Não recuem. Não se acalmem. Não fiquem quietos
(O texto abaixo é uma transcrição editada e adaptada da palestra de Paul Krugman para Robert B. Silvers em 2016, intitulada “Discurso público em um período de loucura”. A série de palestras, que leva o nome do Sr. Silvers, o editor da The New York Review of Books, foi feita em Nova York em 6 […]
Da Redação
Publicado em 20 de fevereiro de 2017 às 12h19.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h42.
( O texto abaixo é uma transcrição editada e adaptada da palestra de Paul Krugman para Robert B. Silvers em 2016, intitulada “Discurso público em um período de loucura”. A série de palestras, que leva o nome do Sr. Silvers, o editor da The New York Review of Books, foi feita em Nova York em 6 de dezembro de 2016. )
O que você não deveria fazer depois deste ano verdadeiramente deprimente? Três grandes tentações soarão atraentes em níveis variados para diferentes pessoas. Eu as chamo de quietismo, apaziguamento e imitação.
Quietismo
Permitam-me começar pelo quietismo. Basicamente é dizer que você desiste de tentar se envolver com o mundo estendido. Você se vira para dentro. Você se dedica à sua especialidade. Se você faz economia, você volta a escrever artigos que são lidos por uma pequena centena de pessoas e abre mão de qualquer tentativa de divulgar coisas para um público mais amplo. Para mim, ao menos, esta é definitivamente uma tentação muito forte.
Deixem-me contar a vocês o que eu fiz no domingo de manhã. Eu tinha de escrever uma coluna mais tarde naquele dia, mas eu decidi que precisava esclarecer algumas coisas na minha própria mente, e talvez só então eu escrevesse sobre elas para outras pessoas. Assim, eu passei muitas e ótimas horas lendo alguns artigos acadêmicos, depois fuçando no meu amigo F.R.E.D. (sigla em inglês de Federal Reserve Economic Data) – o Banco de Dados Econômicos do Federal Reserve. É um site fantástico para desenterrar números.
Foi uma experiência maravilhosamente relaxante, tranquilizadora. Foi mais ou menos como o equivalente nerd de assistir vídeos de gatos no YouTube – o que eu também faço, por sinal. Ou seja, foi espetacular.
É óbvio que as pessoas continuarão a fazer esse tipo de coisa. As pessoas vão continuar a trabalhar em seus mundos particulares, mexer em coisas que não necessariamente vão atingir um público de massa. E, muito provavelmente, a maioria das pessoas vai fazer isso – nem todo mundo consegue ou deveria estar tentando influenciar a opinião não-técnica, não-profissional. Quero dizer, nem todo mundo pode escrever para o The New York Review of Books.
Na verdade, há muito tempo eu tentei escrever algo para (Robert Silvers) quando eu era muito, muito mais novo, e ele rejeitou de cara. Ele não deve lembrar disso.
Mas ele estava certo, era horrível – porque eu não tinha a menor ideia àquela altura de como fazer isso.
Mas eu acredito que, no fim – mesmo se você for a pessoa mais introvertida ou erudita -, para todos nós, a justificativa definitiva para o que você faz é o fato de que ela vai mudar o mundo. Que ela vai tornar as coisas melhores.
Se você ler a obra-prima de John Maynard Keynes – o economista tremendamente influente – “A Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda”, que é um livro com fama de difícil (é uma leitura árdua até mesmo para profissionais do ramo), no fim, ele oferece uma autojustificativa. Por que ele está escrevendo esse livro, que na verdade é focado em um público técnico, sabendo que os políticos não vão lê-lo? Ele disse que é porque as ideias importam. Seu argumento é: “Homens práticos que se isentam de qualquer influência intelectual geralmente são os escravos de algum economista defunto. Loucos no poder, que ouvem vozes no ar, destilam seu frenesi dos escritos de algum acadêmico de alguns anos atrás.”
Ou seja, as ideias se espalham. Mas e se os loucos no poder destilarem seu frenesi de um site de notícias falsas tocado de São Petersburgo? Qual o papel do pensamento sério nesse caso?
Bem, a menos que nós acreditemos na existência de um canal pelo qual a erudição percorra seu caminho até o mundo real, a empreitada toda é bastante deprimente. De modo que você quer que as pessoas continuem tentando fazer essa conexão.
