua reputação de superioridade moral e intelectual?
Não.
Mesmo antes da ascensão da economia comportamental, qualquer economista semi-autocrítico entendeu que a maximização da utilidade, e de fato o próprio conceito de utilidade, não era um “fato” do mundo; era mais um experimento mental, em que as conclusões sempre teriam de ser declaradas no subjuntivo.
Sim, nós acreditamos que as pessoas tendem a agir em interesse próprio e em geral não deixam de aproveitar oportunidades óbvias de melhorarem sua situação. Assim, fazia sentido seguir essa linha de raciocínio à sua conclusão lógica. E se nós imaginássemos pessoas que soubessem o que queriam, e que buscassem a estratégia ideal, dadas as restrições com que elas lidam, para atingir o máximo que pudessem destas metas? Se fosse assim, o que isso preveria sobre o comportamento?
É um exercício interessante e às vezes esclarecedor. Mas não é prova de que o mundo de fato funcione deste modo. E a verdade é que na maioria das vezes não funciona. Os economistas Daniel Kahneman e Amos Tversky e Richard Thaler e por aí vai mereceram todas as honras que receberam por ajudar a documentar as maneiras específicas nas quais a maximização da utilidade fica abaixo das expectativas, mas mesmo antes dos trabalhos deles nós nunca deveríamos ter esperado que a maximização fosse uma boa descrição da realidade.
Verdade que um modelo não precisa ser perfeito para fornecer insights grandemente importantes. Mas eis minha dúvida: onde os exemplos de teoria microeconômica estão fornecendo previsões robustas, contraintuitivas e bem-sucedidas com o mesmo nível de sucesso da macroeconomia IS-LM depois de 2008? Talvez haja alguns, mas não consigo lembrar de nenhum.
Só esclarecendo: Existe uma fartura de excelentes trabalhos de microeconomia, tanto em teorias quanto empíricos. Eu estou falando, porém, do tipo que expande visões, no nível o-mundo-não-funciona-como-você-imagina que a macroeconomia tem conseguido. Quando eu olho para a lista de top 20 artigos da American Economy Review, creio que consiga ver um trabalho de microeconomia nesta linha, o de Kenneth Arrow sobre cobertura de saúde. Há outros?
De fato, quando eu tento pensar em trabalhos empíricos de microeconomia que abriram cabeças, o exemplo que me vem à mente com mais força é o da literatura sobre os efeitos dos salários mínimo, que parece ser um exemplo em que os fatos refutam o que o modelo padrão nos disse para esperar.
O ponto não é que a teoria microeconômica é inútil e que nós devíamos parar de fazê-la. Mas ela não merece ser vista como superior à modelagem macroeconômica.
Além disso, o esforço para fazer a macro parecer mais e mais com a micro, de fundamentar tudo em comportamentos racionais, tem de ser visto agora como destrutivo. É verdade, este esforço efetivamente levou a algumas previsões robustas: por exemplo, de que só o dinheiro inesperado deveria afetar a produção real, que mudanças de renda transitórias não deveriam impactar o gasto do consumidor, que o gasto do governo deveria desencorajar a demanda privada, etc. Mas todas essas previsões se revelaram erradas.
Por outro lado, a exigência de que a macro se tornasse cada vez mais rigorosa, na visão estreita e desorientada de que se assemelhasse à micro, levou à prisão de algumas abordagens úteis no quarto dos fundos de Schwinger, e ao esquecimento de casos demais. Quando a crise bateu, foi impressionante quantos acadêmicos bem-sucedidos mostraram não saber coisas que qualquer economista teria sabido em 1970, e que isso efetivamente ressuscitou falácias da década de 30 na crença de que fossem insights profundos.
O que os dados podem e não podem nos dizer
Dados são bons (eles também são, até onde eu sei, plurais, embora isso esteja parecendo uma batalha perdida). Alguns dos meus melhores amigos são dados. O foco crescente dos economistas em evidências empíricas é, em grande medida, uma boa coisa.
Mas os dados nunca falam por si sós, por uma série de motivos. Um deles, que é familiar, é que os economistas não conseguem fazer muitos experimentos, e os experimentos naturais são raros: A grande maioria dos dados que nós vemos refletem os efeitos confusos de variáveis em que não estamos interessados, e revertem a causalidade nas variáveis que estamos tentando analisar.
