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Conservadores trabalham para fortalecer a plutocracia

O projeto tributário americano a serviço de empresas e dos mais ricos

Presidente Donald Trump (Ralph Freso/Getty Images)
Presidente Donald Trump (Ralph Freso/Getty Images)
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Paul Krugman

Publicado em 4 de dezembro de 2017 às, 12h12.

A grande história de política econômica da semana: a tentativa de empurrar o projeto tributário republicano, que consegue aumentar impostos da classe média e dos americanos de baixa renda ao mesmo tempo em que estoura a dívida, tudo a serviço de grandes cortes de impostos para empresas e para os ricos. Até onde existe alguma justificativa intelectual para esse saque, ela está na insistência conservadora de que cortar taxas no topo irá magicamente produzir grande crescimento econômico.

Ou seja, ainda é economia vudu depois de todos esses anos, e nada, nem a expansão depois do presidente Clinton aumentar impostos, nem o fracasso da economia Bush, vai mudar o compromisso do partido com uma doutrina econômica falsa que serve aos interesses de seus doadores.

Porém, por trás da história fiscal está o esforço para estripar a Agência de Proteção Financeira do Consumidor (A.P.F.C., tradução livre do inglês de Consumer Financial Protection Bureau); e isso, também, precisa ser compreendido no contexto de um compromisso mais amplo do Partido Republicano com uma narrativa comprovadamente falsa mas útil.

Pense nisso: O que seria necessário para persuadir a direita de que a desregulamentação financeira é uma má ideia, e de que alguns tipos de regulamentações são muito bons para a economia?

A regulamentação financeira moderna surgiu na esteira da Grande Depressão, e a era de regulamentação efetiva foi também uma era de estabilidade financeira historicamente inédita. Será que essa estabilidade veio às custas do crescimento econômico? Dificilmente: A era da regulamentação eficaz foi também a era da grande expansão pós-guerra da América, os “30 anos gloriosos” da Europa.

Apesar disso, até a década de 70 uma combinação de ideologia de livre mercado e de grandes interesses financeiros (com o último ajudando a alimentar o primeiro) produziram uma crença amplamente difundida entre legisladores de que aquelas regulamentações antigas eram sem sentido e nocivas. Regulamentações foram suspensas e, talvez ainda mais importante, um descuido maligno permitiu que o “shadow banking” (sistema bancário sem regulamentação) se expandisse rapidamente. (O departamento do Tesouro do presidente Trump quer que os reguladores mundiais parem de usar o termo, que o departamento diz que passa a impressão de que há algo errado com tais instituições. Engraçado como causar a pior crise desde a década de 30 pode te trazer má fama.)

Enfim, a essa altura os resultados da grande ascensão da ideologia desregulamentadora são muito claros: As crises bancárias voltaram com sede de vingança, culminando (até aqui) na crise de 2008. E não é como se 2008 tivesse surgido do nada; Nós já havíamos passado pelas crises de poupança e de crédito da década de 80 e pela crise de gestão de capitais de longo prazo/crise asiática de 90, as duas sinais claros dos riscos crescentes. Junte 2008 e você tem um notável registro histórico do desastre.

Por que a desregulamentação financeira tem sido, literalmente, um fracasso dessa magnitude? Há múltiplas razões, e inteligadas, todas elas bastante bem estudadas a essa altura. O setor bancário é inerentemente vulnerável ao pânico autorrealizável; se você se proteger contra o pânico com garantias explícitas ou implícitas, você cria um dano moral que precisa ser contido via regulamentação. Além disso, as finanças são uma área em que os riscos de fraude, de golpistas que se aproveitam dos limites do entendimento e racionalidade do consumidor, são particularmente altos. Muito poucas pessoas estão em condições de analisar a letra miúda dos contratos financeiros, e os negócios mais enganadores e arriscados são fechados com aqueles menos capazes de fazer esta avaliação.

Daí a Lei Dodd-Frank, que realizou uma tentativa limitada mas séria de controlar alguns dos novos riscos que têm crescido com a desregulamentação e com o shadow banking, e que criou a A.P.F.C. para ajudar a proteger consumidores dos golpes financeiros cometidos, em muitos casos, por grandes instituições financeiras. E essas medidas têm sido bem-sucedidas: A alavancagem e os riscos financeiros estão em baixa, e o departamento tem surpreendido até mesmos aqueles de nós que o apoiavam com quão eficiente ele tem se mostrado, além de quanta influência positiva ele tem tido, com sua honestidade e transparência nas transações financeiras.

Ou seja, naturalmente o Partido Republicano quer botá-lo abaixo. Para a direita, todos os desastres provocados pela desregulamentação foram na verdade culpa dos liberais, que de algum modo forçaram os bancos a fazer empréstimos subprime para Aquela Gente, ou talvez do Federal Reserve, que de alguma maneira forçou milhares de empréstimos ruins a acontecerem ao deixar de elevar as taxas de juros diante da inflação baixa.

Os republicanos insistem que as regulamentações cautelares introduzidas após a terrível crise de 2008 estão segurando a economia, apesar de haver zero provas de qualquer coisa nesse sentido.

Mas a prova não é a questão. Assim como a fé nos poderes mágicos dos cortes de impostos, a fé nas coisas maravilhosas que acontecem se você deixar os banqueiros fazerem o que quiserem tem se tornado uma ideologia de livre circulação na direita, desvinculada de qualquer tipo de teste de realidade. E claro, é também uma crença bastante conveniente do ponto de vista do tipo de pessoa do setor financeiro.

O ataque à A.P.F.C. e o corte de impostos são partes da mesma história. Eles têm ambos a ver com uma economia vudu a serviço da plutocracia.