Das várias coisas a que eu estou me referindo, o quietismo é a que eu considero mais sedutora de um ponto de vista pessoal, mas eu não estou disposto a chegar a esse ponto.
Apaziguamento
Vocês já conseguem ver isso acontecendo, certo? Que, porque um conjunto de ideias foi politicamente bem-sucedido, deve haver algo ali.
Há um determinado número de intelectuais políticos que são centristas profissionais: Se há dois lados, a verdade deve estar sempre no meio, e se existe extremismo, ela deve ser igualmente extremista – não importa em que contexto for.
Certamente vocês estão vendo um bocado de gente já começando a achar jeitos de dizer que o presidente eleito e seu círculo interior têm de fato alguns pontos positivos. O problema com isso, é claro, é que o poder não torna as coisas certas – o poder não determina a verdade. Só porque alguma coisa deu certo não significa que ela tenha qualquer validade.
Vocês realmente precisam se apegar aos seus princípios. Vocês não podem acreditar que o seu lado está sempre certo (o que certamente não é verdade), ou acreditar que vocês mesmos são infalíveis (o que definitivamente não é verdade), mas que os instrumentos da razão – efetivamente tentar entender a maneira como o mundo funciona e tentar basear sua visão de como o mundo deveria ser nesse entendimento – não são influenciados pelas sinas políticas. Vocês têm de se apoiar nisso. Vocês basicamente estarão renunciando ao próprio sentido da sua existência se cederem a essa tentação.
Imitação
Então, o que nós acabamos de ver, e não foi a primeira vez, é que ideias simples, totalmente erradas deram certo até demais. Que não há punição para coisas simplistas, para coisas que são facilmente refutadas. E que ter uma narrativa poderosa, mesmo que seja totalmente falsa, parece passar por cima de ter uma narrativa sofisticada que não seja muito envolvente do ponto de vista emocional. Ou seja, talvez nós devêssemos fazer a mesma coisa?
A essa altura, eu acho que deveria apresentar exemplos do outro lado do espectro político que sirvam de contrapartida, mas não há de verdade nada que esteja no mesmo nível.
Esse é um dos meus pontos anteriores sobre centristas profissionais – é um tipo de axioma que os dois lados do debate político devam ser simétricos, mas eles não são. Simplesmente há uma grande diferença.
Quando eu vejo as pessoas dizerem “se nós implementarmos tarifas trumpistas e partimos para o lado protecionista, irá dar em outra depressão e eliminar milhões e milhões de empregos”, não é realmente isso que a análise econômica diz. O argumento de que o protecionismo é um matador de empregos não é o que diz o manual (e eu escrevi o manual). O que o manual diz é que o protecionismo diminui a eficiência e vai deixar você mais pobre no longo prazo. Não diz que ele irá destruir milhares de empregos. No entanto, vocês viram várias pessoas que de fato deveriam saber disso e que saíram divulgando análises assustadoras.
A Moody’s soltou uma análise dos efeitos da política comercial de Trump que era chocantemente infundada. Releve o fato de que o modelo econômico não estava certo; ela não era baseada em nada ou em nenhum modelo que qualquer um usaria para qualquer outra coisa. Eles simplesmente inventaram uma história na hora para tentar apavorar as pessoas contra (a política comercial) – e isso é tentador. Vocês poderiam dizer “vocês vão pagar o preço quando for revelado que seu negócio estava errado”, mas nós não vimos de verdade alguém pagando qualquer preço por estar errados nos últimos meses. Há muito mais coisas como essa, e algumas delas provavelmente ainda piores que essa.
Vocês têm de lembrar o que é que nós estamos defendendo aqui. Eu tenho valores, preferência política; há coisas que eu quero ver acontecerem. Isso é verdade para a grande maioria das pessoas que escreverem para o The New York Review – é provavelmente verdade para a grande maioria das pessoas nessa sala.
Vocês querem uma sociedade que seja mais gentil com os desfavorecidos, que conforte os prejudicados e prejudique os confortáveis, e não o contrário. Vocês querem uma sociedade que seja aberta em mais de um sentido.
