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Não sejam enganados pelos “bônus” do corte fiscal

A história de “bônus graças ao corte de impostos” foi uma mentira

Walmart (WALM34) (Joe Raedle/Getty Images)
Walmart (WALM34) (Joe Raedle/Getty Images)
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Paul Krugman

Publicado em 14 de março de 2018 às, 17h14.

 

Em 19 de fevereiro, o Walmart, maior empregador da América, anunciou aumentos salariais generalizados. De fato, a empresa anunciou que iria aumentar salários de meio milhão de funcionários. O corte fiscal de Trump está funcionando!

Opa, espere. Este anúncio é de três anos atrás – foi feito em 19 de fevereiro de 2015. E, até onde eu consigo ver, ninguém deu ao governo Obama crédito pela medida.

Por que o Walmart aumentou os salários? Em parte, porque o mercado de trabalho estava se retraindo: O desemprego tem caído mais de 40% de seu auge em 2009 (uma queda pela qual os estímulos do governo Obama e outras políticas de fato merecem algum crédito). O mercado de trabalho encolhendo significava que o Walmart estava com dificuldades em atrair empregados.

O Walmart também estava no meio de uma mudança em sua estratégia de negócios. A política da empresa de pagar salários baixos começava a parecer problemática; salários baixos significavam rotatividade alta e moral baixa, e a administração acreditava que mudar ao menos em parte sua estratégia na direção de uma Costco, que pagava mais, e obter como resultado um desempenho melhor, fazia sentido.

A moral desta história é que, a menos que a economia esteja profundamente deprimida, sempre vai haver alguma empresa, em algum lugar, aumentando salários e oferecendo bônus. O que me traz ao corte fiscal de Trump e ao bastante ruim, nada bom trabalho que muito da imprensa inicialmente fez de cobrir os efeitos da medida.

Qualquer economista digno de seu cartão de visita concorda que cortar os impostos sobre sociedades terá algum efeito redistributivo sobre os salários – no longo prazo. O tamanho do efeito depende de uma série de fatores técnicos. Os entusiastas da medida afirmam que 100% dos cortes fiscais irão eventualmente para os trabalhadores; os modeladores mais sérios consideram que este número é mais parecido com algo até 20 ou 25%.

Qualquer que seja o número, entretanto, se trata de algo no longo prazo.

Isso exige uma sucessão de eventos: impostos menores, investimento maior, estoque maior de capital, demanda maior por mão de obra, salários mais altos. E esta cadeia de eventos deveria levar uma série de anos, provavelmente décadas, para se estabelecer completamente. Mesmo nas análises mais favoráveis, não há motivos para esperar quaisquer aumentos de salários nos primeiros meses logo após o corte fiscal.

No entanto, durante algum tempo o noticiário esteve repleto de histórias sobre empresas anunciando que iam oferecer bônus aos seus funcionários graças ao corte fiscal de Trump. Por que elas estavam fazendo isso?

Bem, o corte de impostos não proporcionou nenhum incentivo imediato para aumentar salários. O que ele fez, contudo, foi dar às empresas que se beneficiaram do corte fiscal um incentivo político forte para afirmar que a isenção fiscal foi o motivo dos bônus ou aumentos de salários que elas teriam concedido de qualquer maneira. Por que não? Elas querem que o corte de impostos pareça bom, já que é bom para elas. E fazer propaganda dos benefícios da medida é um jeito barato de fazer uma contribuição de fato à campanha por um governo que pode fazer muito para ajudar empresas de que gosta, digamos, removendo regulamentações de segurança ou ambientais desagradáveis.

Em outras palavras, toda a história de “bônus graças ao corte de impostos” foi uma mentira, e das óbvias. No entanto, muita gente da imprensa caiu nela.

Houve também um fator grande de desconhecimento numérico envolvido. A maioria das pessoas não faz ideia de quão grande a economia dos EUA seja. Se você disser que “a empresa X acaba de contratar mil funcionários” ou que “a empresa Y acaba de dar a 5 mil funcionários um bônus de US$ 1 mil”, elas imaginam que estas sejam grandes histórias, quando na verdade não passam de ruído em uma economia em que cerca de 5 milhões de empregados estão contratados, e um número quase idêntico pede demissão ou é desligado, todos os meses.

Os números de que nós dispomos até agora mostram que os muito alardeados bônus são triviais – menos de US$ 6 bilhões, ou 0,03% do produto interno bruto -, enquanto a recompra de ações tem ficado acima de US$ 170 bilhões. Além disso, muitos destes bônus provavelmente teriam ocorrido de qualquer maneira, enquanto que a recompra de ações em andamento está muito acima dos níveis históricos.

E mais, a onda de recompra de ações sugere que o efeito do corte fiscal nos salários vai ser pequeno no longo prazo. Lembrem que a sucessão de eventos que deveria levar a uma redistribuição começa com impostos menores e investimento maior. Se as empresas usarem os cortes para comprar ações de volta, em vez de investir em unidades e equipamentos, a história de crescimento dos salários não vai nem começar.

Ou seja, a verdadeira história sobre o corte de impostos é que ela é – eu sei que vocês estão chocados – meramente um presente para as empresas.

Quem imaginaria?