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O viés da aversão à perda na gestão de patrimônio de famílias

Gestão de patrimônio é uma atividade crítica para famílias que buscam garantir a segurança financeira, o crescimento e a preservação de seu patrimônio

Família: gestão de patrimônio é uma atividade crítica para famílias (Freepik/Divulgação)
Família: gestão de patrimônio é uma atividade crítica para famílias (Freepik/Divulgação)

Por Bernardo Zajd*

A ansiedade, como sabemos, está sempre ligada a uma perda... Com uma relação de dois lados a ponto de desaparecer para ser substituída por outra coisa, algo que o paciente não pode enfrentar sem vertigem.” O que essa frase do psicanalista francês Jacques Lacan teria a ver com a gestão de portfólios de famílias?  

A gestão de patrimônio é uma atividade crítica para famílias que buscam garantir a segurança financeira, o crescimento e a preservação de seu patrimônio ao longo do tempo – das gerações. No entanto, as decisões de gestão de patrimônio podem ser influenciadas por fatores comportamentais, como o viés da aversão à perda. Neste artigo, exploraremos a importância de levar em consideração esse viés na gestão de patrimônio de famílias, suas implicações e estratégias para lidar com essa tendência emocional. 

Antes de adentrar no Viés da Aversão à Perda, acho importante falar sobre a Teoria do Prospecto:  

A Teoria do Prospecto, desenvolvida por Daniel Kahneman e Amos Tversky, revolucionou o campo da economia comportamental ao investigar como as pessoas tomam decisões em situações de risco e incerteza. Essa teoria desafia a suposição tradicional de que os indivíduos são racionais e objetivos em suas escolhas financeiras, introduzindo conceitos-chave, como aversão à perda e heurísticas cognitivas.  

Prospecto e Valor de Referência:

A Teoria do Prospecto postula que as pessoas avaliam os resultados financeiros com base em um valor de referência subjetivo, em vez de avaliar os resultados absolutos. Esse valor de referência pode ser influenciado por fatores contextuais e experiências passadas. Ao investir, é importante reconhecer que os ganhos e as perdas são avaliados de forma diferente. Por exemplo, uma queda no valor de uma ação pode ter um impacto emocional maior do que um ganho equivalente. 

Exemplo prático: suponha que um investidor compre ações de uma empresa e, após um período de valorização, o preço dessas ações caia repentinamente. Segundo a Teoria do Prospecto, o investidor pode se sentir mais afetado emocionalmente pela perda do valor das ações do que se sentiria se o preço tivesse permanecido estável. Isso pode levar o investidor a tomar decisões irracionalmente, como vender as ações rapidamente para evitar mais perdas, em vez de considerar a perspectiva de longo prazo da empresa.

Aversão à Perda

A Teoria do Prospecto sugere que as pessoas têm uma aversão maior à perda do que o prazer associado a ganhos equivalentes. Isso significa que o impacto emocional das perdas é mais significativo do que o impacto emocional dos ganhos. Como investidores, é essencial entender essa aversão à perda e como ela pode influenciar nossas decisões. 

Exemplo prático: suponha que um investidor tenha duas opções: uma com 50% de chance de ganhar $1.000 e outra com 50% de chance de perder $1.000. Segundo a Teoria do Prospecto, a aversão à perda levará o investidor a valorizar mais a opção de não perder $1.000 do que a opção de ganhar $1.000. Assim, o investidor pode optar por evitar o risco da perda, mesmo que isso signifique perder a oportunidade de ganhar. 

O exemplo clássico, abordado por Kahneman, aborda a felicidade marginal que nos gera cada milhão adicional. Essa teoria sugere que, à medida que uma pessoa adquire mais unidades de um bem ou recurso, a utilidade ou satisfação adicional que ela obtém com cada unidade adicional diminui progressivamente. 

