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Quando a ignorância supera a razão

Nunca houve tanto desinteresse intelectual ao mesmo tempo em que há uma quantidade enorme de conteúdo para ser devorado

Tampando os ouvidos (Boris SV/Getty Images)
Tampando os ouvidos (Boris SV/Getty Images)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 11 de julho de 2020 às, 13h18.

Última atualização em 11 de julho de 2020 às, 13h19.

Nesta semana, Money Report fez uma “live” com o banqueiro André Esteves. Ao final de uma hora e meia, perguntei a ele se ainda havia alguma coisa que o assustava na vida. A resposta: “Tenho medo de uma coisa só – da ignorância” (quem tiver a curiosidade de ver a conversa inteira, o registro está aqui.

A frase de Esteves me lembrou um trecho do filme de 1951, “O Dia em que a Terra Parou”. Nessa cena, o personagem principal, o alienígena Klaatu, vivido por Michael Reenie, diz não entender “quando as pessoas substituem a razão pelo medo”.

As duas sentenças, separadas entre si por quase 70 anos, descortinam preocupação sobre aqueles que se guiam pela desinformação, obscurantismo e intolerância. E temos, hoje, um verdadeiro exército de desinformados, obscurantistas e intolerantes.

Não deixa de ser um paradoxo. Nunca houve tanta informação à disposição das pessoas. Somente o Google democratiza o acesso a qualquer tipo de referência. Ferramentas como o Kindle oferecem gratuitamente milhares de livros. O YouTube também brinda seus usuários com uma infinidade de vídeos que anos atrás estariam disponíveis apenas no sistema de pay-per-view.

Ao lado desta magnífica quantidade de conteúdo de primeira linha, porém, há toneladas de lixo digital na rede. No meio da imundície, encontram-se das fake news e as mensagens que destilam raiva – mas não são apenas as falsidades e o ódio que pioram a condição humana na atualidade.

Há uma opção consciente pela ignorância. Nunca houve tanto desinteresse intelectual ao mesmo tempo em que há uma quantidade enorme de conteúdo para ser devorado. Entre ignorantes de plantão, há dois grupos.

O primeiro é formado por indivíduos que não querem colocar suas crenças pessoais em xeque e, assim, nem buscam o contraditório. O segundo aglutina gente que se sente intimidada pela magnitude de informações e nem se dá ao trabalho de pesquisar qualquer tema no universo digital. Esse é um fenômeno que atinge a geração mais nova.

É como naquela canção dos anos 1980, gravada numa época em que a internet nem existia: “Eu tenho pressa e tanta coisa me interessa/ Mas nada tanto assim”.

Ao contrário de uma série de coisas que enfrentamos na vida, a ignorância é uma opção. Muitos anos atrás, era possível dizer que o conhecimento só poderia ser obtido através da condição social. Afinal, boa parte do conteúdo importante estava acondicionado em livros ou outros meios de comunicação que precisavam de dinheiro para que suas portas fossem abertas.

Esse tempo, no entanto, já passou. É possível buscar praticamente de tudo na rede e entrar em contato direto com o que dizem as maiores mentes do planeta. Assim, a ignorância é uma escolha. Essa escolha se manifesta seja pela pasmaceira ou pelo obsessão.

Os preguiçosos não se mexem e ficam inertes em seu mar obscurantista. Como John Lennon disse em “Strawberry Fields Forever”, viver é mais fácil com olhos fechados (“Living is easy with eyes closed”) e esse grupo prefere manter seu cotidiano blindado de assuntos mais profundos, cujo desconhecimento os levará fatalmente a tomar decisões erradas em algum momento.

Há, contudo, os ignorantes que não são preguiçosos. Pelo contrário. Primam pela diligência em buscar mais argumentos que reforcem opiniões baseadas unicamente em seus próprios achismos (sejam eles de direita ou de esquerda, retrógrados ou progressistas, liberais ou conservadores) e fazem da rede um verdadeiro “pesque e pague” de ardis. Nesta era de pandemia, são os que torturam os números para arrancar conclusões que favoreçam sua opinião sobre um determinado assunto. Ou seja, possuem uma ignorância turbinada pela própria internet.

Martin Luther King disse que “nada no mundo pode ser mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez consciente”. Essa frase, escrita no livro “Força para Amar”, de 1963, tinha como alvo o racismo que foi tão questionado por ele em seu tempo. Mas seu contexto pode ser ampliado para todo o discurso de ódio que temos diante de nós.

E para a falta de interesse em ouvir o próximo e entender suas posições antes mesmo de tentar demovê-lo de suas opiniões. Isso requer paciência, tempo e força de vontade. Três artigos escassos no mundo atual. Sem eles, no entanto, andaremos em círculos e sempre viveremos em tempos tormentosos, com a sociedade dividida eternamente sobre política, economia e costumes.