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Quem se lembra do nome de seus antepassados?

Quando entendemos o que aconteceu em outros contextos históricos podemos aprender com eventuais erros e buscar decisões mais acertadas e racionais

Viaduto do Chá, durante uma reforma para reforçar a estrutura metálica e permitir a passagem de linhas de bondes, funcionando como via alternativa de acesso a regiões a oeste do vale do Anhangabaú, em 1902. (Guilherme Gaensly /Acervo Fundação Energia e Saneamento/Divulgação)
Viaduto do Chá, durante uma reforma para reforçar a estrutura metálica e permitir a passagem de linhas de bondes, funcionando como via alternativa de acesso a regiões a oeste do vale do Anhangabaú, em 1902. (Guilherme Gaensly /Acervo Fundação Energia e Saneamento/Divulgação)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 3 de novembro de 2020 às, 08h35.

Recebi uma mensagem, dia desses, de um leitor que observava o meu gosto por encaixar algum assunto do passado em narrativas sobre fatos do presente. Isso me fez refletir sobre a razão pela qual tenho esse hábito. Talvez seja o reflexo da idade: todo jornalista cinquentão gosta de contar histórias e comparar o passado com o presente. Qual a razão disso? Quando entendemos o que aconteceu em outros contextos históricos podemos aprender com eventuais erros e buscar decisões mais acertadas e racionais na atualidade.

Mas, depois de um tempo pensando, cheguei à conclusão de que há também outro motivo para este hábito: tenho uma batalha pessoal contra o esquecimento. E hoje, todos parecem ter sido acometidos de uma amnésia coletiva. Ninguém mais lembra de nada e está o tempo todo focado no presente.

Esta obsessão em manter na memória certos acontecimentos ficou mais evidente na semana passada, quando me deparei com um post no Instagram. Um amigo da rede social me instava a lembrar os nomes dos meus bisavôs e das minhas bisavós. Como já fiz uma árvore genealógica da minha família, consegui lembrar de todos os epítetos (uma palavra escolhida para combinar com a época em que eles viveram): Capitulino e Rita, Virgílio Demócrito e Francisca, José Tomaz e Josefa, João Carlos e Antônia.

Fiz essa mesma pergunta a cerca de dez pessoas próximas e apenas um sabia de todos os nomes. Afinal, trata-se de uma questão difícil: são oito nomes de pessoas que viveram há mais de cem anos.

Você, que está lendo esse texto, já tentou se recordar de todos os pais de seus avôs e avós? Conseguiu lembrar de todos? Dificílimo. Agora, pense no seguinte: será que daqui a cem anos os seus bisnetos vão se lembrar de seu nome?

A alta possibilidade de sermos esquecidos por nossos próprios descendentes mostra o quão transitória a vida é. Mas, igualmente, nos prova a necessidade de criarmos um legado, nem que seja apenas para nossa família. Talvez essa seja a única forma de criar algum tipo de imortalidade: ocupar um espaço na memória daqueles que ainda não nasceram.

Somos uma nação jovem e temos um fascínio pela modernidade. Em nome dessa contemporaneidade, promovemos grandes barbaridades urbanísticas e paisagísticas. Sugiro duas buscas no Google que servirão de exemplo prático. Digite “Vale do Anhangabaú 1920”. O cenário que observaremos nas fotos remete à Europa: um projeto arborizado, com a presença de três palacetes construídos pelo conde Eduardo Prates e projetados pelo arquiteto Cristiano Stockler das Neves (o mesmo da Estação Júlio Prestes). Os três foram demolidos. O último, destruído em 1970, deu lugar ao edifício Mercantil FInasa, na rua Líbero Badaró.

E o que dizer da Praça Marechal Deodoro antes do Minhocão? Um verdadeiro boulevard parisiense, com árvores belíssimas, que virou pó por conta da obsessão em destruir ao passado em nome do futuro. É só fazer a busca: “Praça Marechal Deodoro em 1942”.

Tenho uma certa predileção por passear na Zona Sul do Rio de Janeiro, em especial Copacabana. Neste bairro, assim como em outros, parece que o tempo parou, tamanho é o número de prédios erguidos entre as décadas de 1940 e 1960. A arquitetura de linhas redondas, hoje desaparecida, é vista com frequência nessas ruas cariocas.

Mas foi no Rio que se perpetrou um dos maiores crimes urbanísticos já cometidos contra uma cidade: a destruição do Palácio Monroe (foto). A construção abriu as portas em 1906 para abrigar a Terceira Conferência Pan Americana. Depois, virou sede do Senado Federal e, por fim, o Estado Maior das Forças Armadas. Foi ao chão em 1976, por conta das obras do metrô. Alguns dizem que sua demolição melhorou a vista da Cinelândia para o Pão de Açúcar. Mas perdeu-se mais um registro arquitetônico do passado em nome da modernidade.

Ninguém está advogando que as cidades devam permanecer intactas, sem novas construções. Pelo contrário. Mas o fim abrupto dos Palacetes Prates, Praça Marechal Deodoro e Palácio Monroe denotam que nossa memória histórica não tem grande valor para a sociedade em geral. O reflexo disso está na dificuldade em enumerar os pais de nossos avós ou de lembrar acontecimentos do passado. Sem memória, no entanto, não se constrói o orgulho de uma Nação. E um país sem autoestima não vai a lugar nenhum.