Mas há algo maior do que simplesmente a questão do que vai acontecer com a política tributária ou os programas de bem-estar social ou os salários mínimos. Tem ficado cada vez mais claro ao longo dos 17 anos que eu tenho escrito para o The New York Times que, enquanto a briga subjacente é obviamente entre o liberalismo e o conservadorismo – entre o governo como protetor e o governo como serviçal da oligarquia -, ela também é, em certo sentido, sobre defender ao contrário de destruir o Esclarecimento.
A honestidade intelectual é um valor tão fundamental quanto todo o resto. Vocês não querem começar a espalhar mentiras nobres para convencer as pessoas a aderirem à sua causa porque isso significa que vocês estão sacrificando quem vocês são. Não se escondam no seu jardim. Não comecem a encontrar jeitos de afirmar que o absurdo no fim das contas faz sentido.
E agora?
Ou seja, o que vocês podem fazer?
Nem mesmo aqueles de nós que foram além da academia e se reaproximaram trabalharam duro o suficiente para encontrar jeitos de se comunicar com um grupo maior de pessoas. Ainda há muita confiança no código – em suposições de que as pessoas vão saber ou entender coisas que muitas delas não compreendem. Não é um alcance amplo o bastante.
Agora, o pior disso tudo são os argumentos autoritários. Não acho que eu tenha usado algo assim (vocês provavelmente conseguem achar um exemplo em que eu tenha recorrido a isso, mas eu tento não fazê-lo). Fui convidado a assinar várias cartas sobre quão terríveis as políticas de Trump seriam. Eu tinha uma desculpa: o Times não me deixa participar desse tipo de coisa. Contudo, de qualquer forma, essa (estratégia é) incrivelmente ineficaz. Simplesmente não funciona – não nesta América, não nesse estágio da nossa civilização. Dizer “Eu sou um especialista – acredite em mim” simplesmente não funciona.
Mas mesmo fora desse caso, a tentação de achar que tudo é fácil e não fazer o trabalho de traduzir abstrações em algo mais concreto que as pessoas possam entender é muito grande. E nós precisamos lutar contra ela. Parte disso tem a ver com, de novo, vocês precisarem encontrar maneiras de pular não só o jargão, mas os jeitos difíceis de entender de enquadrar as coisas. Há muito, muito tempo, meu grande mentor na pós-graduação, o falecido Rudi Dornbusch, disse que, se você está escrevendo para uma audiência popular, você não começa dizendo “considere uma economia pequena e aberta”. Você diz “Na Bélgica…”
Agora, eu não quero ficar em uma posição de quem simplesmente diz: “Façam o que eu tenho feito. Todo mundo deveria ser igual a mim.” Eu mesmo tenho feito um pouco de autoanálise, e uma coisa que eu considero importante que eu não faço, e não é algo que vem naturalmente, é individualizar – (focar nas) histórias sobre pessoas. Este não é meu estilo mesmo. Não sou o tipo de pessoa que voa para um país e encontra um sábio local que de algum modo soa exatamente como eu. Eu também não sou o tipo de pessoa que faz reportagem-de-gastar-sola-de-sapato e acha uma família que foi atingida. Mas há uma razão. Sempre me incomodou no passado, e ainda incomoda, quando políticos fazem discursos e dizem “Deixem-me contar a vocês sobre a família Garcia”.
Mas eles fazem isso por uma razão bastante boa: É como a maioria das pessoas se identifica. Vocês têm de tornar isso pessoal. Ou seja, isso é uma coisa que mesmo os intelectuais públicos precisam encontrar um modo de fazer.
Vocês também precisam ter foco. Vocês não querem comprometer seus critérios, mas vocês precisam se perguntar: O que é eficaz? Há pessoas que precisam ser persuadidas; há um argumento que precisa ser defendido. Como nós vamos fazer isso? E que coisas precisam ser levadas para isso? As pessoas têm intervalos de tempo e de atenção limitados – mesmo as pessoas que leem um exemplar inteiro do The New York Review toda vez que sai um – e vão ficar distraídas facilmente se você for pelas beiradas. Então, vocês precisam ter foco.
A noite passada eu participei de um evento com (o ex-parlamentar democrata) Barney Frank no Centro de Graduados (da Universidade da Cidade de Nova York), sobre avanços posteriores na reforma financeira, e acabou sendo sobre se é possível salvar qualquer coisa.
Barney teve uma grande fala sobre a comunicação política. Ele disse: “Você precisa se comprometer a falar a verdade e nada além da verdade, mas não necessariamente toda a verdade. Algumas vezes, isso é uma distração.”
