Exame.com
Continua após a publicidade

O quiet quitting e o porquê do propósito

Criar significado para que as pessoas sintam que seu trabalho representa algo maior contribui para melhoria do desempenho, engajamento e satisfação

Exaustão: pesquisa mostrou que 59% dos funcionários estão “quiet quitting”. (Freepik/Divulgação)
Exaustão: pesquisa mostrou que 59% dos funcionários estão “quiet quitting”. (Freepik/Divulgação)

O mais recente relatório sobre a situação global dos locais de trabalho, publicado pela Gallup, revela que 59% dos funcionários estão “quiet quitting”, ou seja, a maioria da força de trabalho do mundo está infeliz no emprego, passa o dia sem qualquer engajamento, desconectada psicologicamente da empresa e de olho no relógio para encerrar o expediente. Na prática, as pessoas estão se demitindo silenciosamente e só se mantêm por causa dos boletos para pagar no final do mês. O estudo foi realizado em 160 países e o Brasil segue a média global de 59% “quiet quitting” embora apresentando um percentual de engajamento dos empregados de 28%, pouco acima da média global (23%).

A Gallup estima que o baixo envolvimento da mão-de-obra custa à economia global U$8,8 bilhões, o equivalente a 9% do PIB, e aponta oportunidades para a liderança das organizações porque, quando se perguntou aos entrevistados o que eles mudariam para melhorar o local de trabalho, 85% das respostas dadas pelos que estão se demitindo silenciosamente foram relacionadas a engajamento e cultura. Eles sugeriram melhorias que parecem básicas como, por exemplo: reconhecimento pelas suas contribuições ao trabalho, gestores mais acessíveis e justos, autonomia para estimular criatividade, respeito, e oportunidades justas de promoção.

Os dados apresentados de engajamento da mão-de-obra no Brasil, indicam que de cada 10 empregados, apenas 2,8 encontram significado no seu trabalho. Isto tem muito a ver com o papel da liderança, que é a quem cabe fazer com que as pessoas, por mais singela que seja sua parte no trabalho, sintam-se participando de algo importante. Se for um pedreiro, que ele não se veja apenas assentando tijolos ou levantando uma parede da igreja, mas que se orgulhe de estar participando da construção de uma catedral. Se for um funcionário de restaurante responsável por manter mesas limpas, que entenda o quanto o asseio contribui, por exemplo, para a refeição prazerosa de alguém ou até para evitar uma contaminação alimentar, que poderia ser causada por uma bactéria sobrevivendo numa higienização mal feita.

Compreender o quão importante é seu trabalho traz significado para as tarefas. Entender que cada tarefa tem relevância faz com que comecemos nossos dias com a intenção certa. No livro ¨De Propósito¨, do autor João Branco, que tive o prazer de ter como companheiro de trabalho no Méqui, há uma frase muito direta e poderosa sobre isto, que adoro, e compartilho com vocês aqui: ¨Intenções Importam¨.

O sentimento de fazer parte de algo que transcende a tarefa em si ocorre quando existe propósito, algo aparentemente simples, que pode definir em uma frase o porquê a empresa existe, qual o impacto que causa no mundo, enfim, o que dá sentido à vida e representa o porquê fazemos as coisas. A razão de ser da empresa e das pessoas que nela trabalham é importante, especialmente para as novas gerações, que não aceitam apenas cumprir tarefas. Estes novos profissionais buscam uma conexão mais profunda com essas suas atividades diárias, querem entender e precisam ter uma sensação de significado e propósito nas suas carreiras.