No contexto do exemplo mencionado, implica que, à medida que uma pessoa ganha mais dinheiro, cada milhão adicional que ela ganha tem um impacto cada vez menor em sua felicidade ou satisfação geral. Em outras palavras, o aumento na riqueza não é proporcional ao aumento da felicidade. Sendo assim, não é proporcional a felicidade de ganhar mais com a infelicidade de perder o mesmo valor. 

A aversão à perda pode ter várias implicações na gestão de patrimônio de famílias. Primeiramente, pode levar os investidores a adotar uma postura excessivamente conservadora, evitando riscos e buscando apenas proteger o capital. Embora a proteção do capital seja importante, uma abordagem excessivamente cautelosa pode limitar o potencial de crescimento e retorno do patrimônio. 

Famílias que têm, por exemplo, uma aversão intensa à perda, podem preferir manter seu dinheiro em investimentos considerados seguros, como títulos do governo, mesmo que estes investimentos ofereçam retornos modestos. Embora esses ativos sejam menos voláteis e possam fornecer uma sensação de segurança, podem não ser suficientes para alcançar os objetivos financeiros de longo prazo da família. Uma abordagem mais equilibrada que envolva a diversificação de ativos, incluindo investimentos com maior potencial de retorno, pode ser mais apropriada. 

Além disso, a aversão à perda pode fazer com que os investidores se apeguem emocionalmente a determinados investimentos, mesmo quando há evidências de que esses investimentos estão se desvalorizando. Esse apego emocional pode levar à falta de ação ou à relutância em vender ativos com desempenho inferior, na esperança de que o valor se recupere. Essa falta de ação pode resultar em perdas. 

Embora a mente humana não tenha uma fórmula de bolo, a literatura sugere algumas estratégias para lidar com o Viés da Aversão à Perda: 

  1. Conscientização e educação financeira: famílias devem buscar entender os princípios básicos da Behavioral Finance e estarem cientes dos vieses comportamentais, incluindo a aversão à perda. A conscientização pode ajudar a reconhecer quando as emoções estão influenciando as decisões de investimento e permitir uma abordagem mais objetiva.
  2. Estabelecimento de metas financeiras claras: definir metas financeiras claras é fundamental para orientar a tomada de decisões de investimento. Isso permite que as famílias mantenham o foco nos objetivos de longo prazo e evitem serem influenciadas emocionalmente por movimentos de curto prazo no mercado. 
  3. Diversificação e descorrelação do portfólio: uma estratégia eficaz para lidar com a aversão à perda é a diversificação adequada do portfólio. Ao distribuir os investimentos em diferentes classes de ativos, setores e regiões geográficas, é possível reduzir o risco de perdas significativas. A diversificação também pode proporcionar um equilíbrio entre a busca de retornos e a proteção do capital. Vou mais além; os riscos do portfólio precisam estar descorrelacionados – dada a quantidade de eventos inesperados que o mundo nos apresenta – no horizonte de tempo que olhamos.  

      Cada família é única. Cada ser humano é singular. Fazer esse momento divã é essencial para entendermos como toca a volatilidade no emocional de cada um. O backtest desse carrossel de emoções é necessário para entender como cada um vai lidar com a volatilidade que o mundo nos apresenta a jornada. Tomar decisões financeiras mais racionais e alcançar os objetivos financeiros de longo prazo. Reconhecer a influência emocional desse viés e adotar estratégias que minimizem seus efeitos negativos podem resultar em uma gestão de patrimônio mais eficaz, com maior potencial de crescimento e preservação do patrimônio familiar. A conscientização, a diversificação do portfólio, a revisão regular e a consulta a profissionais qualificados são fundamentais para lidar com esse viés comportamental e construir uma estratégia de gestão de patrimônio sólida e bem-sucedida.  

      *Bernardo Zajd é co-fundador da 1618 investimentos e tem 19 anos de experiencia na indústria de Weath Management. Economista com curso de especialização em  Behavioral Finance na Chicago University.