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Centro: uma falácia ideológica

Políticos não podem estar na mediana ideológica. Ou são moderados de direita ou de esquerda. Mas, neutros? Impossível

Câmara: partidos que se denominam de centro criaram bloco poderoso nos últimos anos (Marcos Oliveira/Agência Senado)
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felipegiacomelli

Publicado em 27 de julho de 2020 às 08h29.

Última atualização em 27 de julho de 2020 às 10h20.

Quando perguntamos aos políticos qual a sua orientação ideológica, a palavra “ centro ” aparece com frequência. Muitos se dizem centristas de linhagem pura. Outros, de orientação centro-esquerdista. E, por fim, há os de centro-direita. Poucos dizem, de peito cheio, “sou de direita” ou “sou de esquerda”. Para piorar a salada de doutrinas políticas, nos dias de hoje é difícil chegar a definições ideológicas acuradas. Afinal, pode-se encontrar pessoas liberais na economia, uma característica de direita, que defendem o aborto e o uso de drogas (bandeiras tradicionais da esquerda). Também encontramos eleitores da comunidade LGTBQI+, geralmente abrigados em hostes esquerdistas, que votaram em Jair Bolsonaro (uma candidatura identificada com o voto direitista).

Diante dessas contradições, talvez o melhor seja buscar uma definição mais simplista de ideologia, com base na economia: se alguém defende mais impostos, programas sociais ambiciosos, interferência do Estado e maior controle sobre a iniciativa privada, pode ser considerado de esquerda. Se outra pessoa, porém, acreditar em menos impostos, distribuição de renda provocada pela prosperidade, menor ingerência no Estado e controle diminuto sobre as empresas, ela é de direita.

Quando usamos esta explicação, dizer-se de Centro perde o sentido. É como uma mulher afirmar que está mais ou menos grávida. Neste caso, ou está ou não está, pois não se pode defender a presença do Estado na economia e atacá-la ao mesmo tempo. Portanto, políticos não podem estar na mediana ideológica. Ou são moderados de direita ou de esquerda. Mas, neutros? Impossível.

O truque de ser dizer centrista, muitas vezes, vem da vergonha em se assumir de esquerda ou de direita. A solução é, assim, é mirar o centro. Em outros casos, porém, a razão para esse comportamento é o mais puro oportunismo – uma forma de não se comprometer com algum tipo de ideologia, usar uma linguagem dúbia e arrecadar votos em todo o espectro político de eleitores. Isso ocorre com frequência entre deputados e senadores.

Entende-se por que o conceito floresce no Brasil. Há políticos – ou aspirantes – que misturam tantas ideias que acabam criando vertentes ideológicas. É o caso, por exemplo, do apresentador Luciano Huck, despontando com um discurso populista que propõe a maior taxação dos brasileiros mais ricos, como se pode verificar em um artigo escrito por ele no site do World Economic Forum. Esta plataforma política, confrontada com uma estampa de moço bem nascido e um gordo contracheque assinado pela TV Globo, faz de Huck um legítimo representante do Esquerdismo de Direita no Brasil. Ou, como bem diz o cientista político Murillo de Aragão para definir certo político da velha guarda (nada a ver com Huck), “é um software de esquerda rodando em hardware de direita”.

Num passado recente, Antônio Delfim Netto, talvez o maior símbolo do Milagre Brasileiro durante o regime militar, definiu-se politicamente como centrista. O mesmo fez Gilberto Kassab quando anunciou a criação se seu partido, o PSD. Delfim e Kassab no Centro? A-hã. Fico imaginando por que esse pessoal não se define como de direita moderada – ou de direita logo de uma vez...

Essas baboseiras gerariam debates intermináveis em países europeus, nos quais a ideologia é levada a sério e discutida até em botecos. Imagine, por exemplo, o ex-presidente da França, Valery Giscard d’Estaing, um dos ícones da direita francesa, se dizer de centro (curiosamente, Giscard foi ministro das Finanças, sob a presidência de Georges Pompidou, na mesma época em que Delfim era o czar da economia brasileira). Seria uma desmoralização sem precedentes.

No Brasil, no entanto, vota-se em pessoas – e não em propostas ideológicas ou partidos que as patrocinam. Nos últimos anos, ganhou os pleitos presidenciais quem tinha uma proposta muito clara do que queria fazer com o país. Nenhum eleito chegou lá pregando o centrismo e a ponderação. Pelo contrário. Nas últimas eleições, quem fez isso teve resultados vexaminosos – e as recentes pesquisas mostram que o carimbo de centrista têm tanto apelo quanto oferecer um copo de água morna para matar a sede. Do ponto de vista racional, o fluido tem duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio e pode hidratar quem bebê-lo. Mas não é convidativo quando comparado a um copo de água gelada ou uma xícara de chá quente.

Este é o problema do Centro: por ser artificial, fica no meio do caminho e não oferece nenhum grande atrativo aos eleitores que buscam alternativas para cargos majoritários. Para ficar bem com todos, os centristas não assumem posições contundentes e vão, aos poucos, esvaziando o discurso. Os eleitores, no entanto, mostraram nas últimas décadas, que desejam o contrário: propostas de direita ou esquerda, moderadas ou não. Mas algo palpável e fácil de entender, ao contrário das palavras de quem está sempre em cima do muro.