Acho que isso está certo. Vocês precisam ter foco. E acima de tudo – se é que eu posso dizer isso àqueles de nós que são intelectuais públicos – arrumar brigas com seus colegas e ser individualista é sempre uma coisa ruim, mas neste ambiente, é um pecado absoluto. Isso não é sobre você. É sobre o mundo.
Fora isso, bem, continuem fazendo propaganda. Minha avó, cujo inglês às vezes era lindamente excêntrico, costumava dizer que Roma não foi construída da noite pro dia.
Vocês precisam ter paciência e aceitar que na maioria das vezes vocês não vão ganhar a discussão, ao menos não no curto prazo. As pessoas más vão prevalecer nas eleições; as pessoas que vocês sabem que estão falando só baboseiras vão apesar disso chegar aos ouvidos daqueles no poder, e talvez até convencer grande parte do público. Mas isso não quer dizer que vocês não conseguem, se forem persistentes, fazer uma diferença para o bem. Vocês só têm de insistir nisso.
Vocês precisam cultivar uma carapaça e estar preparados para retrocessos. Vocês também precisam estar prontos para receber um monte de ataques pessoais. Minha correspondência está interessante, e sem dúvida vai ficar mais interessante durante os próximos anos. Mas é isso que vocês precisam fazer.
Continuem pressionando pela via do entendimento como um caminho rumo a, no mínimo, uma possível melhora da vida em geral.
As forças que nós acabamos de ver foram algo que qualquer um que estivesse prestando atenção saberia que estavam lá, mas elas se mostraram mais poderosas do que qualquer um imaginava. Talvez vá ser uma noite longa. Se eu pareço calmo e em paz: cara, eu não estou.
Não passa um dia, e certamente não passa uma noite, sem um momento de choque e pânico. Mas você tem de fazer o que você tem de fazer.
Em tudo isso, o papel do pensamento sério e uma tentativa de fazer esse pensamento sério chegar a um público mais amplo e mais inteligente vai ser mais essencial que nunca.
Eu estou muito orgulhoso pelo convite para fazer essa palestra. É uma coisa tão incrível isso que Bob Silver ajudou a criar. Que nós olhemos para trás daqui a dez anos e possamos dizer: “Cara, nós estávamos deprimidos, mas no fim deu tudo certo”.
( O texto abaixo é uma transcrição editada e adaptada da palestra de Paul Krugman para Robert B. Silvers em 2016, intitulada “Discurso público em um período de loucura”. A série de palestras, que leva o nome do Sr. Silvers, o editor da The New York Review of Books, foi feita em Nova York em 6 de dezembro de 2016. )
O que você não deveria fazer depois deste ano verdadeiramente deprimente? Três grandes tentações soarão atraentes em níveis variados para diferentes pessoas. Eu as chamo de quietismo, apaziguamento e imitação.
Quietismo
Permitam-me começar pelo quietismo. Basicamente é dizer que você desiste de tentar se envolver com o mundo estendido. Você se vira para dentro. Você se dedica à sua especialidade. Se você faz economia, você volta a escrever artigos que são lidos por uma pequena centena de pessoas e abre mão de qualquer tentativa de divulgar coisas para um público mais amplo. Para mim, ao menos, esta é definitivamente uma tentação muito forte.
Deixem-me contar a vocês o que eu fiz no domingo de manhã. Eu tinha de escrever uma coluna mais tarde naquele dia, mas eu decidi que precisava esclarecer algumas coisas na minha própria mente, e talvez só então eu escrevesse sobre elas para outras pessoas. Assim, eu passei muitas e ótimas horas lendo alguns artigos acadêmicos, depois fuçando no meu amigo F.R.E.D. (sigla em inglês de Federal Reserve Economic Data) – o Banco de Dados Econômicos do Federal Reserve. É um site fantástico para desenterrar números.
Foi uma experiência maravilhosamente relaxante, tranquilizadora. Foi mais ou menos como o equivalente nerd de assistir vídeos de gatos no YouTube – o que eu também faço, por sinal. Ou seja, foi espetacular.
