O presente está difícil? A solução talvez esteja no futuro das startups
A pandemia questiona uma das características fundamentais do empreendedor: o otimismo. Mas passada a fase de estupefação, é hora de olhar para o amanhã
Publicado em 15 de junho de 2020 às, 08h49.
Última atualização em 15 de junho de 2020 às, 08h49.
Manter a motivação em meio a uma das maiores crises de liquidez já vistas na história moderna é algo dificílimo. Há empresários que viram seus mercados desaparecerem momentaneamente. Outros enxergaram sua receita diminuir de maneira significativa, apesar de esforços em contrário. Mesmo aqueles que foram pouco afetados não estão na vida mansa – precisam, hoje, se se dedicar integralmente aos seus negócios. Todos, entretanto, carregam uma certeza: passada a fase de surpresa e estupefação, é hora de recolher os cacos e olhar para o amanhã.
Mas como planejar o futuro se a pandemia nos coloca cada vez mais incertezas no caminho? Trata-se de um cenário nebuloso como nunca se enxergou antes. Outro dia, conversando com um executivo da área de saúde ouvi uma pérola de infinita sabedoria: “Se você acha que está entendendo alguma coisa é porque certamente está mal informado”. O jeito é pensar no futuro, mas ter um foco no dia a dia como nunca existiu antes. Na última sexta-feira, falei com José Carlos Semezato, do grupo SMZTO, um dos maiores empreendedores em série do Brasil. Ele desafiou todos seus franqueados a não rever para baixo suas projeções de faturamento para 2020 e se concentrar na condução do cotidiano com unhas e dentes.
A pandemia questiona uma das características fundamentais do empresário e do empreendedor: o otimismo. Ninguém abre um negócio sendo pessimista, mesmo aquele que tenha dois pés no chão e seja extremamente meticuloso em suas avaliações. Empreender é, por definição, ser otimista. Mas, como manter a positividade e a confiança numa situação como a atual?
Estava matutando sobre isso quando recebi um áudio via WhatsApp de meu amigo, Orlando Cintra, hoje à frente do fundo BR Angels, voltado exclusivamente para startups. Entre seus 68 investidores, há várias pessoas queridas, executivos e empresários que conheço há anos: Vittorio Danesi, Euclides Moreno, Popy Tozzi, Marcelo Fernandes, Marcelo Munerato, Claudio Raupp, Felipe Cavalieri, Flavio Batel, Nicolas Toth, Stephanne Kaloudoff, Juarez Zortea e Joseph Levy.
Tive a oportunidade de ir a duas reuniões desse fundo para entender melhor como funcionam os “pitches” das startups – e pude perceber que há várias ideias geniais que se perdem no quesito vendas. Muitos empreendedores acreditam que o mundo digital vai promover uma espécie de geração espontânea de demanda por seus produtos e serviços, sem pensar numa estratégia de marketing ou de aproximação com clientes. São justamente esses que acabam gongados pelos investidores.
Mas o que isso tudo tem a ver com o otimismo no meio da pandemia? Segundo Orlando Cintra, nos último mês, os empresários e executivos que compõem o fundo passaram a se interessar ainda mais pela carteira e começaram a pressionar por novas rodadas de investimento. É como se eles pudessem materializar o futuro através das startups, uma vez que seus negócios têm de andar de acordo com a evolução do quadro provocado pelo coronavírus.
No fundo, é como se o otimismo inerente à atividade empresarial se manifestasse em cada um dos cotistas a partir da carteira de que vai maturar apesar dos grandes desafios que todos enfrentam no presente.
Evidentemente, nem todas as empresas escolhidas neste ou em vários outros fundos vão vingar. Faz parte da lógica destas iniciativas espalhar sementes e esperar que uma delas vire um unicórnio. Uma atitude típica dos otimistas.
Mas o otimismo que os empresários têm no sangue é bem diferente daqueles que se pode enxergar em livros de autoajuda. Não é algo racional, que foi adquirido através de leituras ou de palestras. É uma mistura de teimosia, tenacidade (tenho uma certa birra com a palavra “resiliência”) e esperança, que, combinadas, fazem diminuir dificuldades e colocar foco nos objetivos. Alguns trazem essa combinação desde o nascimento – outros ganham ao longo da vida, seja por opção ou por necessidade.
Num dos livros de Tom Wolfe, o escritor conta a odisseia dos astronautas do programa espacial americano a partir de uma base aérea de Victorville, na Califórnia. A obra, batizada “The Right Stuff” (“A Coisa Certa”, em português), é uma metáfora perfeita para a atividade empresarial. Substitua “piloto de testes” por “empreendedor” e “astronauta” por “empresário” e terá uma parábola perfeita para quem arrisca tudo no afã de obter resultados a partir de esforços inenarráveis.
Em um trecho, Wolfe descreve o que acontecia nas entrevistas dos candidatos a astronauta aos coordenadores do projeto: “O piloto não poderia usar as palavras necessárias para expressar o que aprendera em seu ofício. A vida civil, seu lar, parecia algo tão longínquo e até algo inferior, vários andares abaixo da pirâmide que construíra para fazer a coisa certa” (na tradução brasileira que li nos anos 1980, a tradução de “right stuff” era “a fibra”. Não me parece a versão mais correta e, assim, tomei a liberdade de verter o original de acordo com minhas próprias convicções. Peço, assim, desculpas aos tradutores oficiais da obra de Tom Wolfe).
A descrição do autor de “A Fogueira das Vaidades” mostra exatamente quem é o empreendedor: alguém disposto a sacrificar-se por conta de uma missão, mitigando os riscos e buscando uma realização plena. Algo que só é possível fazer com um simples combustível – o otimismo.