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Quando perguntamos aos políticos qual a sua orientação ideológica, a palavra “ centro ” aparece com frequência. Muitos se dizem centristas de linhagem pura. Outros, de orientação centro-esquerdista. E, por fim, há os de centro-direita. Poucos dizem, de peito cheio, “sou de direita” ou “sou de esquerda”. Para piorar a salada de doutrinas políticas, nos dias de hoje é difícil chegar a definições ideológicas acuradas. Afinal, pode-se encontrar pessoas liberais na economia, uma característica de direita, que defendem o aborto e o uso de drogas (bandeiras tradicionais da esquerda). Também encontramos eleitores da comunidade LGTBQI+, geralmente abrigados em hostes esquerdistas, que votaram em Jair Bolsonaro (uma candidatura identificada com o voto direitista).

Diante dessas contradições, talvez o melhor seja buscar uma definição mais simplista de ideologia, com base na economia: se alguém defende mais impostos, programas sociais ambiciosos, interferência do Estado e maior controle sobre a iniciativa privada, pode ser considerado de esquerda. Se outra pessoa, porém, acreditar em menos impostos, distribuição de renda provocada pela prosperidade, menor ingerência no Estado e controle diminuto sobre as empresas, ela é de direita.

Quando usamos esta explicação, dizer-se de Centro perde o sentido. É como uma mulher afirmar que está mais ou menos grávida. Neste caso, ou está ou não está, pois não se pode defender a presença do Estado na economia e atacá-la ao mesmo tempo. Portanto, políticos não podem estar na mediana ideológica. Ou são moderados de direita ou de esquerda. Mas, neutros? Impossível.

O truque de ser dizer centrista, muitas vezes, vem da vergonha em se assumir de esquerda ou de direita. A solução é, assim, é mirar o centro. Em outros casos, porém, a razão para esse comportamento é o mais puro oportunismo – uma forma de não se comprometer com algum tipo de ideologia, usar uma linguagem dúbia e arrecadar votos em todo o espectro político de eleitores. Isso ocorre com frequência entre deputados e senadores.

Entende-se por que o conceito floresce no Brasil. Há políticos – ou aspirantes – que misturam tantas ideias que acabam criando vertentes ideológicas. É o caso, por exemplo, do apresentador Luciano Huck, despontando com um discurso populista que propõe a maior taxação dos brasileiros mais ricos, como se pode verificar em um artigo escrito por ele no site do World Economic Forum. Esta plataforma política, confrontada com uma estampa de moço bem nascido e um gordo contracheque assinado pela TV Globo, faz de Huck um legítimo representante do Esquerdismo de Direita no Brasil. Ou, como bem diz o cientista político Murillo de Aragão para definir certo político da velha guarda (nada a ver com Huck), “é um software de esquerda rodando em hardware de direita”.

Num passado recente, Antônio Delfim Netto, talvez o maior símbolo do Milagre Brasileiro durante o regime militar, definiu-se politicamente como centrista. O mesmo fez Gilberto Kassab quando anunciou a criação se seu partido, o PSD. Delfim e Kassab no Centro? A-hã. Fico imaginando por que esse pessoal não se define como de direita moderada – ou de direita logo de uma vez...

Essas baboseiras gerariam debates intermináveis em países europeus, nos quais a ideologia é levada a sério e discutida até em botecos. Imagine, por exemplo, o ex-presidente da França, Valery Giscard d’Estaing, um dos ícones da direita francesa, se dizer de centro (curiosamente, Giscard foi ministro das Finanças, sob a presidência de Georges Pompidou, na mesma época em que Delfim era o czar da economia brasileira). Seria uma desmoralização sem precedentes.

No Brasil, no entanto, vota-se em pessoas – e não em propostas ideológicas ou partidos que as patrocinam. Nos últimos anos, ganhou os pleitos presidenciais quem tinha uma proposta muito clara do que queria fazer com o país. Nenhum eleito chegou lá pregando o centrismo e a ponderação. Pelo contrário. Nas últimas eleições, quem fez isso teve resultados vexaminosos – e as recentes pesquisas mostram que o carimbo de centrista têm tanto apelo quanto oferecer um copo de água morna para matar a sede. Do ponto de vista racional, o fluido tem duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio e pode hidratar quem bebê-lo. Mas não é convidativo quando comparado a um copo de água gelada ou uma xícara de chá quente.

Este é o problema do Centro: por ser artificial, fica no meio do caminho e não oferece nenhum grande atrativo aos eleitores que buscam alternativas para cargos majoritários. Para ficar bem com todos, os centristas não assumem posições contundentes e vão, aos poucos, esvaziando o discurso. Os eleitores, no entanto, mostraram nas últimas décadas, que desejam o contrário: propostas de direita ou esquerda, moderadas ou não. Mas algo palpável e fácil de entender, ao contrário das palavras de quem está sempre em cima do muro.

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