É óbvio que as pessoas continuarão a fazer esse tipo de coisa. As pessoas vão continuar a trabalhar em seus mundos particulares, mexer em coisas que não necessariamente vão atingir um público de massa. E, muito provavelmente, a maioria das pessoas vai fazer isso – nem todo mundo consegue ou deveria estar tentando influenciar a opinião não-técnica, não-profissional. Quero dizer, nem todo mundo pode escrever para o The New York Review of Books.
Na verdade, há muito tempo eu tentei escrever algo para (Robert Silvers) quando eu era muito, muito mais novo, e ele rejeitou de cara. Ele não deve lembrar disso.
Mas ele estava certo, era horrível – porque eu não tinha a menor ideia àquela altura de como fazer isso.
Mas eu acredito que, no fim – mesmo se você for a pessoa mais introvertida ou erudita -, para todos nós, a justificativa definitiva para o que você faz é o fato de que ela vai mudar o mundo. Que ela vai tornar as coisas melhores.
Se você ler a obra-prima de John Maynard Keynes – o economista tremendamente influente – “A Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda”, que é um livro com fama de difícil (é uma leitura árdua até mesmo para profissionais do ramo), no fim, ele oferece uma autojustificativa. Por que ele está escrevendo esse livro, que na verdade é focado em um público técnico, sabendo que os políticos não vão lê-lo? Ele disse que é porque as ideias importam. Seu argumento é: “Homens práticos que se isentam de qualquer influência intelectual geralmente são os escravos de algum economista defunto. Loucos no poder, que ouvem vozes no ar, destilam seu frenesi dos escritos de algum acadêmico de alguns anos atrás.”
Ou seja, as ideias se espalham. Mas e se os loucos no poder destilarem seu frenesi de um site de notícias falsas tocado de São Petersburgo? Qual o papel do pensamento sério nesse caso?
Bem, a menos que nós acreditemos na existência de um canal pelo qual a erudição percorra seu caminho até o mundo real, a empreitada toda é bastante deprimente. De modo que você quer que as pessoas continuem tentando fazer essa conexão.
Das várias coisas a que eu estou me referindo, o quietismo é a que eu considero mais sedutora de um ponto de vista pessoal, mas eu não estou disposto a chegar a esse ponto.
Apaziguamento
Vocês já conseguem ver isso acontecendo, certo? Que, porque um conjunto de ideias foi politicamente bem-sucedido, deve haver algo ali.
Há um determinado número de intelectuais políticos que são centristas profissionais: Se há dois lados, a verdade deve estar sempre no meio, e se existe extremismo, ela deve ser igualmente extremista – não importa em que contexto for.
Certamente vocês estão vendo um bocado de gente já começando a achar jeitos de dizer que o presidente eleito e seu círculo interior têm de fato alguns pontos positivos. O problema com isso, é claro, é que o poder não torna as coisas certas – o poder não determina a verdade. Só porque alguma coisa deu certo não significa que ela tenha qualquer validade.
Vocês realmente precisam se apegar aos seus princípios. Vocês não podem acreditar que o seu lado está sempre certo (o que certamente não é verdade), ou acreditar que vocês mesmos são infalíveis (o que definitivamente não é verdade), mas que os instrumentos da razão – efetivamente tentar entender a maneira como o mundo funciona e tentar basear sua visão de como o mundo deveria ser nesse entendimento – não são influenciados pelas sinas políticas. Vocês têm de se apoiar nisso. Vocês basicamente estarão renunciando ao próprio sentido da sua existência se cederem a essa tentação.
Imitação
Então, o que nós acabamos de ver, e não foi a primeira vez, é que ideias simples, totalmente erradas deram certo até demais. Que não há punição para coisas simplistas, para coisas que são facilmente refutadas. E que ter uma narrativa poderosa, mesmo que seja totalmente falsa, parece passar por cima de ter uma narrativa sofisticada que não seja muito envolvente do ponto de vista emocional. Ou seja, talvez nós devêssemos fazer a mesma coisa?
A essa altura, eu acho que deveria apresentar exemplos do outro lado do espectro político que sirvam de contrapartida, mas não há de verdade nada que esteja no mesmo nível.
Esse é um dos meus pontos anteriores sobre centristas profissionais – é um tipo de axioma que os dois lados do debate político devam ser simétricos, mas eles não são. Simplesmente há uma grande diferença.
