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Inflação de serviços recomenda manutenção do gradualismo na política monetária

Ainda que beneficiada pelo efeito transitório da supersafra agrícola, a alta do PIB provavelmente repetiu o resultado de 3% observado no ano anterior

O IPCA encerrou 2023 dentro da banda de variação, com alta de 4,6% (Rafael Henrique/SOPA Images/LightRocket/Getty Images)
O IPCA encerrou 2023 dentro da banda de variação, com alta de 4,6% (Rafael Henrique/SOPA Images/LightRocket/Getty Images)

Após dois anos em que a inflação superou o limite superior da meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, o IPCA encerrou 2023 dentro da banda de variação, com alta de 4,6%.

Embora ainda distante do alvo central de 3,25%, há bons motivos para se comemorar o resultado. A inflação havia fechado 2022 em 5,8%, patamar que despertava ceticismo quanto à capacidade da autoridade monetária de garantir o cumprimento da meta sem uma forte desaceleração da atividade econômica. De fato, as expectativas extraídas da pesquisa Focus do Bacen junto aos economistas de mercado no início de 2023 indicavam que a inflação encerraria o ano acima de 5.0%, enquanto o crescimento do PIB teria um desempenho modesto, inferior a 1,0%.

Como se sabe, não foi isso o que ocorreu. Além da surpresa positiva no lado da inflação, o crescimento superou largamente aquelas projeções. Ainda que beneficiada pelo efeito transitório da supersafra agrícola, a alta do PIB provavelmente repetiu o resultado de 3% observado no ano anterior.

Essa desinflação “indolor” é um atestado inequívoco da competente condução da política monetária por parte do Banco Central, que resistiu às pressões por um afrouxamento prematuro e mais agressivo da Selic, privilegiando a ancoragem, ainda que parcial, das expectativas de inflação. Como fica claro a posteriori, a aposta se mostrou amplamente vitoriosa, abrindo espaço para um longo ciclo de alívio monetário que se estenderá por boa parte de 2024.

Outros fatores, contudo, ajudam a explicar o arrefecimento da inflação ao longo do último ano, como o recuo na cotação internacional do petróleo e a deflação dos alimentos. Mas o principal deles diz respeito à normalização das cadeias de suprimento globais após a grave crise de produção e logística em decorrência dos choques da Covid-19 e da Guerra da Ucrânia. Essa normalização vem produzindo um forte recuo da inflação dos bens industriais na maior parte do mundo.

Não tem sido diferente no Brasil. De fato, quando se exclui os efeitos da sazonalidade, a variação média dos preços industriais nos três meses encerrados em dezembro já registra deflação.

Olhando à frente, a boa notícia é que o cenário benigno para o grupo deve se estender ao longo do ano, com a proximidade do ciclo de corte de juros nos EUA, a acomodação dos preços das commodities, e pressões baixistas dos preços de bens intermediários. Esse quadro deverá favorecer a continuidade da queda da inflação geral em 2024.

A notícia não tão boa é que já há sinais de que a desinflação dos serviços pode estar chegando ao final. Após atingir a mínima recente em setembro, a inflação média anualizada (e dessazonalizada) dos chamados “serviços subjacentes” voltou se elevar, alcançando 4,2% nos três meses encerrados em dezembro – bem acima da meta de inflação de 3,0% para 2024.

Por ser fortemente associada ao estado da atividade econômica e do mercado de trabalho, a inflação dos serviços subjacentes fornece informação valiosa sobre eventuais pressões de demanda e, por essa razão, recebe atenção especial por parte do Banco Central.

A reversão na tendência de desinflação do grupo é possivelmente um sinal de que a política econômica, em seu conjunto, tenha caminhado para o terreno expansionista ao longo do ano passado.

Esse diagnóstico encontra respaldo no expressivo impulso sobre a demanda agregada proporcionado pela PEC da Transição (com o aumento de aproximadamente R$ 180 bilhões no gasto público federal em 2023) e a forte retomada nos desembolsos do BNDES. A taxa de desemprego, por sua vez, se manteve em queda, alcançando 7,5% no trimestre encerrado em novembro – menor nível para o período desde 2014, e não distante do que deva ser o pleno emprego na economia brasileira.

Do ponto de vista da política monetária, a questão que se coloca é como o Banco Central deve proceder diante dessa potencial discrepância na dinâmica dos principais grupos de preços.

Por um lado, a perspectiva de recuo adicional da inflação geral, beneficiada pelo cenário benigno para os preços industriais, fornece as condições para que o corte da Selic ainda avance significativamente, possivelmente para a vizinhança de 8,5% ao final do ciclo.

Contudo, as incertezas crescentes quanto à dinâmica daqueles preços diretamente influenciados pelo ciclo econômico – e, portanto, mais sensíveis à ação da política monetária – elevam os riscos para a continuidade do processo de convergência da inflação. Isso é particularmente verdade quando se considera que a ociosidade na economia parece ter se esgotado (especialmente no mercado de trabalho) e as políticas fiscal e parafiscal deverão manter o caráter expansionista nesse e nos próximos anos.

Diante dessa assimetria no balanço de riscos para a inflação, o gradualismo na condução da política monetária continua sendo a estratégia superior, fornecendo maior flexibilidade para que o Banco Central se adapte a eventuais mudanças no cenário econômico, com menor custo. Parece improvável (e desaconselhável) que o Copom acelere o ritmo de cortes da Selic.

*Marcelo Fonseca é economista-chefe da Reag Investimentos