Exame.com
Continua após a publicidade

Políticos podem usar produtos de luxo?

Os políticos evitam associar seu nome a locais e objetos caros

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Victor Moriyama/Bloomberg/Getty Images)
Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Victor Moriyama/Bloomberg/Getty Images)
M
Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 30 de março de 2022 às, 14h51.

Aluizio Falcão Filho

Em 2014, recebi meu conterrâneo Eduardo Campos, então pré-candidato à presidência, para uma entrevista. Conhecia Eduardo há algum tempo – até porque seu tio, Renato, era grande amigo da minha família e padrinho do meu irmão. Ao final de nossa conversa, apontei para seu pulso e perguntei: “Alguém já te criticou por usar um Rolex?”. Ele sorriu e disse que aquele relógio já havia sido alvo de algumas notinhas maldosas na imprensa pernambucana. Infelizmente, Eduardo se foi em um acidente aéreo no mês seguinte à entrevista e não houve tempo para que a imprensa nacional pegasse no seu pé por conta daquele acessório.

Me lembrei dessa história quando li uma nota que versava sobre o relógio usado por Luiz Inácio Lula da Silva, um Piaget que custaria R$ 84 000, em evento realizado no dia 26. Uma discussão nas redes sociais teve início com a divulgação da foto que mostrava a mão do ex-presidente acenando para a multidão.

Não foi a primeira vez que Lula recebeu críticas por ser associado ao luxo.

Em 1979, a revista “Manchete” o levou para jantar na boate “Gallery”, a meca dos endinheirados paulistanos, que ficou na moda até o final da década de 1980. Ele havia liderado algumas greves no ABC e tinha obtido projeção nacional na imprensa. Houve surpresa entre os frequentadores e o então líder sindical foi objeto de repreensões. O que ele disse na época? “Eu quero que todo operário ganhe o suficiente para frequentar também o Gallery”.

Diante das reações negativas, Lula nunca mais pisou naquela boate e evitou frequentar locais luxuosos por muito tempo. Fez uma exceção nos anos 1990, quando o jornalista Elio Gaspari o levou para jantar. Gaspari escolheu seu restaurante preferido, o Massimo, hoje extinto. O local, como o Gallery, também tinha um público seleto e preços altos no menu. Desta vez, o frisson não foi o mesmo. “Fui e vi que o pessoal estava pouco ligando para a minha presença”, disse Lula à Folha de S. Paulo.

Os políticos evitam associar seu nome a locais e objetos caros. De um lado, temem perder a conexão com os eleitores mais humildes, que representam a maioria do eleitorado (53 % dos eleitores ganham até dois salários-mínimos). De outro, receiam que eventuais sinais exteriores de riqueza sejam associados à corrupção.

Essa combinação é perigosa, pois pode ser atacada silenciosamente nas redes sociais. É o tipo de coisa que pode atingir Lula? Talvez não. Mas isso mostra que, daqui para frente, todo o movimento do candidato petista será acompanhado pelos opositores com lupa de alta magnificação. Qualquer descuido, neste sentido, pode ser muito explorado pelos apoiadores de Jair Bolsonaro, que está cerca de dez pontos atrás nas pesquisas.

Neste mundo das redes sociais, todo cuidado é pouco. É como diz Warren Buffet: “São necessários 20 anos para construir uma reputação e apenas cinco minutos para destruí-la”. Em política, como no mundo dos negócios, há inúmeros exemplos dessa cepa.