Quando eu vejo as pessoas dizerem “se nós implementarmos tarifas trumpistas e partimos para o lado protecionista, irá dar em outra depressão e eliminar milhões e milhões de empregos”, não é realmente isso que a análise econômica diz. O argumento de que o protecionismo é um matador de empregos não é o que diz o manual (e eu escrevi o manual). O que o manual diz é que o protecionismo diminui a eficiência e vai deixar você mais pobre no longo prazo. Não diz que ele irá destruir milhares de empregos. No entanto, vocês viram várias pessoas que de fato deveriam saber disso e que saíram divulgando análises assustadoras.
A Moody’s soltou uma análise dos efeitos da política comercial de Trump que era chocantemente infundada. Releve o fato de que o modelo econômico não estava certo; ela não era baseada em nada ou em nenhum modelo que qualquer um usaria para qualquer outra coisa. Eles simplesmente inventaram uma história na hora para tentar apavorar as pessoas contra (a política comercial) – e isso é tentador. Vocês poderiam dizer “vocês vão pagar o preço quando for revelado que seu negócio estava errado”, mas nós não vimos de verdade alguém pagando qualquer preço por estar errados nos últimos meses. Há muito mais coisas como essa, e algumas delas provavelmente ainda piores que essa.
Vocês têm de lembrar o que é que nós estamos defendendo aqui. Eu tenho valores, preferência política; há coisas que eu quero ver acontecerem. Isso é verdade para a grande maioria das pessoas que escreverem para o The New York Review – é provavelmente verdade para a grande maioria das pessoas nessa sala.
Vocês querem uma sociedade que seja mais gentil com os desfavorecidos, que conforte os prejudicados e prejudique os confortáveis, e não o contrário. Vocês querem uma sociedade que seja aberta em mais de um sentido.
Mas há algo maior do que simplesmente a questão do que vai acontecer com a política tributária ou os programas de bem-estar social ou os salários mínimos. Tem ficado cada vez mais claro ao longo dos 17 anos que eu tenho escrito para o The New York Times que, enquanto a briga subjacente é obviamente entre o liberalismo e o conservadorismo – entre o governo como protetor e o governo como serviçal da oligarquia -, ela também é, em certo sentido, sobre defender ao contrário de destruir o Esclarecimento.
A honestidade intelectual é um valor tão fundamental quanto todo o resto. Vocês não querem começar a espalhar mentiras nobres para convencer as pessoas a aderirem à sua causa porque isso significa que vocês estão sacrificando quem vocês são. Não se escondam no seu jardim. Não comecem a encontrar jeitos de afirmar que o absurdo no fim das contas faz sentido.
E agora?
Ou seja, o que vocês podem fazer?
Nem mesmo aqueles de nós que foram além da academia e se reaproximaram trabalharam duro o suficiente para encontrar jeitos de se comunicar com um grupo maior de pessoas. Ainda há muita confiança no código – em suposições de que as pessoas vão saber ou entender coisas que muitas delas não compreendem. Não é um alcance amplo o bastante.
Agora, o pior disso tudo são os argumentos autoritários. Não acho que eu tenha usado algo assim (vocês provavelmente conseguem achar um exemplo em que eu tenha recorrido a isso, mas eu tento não fazê-lo). Fui convidado a assinar várias cartas sobre quão terríveis as políticas de Trump seriam. Eu tinha uma desculpa: o Times não me deixa participar desse tipo de coisa. Contudo, de qualquer forma, essa (estratégia é) incrivelmente ineficaz. Simplesmente não funciona – não nesta América, não nesse estágio da nossa civilização. Dizer “Eu sou um especialista – acredite em mim” simplesmente não funciona.