O outro problema é que, mesmo quando nós conseguimos coisas semelhantes a experimentos naturais, elas em geral aconteceram em regimes econômicos que não são relevantes aos nossos problemas atuais. Ambos os problemas foram extremamente relevantes nos anos seguintes à crise de 2008.
A começar pelos efeitos da expansão monetária. A história de fato nos dá muitos exemplos de países que expandiram rapidamente sua oferta cambial, e a grande maioria desses exemplos se parecem, digamos, com o Brasil das décadas de 80 e 90.
Ou seja, você pode se ver tentado a concluir que a evidência empírica de que a expansão monetária é inflacionária é, de fato, aproximadamente de um para um.
Mas a questão, à medida que o Fed embarcou na flexibilização quantitativa, era que efeito isso teria em uma economia de limite inferior zero. E ainda que houvesse muitos exemplos históricos de grande expansão monetária, exemplos no limite inferior zero foram muito raros. Na verdade, houve basicamente dois: os Estados Unidos na década de 30 e o Japão no início dos anos 2000. Estes exemplos contavam uma história muito diferente: a expansão não iria, de fato, ser inflacionária, e funcionaria do jeito como funcionou.
Mas você precisava de um modelo para te dizer que exemplos eram relevantes. Os dados não falavam por si sós.
E quanto à política fiscal? A correlação bruta entre os déficits orçamentários e a produção real é negativa, não positiva, mas todo mundo sabe que isto acontece porque grande parte da causalidade vem do PIB ao orçamento, e não o contrário.
Assim, qualquer um preferiria buscar exemplos de grandes mudanças na política fiscal que não refletissem estabilizadores automáticos. Para os Estados Unidos, isto em grande medida significava guerra; em um grande conjunto de países, você poderia observar os efeitos de programas de austeridade. Ambas as fontes de experimentos quase-naturais sugeriam um multiplicador positivo, mas menor que um.
Mas novamente, o que nós queríamos era o efeito da política fiscal no limite inferior zero. Modelos macro simples indicavam que o multiplicador seria muito maior neste caso, e que uma série de evidências hoje endossa esta conclusão.
Eu também destacaria que, como as análises de mudanças em políticas fiscais podem estar sujeitas ao problema grave dos erros-nas-variáveis, você realmente teria de olhar mudanças extremas. Isto quer dizer, em especial, que quando nós falamos de políticas de austeridade, você teria de examinar o período de 2009 a 2012, o pânico pós-Grécia. Tudo depois disso envolve mudanças relativamente pequenas nas bordas, sujeitas a tantos erros de medição que ninguém esperaria obter resultados claros.
O ponto é que evidência empírica tem um limite. Ela certamente pode provar que a sua teoria está errada! E ela também pode tornar uma teoria muito mais persuasiva, naqueles casos em que a teoria faz previsões surpreendentes que os dados confirmam. Mas os dados nunca podem absolver você da necessidade de ter teorias.
Então, o que nós sabemos sobre a economia?
Ao longo desta última década, eu tenho visto uma série de economistas tentar argumentar com autoridade: “Eu sou um Professor Famoso, portanto, vocês têm de acreditar no que eu falo”. Isso nunca termina bem. Eu também tenho visto um bocado de niilismo: Economistas não sabem nada, e nós devíamos demolir este campo e começar do zero.
Obviamente eu discordo dos dois pontos de vista. Os economistas não conquistaram o direito de ser esnobes e superiores, especialmente se a reputação deles vem da capacidade de fazer matemática avançada: Matemática avançada tem sido de notavelmente pouca ajuda ultimamente, se é que ajudou em alguma coisa.
Por outro lado, os economistas de fato sabem muito: eles têm alguns modelos extremamente úteis, em geral bastante simples, que têm se mantido bem diante de evidências e eventos. Além disso, eles definitivamente não deveriam se submeter a pessoas importantes e/ou ricas quando se trata de política. Compare o histórico macroeconômico de Janet Yellen, ex-presidente do Fed, com o dos múltiplos bilionários que alertaram que Bernanke depreciaria o dólar.
O ponto crucial é ter ciência do que nós sabemos, e por quê.