Infalibilidade: outra falha de caráter de Trump
Duas semanas após o presidente Trump afirmar, bizarramente, que o governo Obama havia grampeado sua campanha, seu secretário de imprensa sugeriu que a GCHQ – a contraparte britânica da Agência Nacional de Segurança – tinha feito o incômodo imaginário. As autoridades britânicas ficaram indignadas. E logo a imprensa britânica reportava que o governo Trump tinha pedido […]
Da Redação
Publicado em 28 de março de 2017 às 19h14.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h04.
Duas semanas após o presidente Trump afirmar, bizarramente, que o governo Obama havia grampeado sua campanha, seu secretário de imprensa sugeriu que a GCHQ – a contraparte britânica da Agência Nacional de Segurança – tinha feito o incômodo imaginário. As autoridades britânicas ficaram indignadas. E logo a imprensa britânica reportava que o governo Trump tinha pedido desculpas.
Mas não: Ao se encontrar com a chanceler da Alemanha, outro aliado que ele está repelindo, o Sr. Trump insistiu que não havia nada do que se desculpar. Ele disse que “tudo que nós fizemos foi citar um determinado observador legal muito talentoso”, um comentarista (é claro) da Fox News.
Alguém ficou surpreso? Este governo opera sobre a doutrina da infalibilidade Trúmpica: Nada do que o presidente diz está errado, seja sua afirmação falsa de que foi eleito com o voto popular ou sua declaração de que a taxa historicamente baixa de homicídios nos EUA está em um pico recorde. Nenhum erro é admitido. E nunca há nada do que se desculpar.
A essa altura não é novidade que o comandante em chefe do exército mais poderoso do mundo seja um homem em quem você não confiaria para estacionar seu carro ou alimentar seu gato. Obrigado, James Comey. Mas a incapacidade patológica do Sr. Trump de assumir responsabilidades é só a culminação de uma tendência. A política americana – ao menos de um lado do balcão – está sofrendo de uma epidemia de infalibilidade, de pessoas poderosas que nunca, jamais reconhecem que cometeram um engano.
Há mais de uma década eu escrevi que o governo Bush estava sofrendo de uma “carência de mensch”. (Um mensch é uma pessoa honrada que assume responsabilidade por suas ações.) Ninguém naquele governo jamais pareceu disposto a assumir responsabilidade por fracassos políticos, fossem eles a ocupação falida do Iraque ou a resposta atabalhoada ao furacão Katrina.
Mais tarde, no rescaldo da crise financeira, uma incapacidade semelhante de reconhecer erros foi notada entre muitos comentaristas econômicos.
Pegue, por exemplo, a carta aberta que um quem é quem de conservadores enviou a Ben Bernanke, então presidente do Federal Reserve, em 2010, alertando que as políticas dele poderiam levar a “desvalorização cambial e inflação”. Elas não fizeram isso. Porém, quatro anos mais tarde, quando a Bloomberg News contatou muitos dos signatários da carta, nenhum deles se mostrou disposto a admitir que estava errado.
Por sinal, reportagens dizem que um daqueles signatários, Kevin Hassett – coautor do livro de 1999 “Dow 36.000” – será nomeado como presidente do Conselho de Assessores Econômicos do Sr. Trump. Outro, David Malpass – o ex-economista-chefe da Bear Stearns, que afirmou na véspera da crise financeira que “a economia está robusta” – foi escolhido subsecretário do Tesouro para assuntos internacionais. Eles devem servir como uma luva.
Só para ficar claro: Todo mundo comete erros. Alguns desses erros entram na categoria “não tinha jeito de alguém imaginar”. Mas há também a tentação de se enveredar pelo raciocínio fundamentado, de deixar nossas emoções levarem a melhor sobre as nossas faculdades críticas – e quase todo mundo sucumbe a essa tentação volta e meia (como eu mesmo fiz na noite da eleição).
Ou seja, ninguém é perfeito. O ponto, contudo, é tentar fazer melhor – o que significa assumir seus erros e aprender com eles. No entanto, isso é algo que as pessoas que agora controlam a América nunca, jamais fazem.
O que aconteceu conosco? Alguma coisa disso certamente tem a ver com ideologia: Quando você está comprometido com uma narrativa fundamentalmente falsa sobre o governo e a economia, como quase todo o Partido Republicano está agora, encarar os fatos se torna um ato de falta de lealdade política. Em contraste, integrantes do governo Obama, do presidente para baixo, estavam em geral muito mais dispostos a aceitar a responsabilidade do que seus antecessores da gestão Bush.
O que está acontecendo com o Sr. Trump e seu círculo mais próximo, contudo, tem menos a ver com ideologia do que com egos frágeis. Admitir que estavam errados sobre qualquer coisa, eles parecem imaginar, os qualificaria como perdedores e os faria parecerem pequenos.
Na verdade, é claro, a incapacidade de se envolver em reflexão e autocrítica é característica de uma alma pequena, mirrada – mas eles não são grandes o suficiente para enxergar isso.
Mas por que tantos americanos votaram no Sr. Trump, cujas falhas de caráter deveriam ser óbvias muito antes da eleição?
Um fiasco catastrófico da imprensa e prevaricação do F.B.I. desempenharam papéis cruciais. Mas minha impressão é de que também há alguma coisa acontecendo com a nossa sociedade: Muitos americanos dão a impressão de não entender mais com o que um líder deve se parecer, confundindo grandiloquência e beligerância com dureza de verdade.
Por quê? Será a cultura das celebridades? Será desespero de classe trabalhadora, canalizado em um desejo por pessoas que jorrem slogans fáceis?