Mas mesmo fora desse caso, a tentação de achar que tudo é fácil e não fazer o trabalho de traduzir abstrações em algo mais concreto que as pessoas possam entender é muito grande. E nós precisamos lutar contra ela. Parte disso tem a ver com, de novo, vocês precisarem encontrar maneiras de pular não só o jargão, mas os jeitos difíceis de entender de enquadrar as coisas. Há muito, muito tempo, meu grande mentor na pós-graduação, o falecido Rudi Dornbusch, disse que, se você está escrevendo para uma audiência popular, você não começa dizendo “considere uma economia pequena e aberta”. Você diz “Na Bélgica…”
Agora, eu não quero ficar em uma posição de quem simplesmente diz: “Façam o que eu tenho feito. Todo mundo deveria ser igual a mim.” Eu mesmo tenho feito um pouco de autoanálise, e uma coisa que eu considero importante que eu não faço, e não é algo que vem naturalmente, é individualizar – (focar nas) histórias sobre pessoas. Este não é meu estilo mesmo. Não sou o tipo de pessoa que voa para um país e encontra um sábio local que de algum modo soa exatamente como eu. Eu também não sou o tipo de pessoa que faz reportagem-de-gastar-sola-de-sapato e acha uma família que foi atingida. Mas há uma razão. Sempre me incomodou no passado, e ainda incomoda, quando políticos fazem discursos e dizem “Deixem-me contar a vocês sobre a família Garcia”.
Mas eles fazem isso por uma razão bastante boa: É como a maioria das pessoas se identifica. Vocês têm de tornar isso pessoal. Ou seja, isso é uma coisa que mesmo os intelectuais públicos precisam encontrar um modo de fazer.
Vocês também precisam ter foco. Vocês não querem comprometer seus critérios, mas vocês precisam se perguntar: O que é eficaz? Há pessoas que precisam ser persuadidas; há um argumento que precisa ser defendido. Como nós vamos fazer isso? E que coisas precisam ser levadas para isso? As pessoas têm intervalos de tempo e de atenção limitados – mesmo as pessoas que leem um exemplar inteiro do The New York Review toda vez que sai um – e vão ficar distraídas facilmente se você for pelas beiradas. Então, vocês precisam ter foco.
A noite passada eu participei de um evento com (o ex-parlamentar democrata) Barney Frank no Centro de Graduados (da Universidade da Cidade de Nova York), sobre avanços posteriores na reforma financeira, e acabou sendo sobre se é possível salvar qualquer coisa.
Barney teve uma grande fala sobre a comunicação política. Ele disse: “Você precisa se comprometer a falar a verdade e nada além da verdade, mas não necessariamente toda a verdade. Algumas vezes, isso é uma distração.”
Acho que isso está certo. Vocês precisam ter foco. E acima de tudo – se é que eu posso dizer isso àqueles de nós que são intelectuais públicos – arrumar brigas com seus colegas e ser individualista é sempre uma coisa ruim, mas neste ambiente, é um pecado absoluto. Isso não é sobre você. É sobre o mundo.
Fora isso, bem, continuem fazendo propaganda. Minha avó, cujo inglês às vezes era lindamente excêntrico, costumava dizer que Roma não foi construída da noite pro dia.
Vocês precisam ter paciência e aceitar que na maioria das vezes vocês não vão ganhar a discussão, ao menos não no curto prazo. As pessoas más vão prevalecer nas eleições; as pessoas que vocês sabem que estão falando só baboseiras vão apesar disso chegar aos ouvidos daqueles no poder, e talvez até convencer grande parte do público. Mas isso não quer dizer que vocês não conseguem, se forem persistentes, fazer uma diferença para o bem. Vocês só têm de insistir nisso.
Vocês precisam cultivar uma carapaça e estar preparados para retrocessos. Vocês também precisam estar prontos para receber um monte de ataques pessoais. Minha correspondência está interessante, e sem dúvida vai ficar mais interessante durante os próximos anos. Mas é isso que vocês precisam fazer.
Continuem pressionando pela via do entendimento como um caminho rumo a, no mínimo, uma possível melhora da vida em geral.
As forças que nós acabamos de ver foram algo que qualquer um que estivesse prestando atenção saberia que estavam lá, mas elas se mostraram mais poderosas do que qualquer um imaginava. Talvez vá ser uma noite longa. Se eu pareço calmo e em paz: cara, eu não estou.
Não passa um dia, e certamente não passa uma noite, sem um momento de choque e pânico. Mas você tem de fazer o que você tem de fazer.
Em tudo isso, o papel do pensamento sério e uma tentativa de fazer esse pensamento sério chegar a um público mais amplo e mais inteligente vai ser mais essencial que nunca.
Eu estou muito orgulhoso pelo convite para fazer essa palestra. É uma coisa tão incrível isso que Bob Silver ajudou a criar. Que nós olhemos para trás daqui a dez anos e possamos dizer: “Cara, nós estávamos deprimidos, mas no fim deu tudo certo”.