Desde o começo da humanidade o propósito é uma espécie de guia que inspira e oferece motivos para se acreditar em algo maior.  Na gestão empresarial, a aplicação do conceito de propósito teve participação significativa dos professores Christopher Bartlett e Sumantra Ghoshal, cujos estudos contribuíram para o entendimento do propósito corporativo, especialmente no contexto de empresas multinacionais, enfatizando a importância de alinhar as estratégias globais de uma empresa com seus valores fundamentais e responsabilidade social. No artigo “Changing the role of top management: beyond strategy to purpose”,  publicado pela Harvard Business Review em dezembro de 1994, eles concluem que “o propósito – e não a estratégia – é a razão pela qual uma organização existe. Sua definição e articulação devem ser a primeira responsabilidade da alta administração”.

Descobrir esse propósito é uma jornada individual, mas que também envolve a liderança e os empregadores. À medida que ambos reconhecem e valorizam a importância disso, vai se constituindo um diferencial, uma força vital para a empresa ter um ambiente de trabalho melhor e, por consequência, resultados melhores, principalmente se o seu concorrente não tiver encontrado ainda este caminho que leva ao sentido de pertencimento.

Os profissionais que encontram esse propósito acordam felizes para trabalhar todas as manhãs, são mais satisfeitos, mais criativos, têm orgulho do que fazem, permanecem mais tempo nas organizações e isto contribui para a questão de retenção de talento, que é uma consequência natural dessa cultura organizacional centrada no propósito. Então, investir na identificação e promoção do propósito entre os colaboradores, no final das contas, gera produtividade, constrói reputação, fortalece a empresa como marca empregadora, tornando-a desejada, e transforma esta empresa em grande fonte de energia e motivação, que vai além das recompensas financeiras, do reconhecimento externo. É uma força interna muito forte que impulsiona melhor desempenho e busca pela excelência, sendo retroalimentada, intrinsecamente retroalimentada.

Para atingir este patamar, os desafios não são poucos. Mesmo quando existe todo um esforço de conscientização por parte da empresa e as pessoas são receptivas, surgem resistências como pressão psicológica, dificuldade financeira, chefe que continua no esquema do manda quem pode, obedece quem tem juízo, ambiente tóxico, falta de clareza das metas organizacionais e outras barreiras.  Para encontrar o propósito, a liderança precisa estar ciente e preparada para este cenário. Afinal, o líder desempenha papel crucial na comunicação da missão da empresa, da função de cada um e das responsabilidades da equipe diante dos objetivos estratégicos de curto médio e longo prazos.

De acordo com a Gallup, 70% do envolvimento das equipes depende dos gerentes, mas muitos também estão se demitindo silenciosamente. Um dos problemas é que os gestores, na maioria das vezes, são promovidos porque eram bons em executar determinada tarefa e continuam apegados a ela quando deveriam assumir o cargo superior. Em sua nova função, o novo chefe, coordenador, supervisor, diretor, deixa de ser responsável pela tarefa - e passa a ser o responsável pela pessoa que executa a tarefa - e quanto mais alto o cargo, mais pessoas ele terá sob sua reponsabilidade. No entanto, a maioria não está preparada para lidar com o ser humano. Ninguém ensinou isso. A faculdade não ensinou e as empresas nem sempre ensinam.

A liderança orientada por propósito envolve descobrir o propósito pessoal, ajudar os outros a encontrarem o próprio propósito e conectar o propósito pessoal ao organizacional.  À medida que as empresas avançam no conceito de propósito, aproximam-se de um novo entendimento do papel da liderança. Na definição de Simon Sinek, em seu livro “Líderes se servem por último”, “não é o cargo que torna alguém um líder. Liderança é a opção de servir aos outros, com ou sem um título formal. Há pessoas com autoridade que não são líderes, e há pessoas nos escalões mais baixos de uma organização que certamente são líderes”. Ele acredita que as organizações devem se concentrar em inspirar as pessoas por meio de um propósito significativo, gerando lealdade e motivação interna, pois é deste modo que as empresas de sucesso conseguem se conectar emocionalmente seus funcionários e clientes ao seu propósito. E isto se traduz em significado para a missão organizacional, construindo culturas e empresas admiradas, o que é uma vantagem competitiva sustentável e importante no mundo atual.