A verdade é que eu não sei. Mas nós podemos no mínimo esperar que ver o Sr. Trump em ação vai ser uma experiência instrutiva – não para ele, porque ele nunca aprende nada, mas para o corpo político. E talvez, só talvez, nós eventualmente coloquemos um adulto responsável de novo na Casa Branca.
Duas semanas após o presidente Trump afirmar, bizarramente, que o governo Obama havia grampeado sua campanha, seu secretário de imprensa sugeriu que a GCHQ – a contraparte britânica da Agência Nacional de Segurança – tinha feito o incômodo imaginário. As autoridades britânicas ficaram indignadas. E logo a imprensa britânica reportava que o governo Trump tinha pedido desculpas.
Mas não: Ao se encontrar com a chanceler da Alemanha, outro aliado que ele está repelindo, o Sr. Trump insistiu que não havia nada do que se desculpar. Ele disse que “tudo que nós fizemos foi citar um determinado observador legal muito talentoso”, um comentarista (é claro) da Fox News.
Alguém ficou surpreso? Este governo opera sobre a doutrina da infalibilidade Trúmpica: Nada do que o presidente diz está errado, seja sua afirmação falsa de que foi eleito com o voto popular ou sua declaração de que a taxa historicamente baixa de homicídios nos EUA está em um pico recorde. Nenhum erro é admitido. E nunca há nada do que se desculpar.
A essa altura não é novidade que o comandante em chefe do exército mais poderoso do mundo seja um homem em quem você não confiaria para estacionar seu carro ou alimentar seu gato. Obrigado, James Comey. Mas a incapacidade patológica do Sr. Trump de assumir responsabilidades é só a culminação de uma tendência. A política americana – ao menos de um lado do balcão – está sofrendo de uma epidemia de infalibilidade, de pessoas poderosas que nunca, jamais reconhecem que cometeram um engano.
Há mais de uma década eu escrevi que o governo Bush estava sofrendo de uma “carência de mensch”. (Um mensch é uma pessoa honrada que assume responsabilidade por suas ações.) Ninguém naquele governo jamais pareceu disposto a assumir responsabilidade por fracassos políticos, fossem eles a ocupação falida do Iraque ou a resposta atabalhoada ao furacão Katrina.
Mais tarde, no rescaldo da crise financeira, uma incapacidade semelhante de reconhecer erros foi notada entre muitos comentaristas econômicos.
Pegue, por exemplo, a carta aberta que um quem é quem de conservadores enviou a Ben Bernanke, então presidente do Federal Reserve, em 2010, alertando que as políticas dele poderiam levar a “desvalorização cambial e inflação”. Elas não fizeram isso. Porém, quatro anos mais tarde, quando a Bloomberg News contatou muitos dos signatários da carta, nenhum deles se mostrou disposto a admitir que estava errado.
Por sinal, reportagens dizem que um daqueles signatários, Kevin Hassett – coautor do livro de 1999 “Dow 36.000” – será nomeado como presidente do Conselho de Assessores Econômicos do Sr. Trump. Outro, David Malpass – o ex-economista-chefe da Bear Stearns, que afirmou na véspera da crise financeira que “a economia está robusta” – foi escolhido subsecretário do Tesouro para assuntos internacionais. Eles devem servir como uma luva.
Só para ficar claro: Todo mundo comete erros. Alguns desses erros entram na categoria “não tinha jeito de alguém imaginar”. Mas há também a tentação de se enveredar pelo raciocínio fundamentado, de deixar nossas emoções levarem a melhor sobre as nossas faculdades críticas – e quase todo mundo sucumbe a essa tentação volta e meia (como eu mesmo fiz na noite da eleição).
Ou seja, ninguém é perfeito. O ponto, contudo, é tentar fazer melhor – o que significa assumir seus erros e aprender com eles. No entanto, isso é algo que as pessoas que agora controlam a América nunca, jamais fazem.
O que aconteceu conosco? Alguma coisa disso certamente tem a ver com ideologia: Quando você está comprometido com uma narrativa fundamentalmente falsa sobre o governo e a economia, como quase todo o Partido Republicano está agora, encarar os fatos se torna um ato de falta de lealdade política. Em contraste, integrantes do governo Obama, do presidente para baixo, estavam em geral muito mais dispostos a aceitar a responsabilidade do que seus antecessores da gestão Bush.
O que está acontecendo com o Sr. Trump e seu círculo mais próximo, contudo, tem menos a ver com ideologia do que com egos frágeis. Admitir que estavam errados sobre qualquer coisa, eles parecem imaginar, os qualificaria como perdedores e os faria parecerem pequenos.
Na verdade, é claro, a incapacidade de se envolver em reflexão e autocrítica é característica de uma alma pequena, mirrada – mas eles não são grandes o suficiente para enxergar isso.
Mas por que tantos americanos votaram no Sr. Trump, cujas falhas de caráter deveriam ser óbvias muito antes da eleição?
Um fiasco catastrófico da imprensa e prevaricação do F.B.I. desempenharam papéis cruciais. Mas minha impressão é de que também há alguma coisa acontecendo com a nossa sociedade: Muitos americanos dão a impressão de não entender mais com o que um líder deve se parecer, confundindo grandiloquência e beligerância com dureza de verdade.
Por quê? Será a cultura das celebridades? Será desespero de classe trabalhadora, canalizado em um desejo por pessoas que jorrem slogans fáceis?
A verdade é que eu não sei. Mas nós podemos no mínimo esperar que ver o Sr. Trump em ação vai ser uma experiência instrutiva – não para ele, porque ele nunca aprende nada, mas para o corpo político. E talvez, só talvez, nós eventualmente coloquemos um adulto responsável de novo na Casa Branca.