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O perdão de R$ 1 bi às igrejas sob a ótica da Bíblia

Em alinhamento com cristianismo, há inúmeras organizações religiosas nos tempos atuais. Todas se sustentam pela cobrança de dízimos

Jair Bolsonaro: presidente tem evangélicos como pilar de seu governo (Marcos Corrêa/PR/Divulgação)
Jair Bolsonaro: presidente tem evangélicos como pilar de seu governo (Marcos Corrêa/PR/Divulgação)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 9 de setembro de 2020 às, 08h07.

A Bíblia é o livro mais vendido da história – aliás, o primeiro a ser produzido em massa, por Johannes Gutenberg, a partir do ano 1450. Nesta obra, encontram-se os ensinamentos religiosos que guiam a fé de mais de 30 % da população mundial, ou cerca de 2,4 bilhões de pessoas. No Brasil, especificamente, o censo de 2010 aponta 123 milhões de católicos e 60 milhões de protestantes (que ultimamente são mais conhecidos pela alcunha de evangélicos).

Na ponta do lápis, 87% da população nacional tem fé cristã. Mas, entre os que se declaram católicos, o índice de leitura da Bíblia é baixo. Temos no Brasil um conceito que, às vezes, não é entendido no resto do mundo, o do católico não-praticante. Ou seja, aqueles que reconhecem a fé católica, mas não frequentam as igrejas e, aqui e ali, dão suas voltinhas por outras religiões, numa manifestação de sincretismo, outro comportamento que os estrangeiros têm grande dificuldade em compreender.

A Bíblia proporciona aos leitores inúmeras situações que se remetem ao dia a dia das pessoas. Há histórias de adultério, provação, guerra, disputa familiar, bondade, sabedoria, intolerância, infidelidade religiosa e vários outros temas.

Há também alguns versículos que falam sobre dívidas.

E qual a ligação entre débitos financeiros e a religião? Nesta semana, no Brasil, existe uma conexão direta: há um projeto de lei que pretende anistiar R$ 1 bilhão em dívidas e multas tributárias das organizações religiosas. Já aprovado pelo Congresso, esta lei ainda precisa ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, que conta e sempre contou com forte apoio da bancada evangélica. É por esta razão que a proposta dificilmente será vetada pelo presidente. Ou seja, estamos falando de favas contadas – essas igrejas terão mesmo seus débitos perdoados.

Anteontem, ao discursar em rede nacional de televisão para comemorar o Dia da Independência, Bolsonaro disse: “Somos uma Nação temente a Deus, que respeita a família e que ama a sua Pátria”.

Fé, como professou o presidente, é uma coisa. Já a instituição social chamada igreja é outra. Em alinhamento com cristianismo, há inúmeras organizações religiosas nos tempos atuais. Todas se sustentam pela cobrança de dízimos, algo que também está registrado na Bíblia, em várias passagens nos dois testamentos. O tema surge pela primeira vez em Levíticos, 27:30: “Também todos os dízimos da terra, tanto dos cereais do campo como dos frutos das árvores, são do Senhor”.

Em relação às dívidas propriamente ditas, a primeira menção que aparece na obra sagrada está no segundo livro de Reis (2Reis 4:1). Uma viúva, em dificuldades financeiras, pediu orientação ao profeta Eliseu, pois não tinha dinheiro para pagar suas contas e temia que os credores fossem tomar os dois filhos como escravos (uma prática comum à época) para resgatar o débito. Essa mulher não teria nada de valor em casa, a não ser um vaso de azeite. Eliseu, então, disse à viúva que pegasse emprestadas vasilhas para acondicionar o óleo de oliva que brotaria, por milagre, daquele único vaso. E assim aconteceu. O profeta, então, avisou: “Vá, venda o azeite e pague sua dívida”.

Em outra passagem, Mateus 6:12, já no Novo Testamento, há outra menção a este tema, quando é apresentada a oração que conhecemos por “Pai Nosso”, na que os clérigos chamam de quinta petição: “E perdoai nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores”. Inúmeros teólogos afirmam que a oração de Jesus Cristo nada tinha a ver com questões financeiras, mas sim com pecados. É por isso que, no dito popular, as pessoas geralmente rezam de outra forma: “E perdoai nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tenha ofendido”.

No Novo testamento, Jesus Cristo não questiona o pagamento de tributos ao Império Romano, que dominava Israel naquele momento histórico. Em Mateus 22:21, Jesus é testado por hipócritas que o questionam se é lícito pagar impostos ao imperador de Roma. Cristo, então, pede que lhe mostrem a moeda através da qual os tributos são pagos. Os interlocutores apresentam um denário. Jesus, em seguida, pergunta quem é a efígie e a inscrição no metal. A resposta: de César.
Jesus, então, vaticina: “Dai a César o que é de César; a Deus o que é de Deus”. Ou seja, no que depender do livro sagrado, impostos precisam ser pagos por todos – e nisso se inclui até pastores, bispos e missionários.