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Você torce pelo governo Bolsonaro?

Espero que o mal anunciado a indígenas não siga adiante, e que a reforma da previdência tenha sucesso. Afinal, torço contra ou a favor do governo Bolsonaro?

Jair Bolsonaro: quem acredita na existência de um imperativo moral em se torcer pelo governo torceu igualmente pelos governos Dilma, Temer e Bolsonaro? Provavelmente não. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Jair Bolsonaro: quem acredita na existência de um imperativo moral em se torcer pelo governo torceu igualmente pelos governos Dilma, Temer e Bolsonaro? Provavelmente não. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 10 de janeiro de 2019 às, 09h37.

Torcer é um ato da vontade, um resquício de superstição inevitável em todos nós. É um desejo de que algo dê certo sem que tenhamos nenhum meio de influenciar o resultado (ou depois desses meios já terem sido esgotados). Por alguns momentos, acreditamos numa conexão direta entre o bom desejo que existe dentro de nossa mente e o evento lá no mundo exterior.

As mil variantes do esoterismo e da magia insistem que essa conexão existe, mas até hoje nossa investigação racional não descobriu nenhum caso em que nossa boa vontade em estado puro altere o mundo à nossa volta. Nem o jogo de futebol, nem o desempenho do governo. Ainda presos à superstição, ficamos irritados com quem não participa da nossa torcida, ou torce em direção contrária. É como se ele estivesse atrapalhando aquilo que queremos.

Dito isso, esse lado supersticioso de nossa mente é inseparável de quem somos. Torcemos para passar na prova já feita, no processo seletivo já concluído; torcemos para que faça sol no feriado, para que não chova na festa. E torcemos pelo sucesso de tudo aquilo que é próximo de nosso coração: uma pessoa, um time, um governo.

Torcer por um governo é torcer para que ele tenha sucesso. Mas o que é o sucesso de um governo? Alguns dirão que é o sucesso do país. Mas as duas coisas nem sempre andam juntas. O primeiro governo Dilma, por exemplo, foi bem sucedido: gozava de popularidade e conseguiu se reeleger. Ao mesmo tempo, lançou o país em uma grave crise econômica que perdura de 2014 até hoje. Ou seja, o governo foi um sucesso, mas, com ele, o país fracassou.

Há que se considerar também que há muitas ideias diferentes sobre o que seria o sucesso do país. O atual governo Bolsonaro, por exemplo, parece considerar que o avanço irrestrito do agronegócio sobre comunidades indígenas e o meio-ambiente é algo bom e tem agido de maneiras consistentes com esse ideal (submetendo a FUNAI ao Ministério da Agricultura, colocando um ministro do meio-ambiente alinhado à agenda ruralista). Ele também tem apostado na reforma da previdência, peça chave para ajustar as contas públicas, e está focando esforços nela, mirando um Estado cujo orçamento caiba no bolso do contribuinte.

Quem partilha desses pontos de vista, torce para que essas medidas tenha sucesso; isto é, atinjam o objetivo almejado. Para quem discorda desses ideais, a opção é torcer pelo fracasso delas. No meu caso, espero que o mal anunciado para comunidades indígenas não siga adiante, e que a reforma da previdência tenha sucesso. Afinal, torço contra ou a favor do governo Bolsonaro?

Como brasileiro, torço pelo Brasil. Sendo assim, qualquer torcida pelo novo governo é condicional: na medida em que agir de jeitos que promovam o bem do país, tem a nossa torcida a favor. Na medida em que agir de maneiras desastradas ou com a intenção ruim, merece torcida contra. Na medida em que acreditamos que o governo, como um todo, no saldo geral, visa mais coisas boas do que ruins, torcemos por ele. Caso contrário, torcemos contra.

Afinal, existe algum tipo de imperativo moral em se torcer pelo governo? Quem acredita nisso, torceu igualmente pelo governo Dilma, pelo governo Temer e pelo governo Bolsonaro? Provavelmente não. Nossa torcida por esse ou aquele governo não revela nenhum tipo de amor pelo país, e sim a simpatia que temos por um certo grupo político. Não há virtude nenhuma nisso. Primeiro porque torcer não muda a realidade. Segundo, e mais importante, porque nenhum grupo político se confunde com o Brasil.