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Política economica é sempre primeiro política, depois econômica. Sempre.

Governo atual, do ponto de vista político, tem toda a tentação para apostar num gradualismo momentâneo.

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Mario Rosa

Publicado em 29 de setembro de 2020 às, 12h01.

Última atualização em 29 de setembro de 2020 às, 12h02.

Ontem, o mundo acabou mais uma vez no mercado e no noticiário. E mais uma vez, em algum momento, o mundo voltará e a histeria se dissipará. O Brasil nunca acabou, mas as histerias sempre passaram.

O gatilho para a síndrome do pânico, desta vez, foi o anúncio do governo de que iria criar mecanismos contábéis, digamos, de seu ferramental criativo para bancar o “Renda Cidadã”. O mercado surtou, a imprensa idem, mas a questão objetiva a precificar é: existe alternativa melhor - é viável - do ponto de vista polícia e econonico ao que o que está aí?

Vamos começar pelo fim, avaliando questões específicas, porque seu tempo é precioso demais. O resto você lê só se quiser arrotar por aí frases de efeito. Temas concretos:

CPMF/desoneração: a tentação de obter novas formas de arrecadação é pantagruélica. Historicamente. O governo, agora vitaminado no Congresso, joga com as brancas nesse caso.

Reforma administrativa: música de consultório. Serve para afastar o tédio, mas mexer com o vespeiro do funcionalismo antes das eleições? Menos né? O importante é a sinalização: o tema está na pauta.

Pauta da Câmara: o presidente Rodrigo Maia é o piloto. Manda na cabine. Mas as turbinas, os flaps, o radar, a as asas, o trem de pouso são os líderes. Ou seja, quando o governo atrai o Centrao, o comando do avião não está mais na mao só do piloto, embora ele continue atado na cadeira;

Venda de estatais, como a Eletrobras: toda vez que tiver uma dúvida, lembre deste bordão - “é a eleição (ou reeleição), estupido!”. Ou seja, nada demais fazer algo daqui a um ano, em nome da única coisa que importa: permanecer no poder.

E os parlamentares? A grande maioria? Preferem ser apoiadores de um governo forte. Por que? Porque já estão eleitos e isso evita as chances de renovações. Ou seja, o continuísmo lá significa o continuísmo ca. A adesismo não é falta de princípios. É lógica política de quem é incumbente.

Pronto. Daqui em diante só se quiser ver a moldura. E a moldura é: o poder!

A dúvida que atormenta os conservadores e investidores: diante da pandemia e sobretudo no pos-pandemia, o governo deveria ter mantido sua ortodoxia liberal? Teria sido melhor?

A resposta está na própria expressão “política econômica”. É política, antes de ser econômica, neste ou em qualquer governo. Sarney não fez uma “pedalada inflacionária” com o congelamento de preços, chamado Plano Cruzado, que acabou depois do pleito, mas garantiu a eleição de governadores e de uma Constituinte razoavelmente não radical? Fernando Henrique não fez uma “pedalada monetária” com a paridade cambial que acabou depois de sua reeleição em 1998? No segundo governo, não veio Arminio Fraga, a lei de responsabilidade fiscal? Ou seja, populismos para permanecer no poder não são novidade e, necessariamente, não são o Armagedom.

O que teria sido a Constituinte sem o congelamento do Cruzado? Uma assembleia de esquerda às vésperas da queda do Muro de Berlin. A Lei de Responsabilidade Fiscal consolidou ou não a estabilidade fiscal e inflacionária? Pois é...mas para isso foi preciso o poder, sempre o poder.

Como isso estou justificando o vale tudo, o estelionato eleitoral, a irresponsabilidade? Eu não justifico nada. Apenas lembro o que já aconteceu, como ácaro de Palácio.

Alguém acha que o governo de hoje não fará de tudo para consumar uma “pedalada assistencial” para estar competitivo em 2022?

A questão então é: o Bolsonaro “pai dos pobres” é pior que o “liberal”? Em tese, o liberal poderia ser até melhor, mas teria de se contentar, na prática, em passar a faixa para seu sucessor. O cálculo que importa em Brasília sempre foi o político e nunca o puramente econômico. Aliás, a própria cidade é uma prova viva disso: foi um cálculo político de JK, que exauriu as contas nacionais da época.

Deixando a histeria de lado, um governo liberal que faça concessões de sua ortodoxia para permanecer no poder pode, paralelamente e num segundo eventual mandato, fazer avancar diversas agendas modernizadoras. A matemática da política é que com o tempo tudo se ajusta. E toda vez que os políticos andam de um lado para o outro daquele absurdo financeiro e fiscal chamado Brasília - que os histéricos diziam que ia acabar com o Brasil - bom, aí mesmo é que essa certeza de que o tempo resolve tudo fica mais forte. Não julgo essa forma de pensar. Apenas a descrevo.

O governo atual, do ponto de vista político, tem toda a tentação para apostar num gradualismo momentâneo. Tático. Ainda mais com uma base parlamentar mais sólida - e sem nenhum escândalo de corrupção até agora (fato inédito, frise-se). A gincana do fim do mundo sempre assolou todos os governos mesmo, não é?

O que importa avaliar é: existe no horizonte do palpável uma alternativa realista possivel? Enquanto não houver, a resposta está dada.