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Com o que se parece o futuro para as cidades pequenas?

Na economia moderna, o papel das cidades menores sofre mudanças e tem destino incerto

NOCA ZELÂNDIA: cidade da zona rural enfrentou grave seca, em 2013, e enfrentou crise econômica / Fiona Goodall | Getty Images
NOCA ZELÂNDIA: cidade da zona rural enfrentou grave seca, em 2013, e enfrentou crise econômica / Fiona Goodall | Getty Images
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Paul Krugman

Publicado em 9 de janeiro de 2018 às, 16h50.

Eu estou de férias e acompanhando vagamente o noticiário, mas, basicamente, tenho dado uma pausa e passado bastante tempo comungando com a natureza. Eu também tenho pensado um pouco sobre economia, tirando vantagem desta distância psicológica para ruminar sobre coisas que não estão conectadas tão de perto com as notícias. E uma das áreas sobre as quais eu tenho refletido remetem ao meu velho território, a geografia econômica.

Em particular, eu tenho tentado clarear minhas ideias depois de ler o estimulante artigo de Emily Badger no The New York Times sobre como as megacidades nos Estados Unidos parecem ter menos e menos necessidade de cidades menores. Eu me vi me fazendo o que pode parecer uma pergunta estranha: Para que, na economia moderna, servem as cidades pequenas? A que propósito elas atendem? Esta pergunta me levou a uma cadeia de pensamentos que é um pouco diferente da da Srª Badger, embora não necessariamente contraditória.

Antigamente, era óbvio o que os povoados e cidades pequenas faziam: Eles funcionavam como zonas centrais, servindo uma população basicamente rural envolvida com a agricultura e outras atividades baseadas em recursos naturais. A população rural era dispersa, porque a terra cultivável e outros recursos estavam dispersos, de modo que você tinha pequenas cidades marcando a paisagem.

Com o tempo, contudo, a agricultura tem se tornado ainda menos importante em termos de sua participação na economia, e a população rural tem diminuído em conformidade, como um fator determinante da localização urbana. Apesar disso, muitas cidades pequenas sobreviveram e cresceram, se tornando centros industriais, geralmente focados em algum aglomerado de indústrias unido pela trinca de fornecedores especializados, troca de informação e um conjunto de trabalhadores com competências especializadas.

O que determinava qual indústrias uma cidade pequena desenvolvia? Em alguns casos, características particulares de um lugar e proximidade de recursos era importante, mas em geral era algo mais ou menos aleatório a princípio, seguido de uma sequência em que uma indústria criava condições que favoreciam à outra.

Considere o (justamente celebrado) exemplo de Rochester, em Nova York. A cidade começou como um centro de moagem de farinha, se beneficiando de sua localização no Canal Erie, e posteriormente se tornou um centro para viveiros e sementes. Ou seja, era um centro baseado em recursos. Então, em 1853, John Jacob Bausch, um imigrante alemão, fundou uma empresa que fabricava monóculos, que se tornou uma grande produtora de óculos, microscópios e todo tipo de coisa relacionada a lentes.

Assim, Rochester se tornou um lugar em que as pessoas entendiam de ótica, presumivelmente criando as condições para a ascensão da Eastman Kodak, e muito depois da Xerox. Isso era típico de pequenas cidades industriais: Mesmo se o que uma cidade estivesse fazendo em, digamos, 1970, parecesse muito diferente do que ela estivesse fazendo em 1880, havia geralmente uma espécie de cadeia de economias externas criando as condições que permitiam à cidade tirar vantagem de novas oportunidades especiais tecnológicas e de mercado quando elas viessem à tona.

Obviamente, este era um processo delicado. Algumas indústrias regionalizadas criaram terreno fértil para novas indústrias que as substituiriam; outras, presumivelmente, se tornaram becos sem saída. E ainda que uma cidade grande e diversificada possa bancar uma série de becos sem saída, uma cidade menor não consegue. Algumas deram sorte repetidas vezes e cresceram. Outras, não; e, quando uma cidade começa muito pequena e especializada, durante um longo período há um risco significativo de que ela perderá lances de sorte o bastante para efetivamente perder qualquer razão de existir.

Não estou dizendo que não houvesse padrões de sucesso e de fracasso. As cidades pequenas eram e são mais suscetíveis a falhar se elas tiverem invernos horríveis, e mais suscetíveis a bolar novos truques se forem cidades universitárias, ou destinos de imigrantes. Ainda assim, se você recuar o suficiente, faz sentido pensar nos destinos urbanos como um processo aleatório de vitórias e de derrotas no qual as pequenas cidades encaram uma probabilidade relativamente alta de experimentar uma “ruína de jogador” (um conceito explicado aqui ).

De novo, nem sempre foi assim: antigamente, uma agricultura dispersa assegurava que as cidades pequenas servindo o interior rural sobreviveriam. Porém, durante gerações nós temos vivido em uma economia na qual as cidades menores não tinham nada a seu favor a não ser a sorte histórica, que eventualmente tende a se esgotar.

Notem, por sinal, que a globalização e seus efeitos não são centrais a esta história. Se eu estiver certo, as condições para o declínio e ruína das cidades pequenas têm sido construídas há um bom tempo, e nós estaríamos vendo muito da mesma história acontecer – embora talvez um pouco mais devagar – mesmo sem o crescimento do comércio mundial.

Há alguma consequência política neste diagnóstico? Talvez. Há, discutivelmente, custos sociais envolvidos em permitir que as cidades pequenas implodam, de modo que há um argumento a favor de políticas de desenvolvimento regionais que busquem preservar a viabilidade desses lugares. Mas vai ser uma batalha e tanto.

Na economia moderna, que tem sido desvinculada da terra, uma cidade pequena particular só existe graças a uma contingência histórica que, mais cedo ou mais tarde, perde sua relevância.