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Redes sociais, celulares e uma geração de ansiosos

Em novo livro, Jonathan Haidt atribui a epidemia de saúde mental aos dispositivos móveis

Vício em celular: em novo livro, Jonathan Haidt atribui a epidemia de saúde mental aos dispositivos móveis (Frazao Studio Latino/Getty Images)
Vício em celular: em novo livro, Jonathan Haidt atribui a epidemia de saúde mental aos dispositivos móveis (Frazao Studio Latino/Getty Images)

“Hoje em dia, porém, consideramos que estamos ocupados demais para esse tipo de correspondência à moda antiga. Disparamos uma enxurrada de recados rápidos e curtos, em vez de nos sentar para ter uma boa conversa em um pedaço de papel.” A frase poderia ter sido escrita hoje, como uma crítica às mensagens supérfluas das redes sociais. Mas foi escrita em 1871, em um ensaio na The Sunday Magazine lamentando a decadência da comunicação por cartas, que perdia espaço na época para recados menos extensos.

Lamentos como esse, atribuindo mazelas sociais a novas tecnologias, são comuns na história humana. Das críticas de Sócrates à escrita relatadas em Fedro aos ataques dos ludistas às máquinas na Revolução Industrial, nosso passado é recheado de reações céticas ou combativas a qualquer tecnologia que pareça perturbar a ordem natural das coisas – uma lista que fica cada vez maior conforme envelhecemos. Igualmente, relatos de como essas inovações estariam estragando as mentes das novas gerações também remontam à antiguidade. 

Por isso, devemos encarar com desconfiança qualquer discurso alarmista que tente apontar a relação de uma nova tecnologia com os problemas sociais recorrentes entre os jovens, como faz o psicólogo social Jonathan Haidt em seu novo livro A Geração Ansiosa: Como a Infância Hiperconectada Está Causando uma Epidemia de Transtornos Mentais. A tese central é de que o aumento do uso de celulares e redes sociais explicaria a explosão que muitos países têm visto nos índices de ansiedade e depressão, sobretudo entre meninas adolescentes. Seria esse mais um caso de uma pessoa de uma geração mais velha culpando a tecnologia moderna por problemas sociais que sempre existiram?

Ao mesmo tempo, como um dos membros mais velhos da tal geração ansiosa – a Geração Z –, não preciso olhar muito longe para ver os fenômenos que ele descreve: amigos tomados pela ansiedade em suas vidas pessoais e profissionais, ou com episódios depressivos mais graves de tempos em tempos. A insatisfação geral com o celular também é clara, com a prática de apagar o aplicativo do Instagram para evitar o vício se tornando cada vez mais comum. Como saber se a relação entre as duas coisas é real, ou apenas mais um caso de “juvenóia”, o medo ou hostilidade que uma geração demonstra diante de outra mais nova?

Jonathan Haidt se preocupa primeiro em demonstrar quão preocupante é a situação. Para se ter uma ideia, a porcentagem de meninas entre 12 e 17 anos diagnosticadas com depressão nos Estados Unidos mais que dobrou desde 2010, saindo do patamar estável de cerca de 13% para quase 30% em anos recentes. Entre meninos, a incidência de depressão é historicamente menor, mas apresentou um crescimento ainda maior, de 161%. Para mostrar que não é apenas efeito da tendência de diagnosticar mais essas condições, o psicólogo cita o aumento de 188% nas entradas em pronto-socorros por automutilação entre meninas desde 2010, além de um aumento de 167% no índice de suicídios. E a epidemia não se restringe apenas aos Estados Unidos: números do Reino Unido, da Austrália e dos países nórdicos também confirmam a tendência de um aumento explosivo de problemas de saúde mental entre jovens, pelo menos no mundo desenvolvido.

Ainda assim, o verdadeiro desafio mora em associar essa epidemia de saúde mental ao uso de celulares. É verdade que a janela de tempo em que o crescimento ocorreu coincide perfeitamente com a adoção em massa de redes sociais e celulares, mas isso não significa que a relação seja causal. Muitas outras coisas aconteceram no mundo nesse mesmo período, e é difícil avaliar o que causou o quê.

Essa é, aliás, a principal crítica que A Geração Ansiosa tem recebido: de que o vínculo que Haidt tenta estabelecer entre os celulares e os distúrbios psicológicos seria apenas correlacional e não causal, como argumentou a professora de psicologia Candice L. Odgers em sua resenha do livro para a Nature. A pesquisadora aponta outros fatores como as verdadeiras causas da crise de saúde mental, entre eles os desafios políticos e econômicos que o mundo enfrenta.

O problema, como Haidt demonstra no livro e em uma resposta que publicou à Odgers em seu blog, é que essas hipóteses alternativas não conseguem explicar a evolução das estatísticas de saúde mental. Por exemplo, não explica por que em momentos em que o mundo enfrentou turbulências socioeconômicas ainda mais graves dos que as que enfrenta hoje não teríamos visto um aumento equivalente nos transtornos mentais. Tampouco explica por que os efeitos teriam ocorrido ao mesmo tempo em diversos países diferentes, com seus contextos sociais e momentos políticos diversos, antes da pandemia do coronavírus. Hipóteses que tentam apontar a Crise de 2008, dificuldades econômicas ou o racismo como as causas do problema são incapazes de explicar os dados.

Mas não é suficiente que o psicólogo refute hipóteses alternativas, embora essa seja boa parte do caminho. Como mostrar que a relação entre as redes sociais e a ansiedade e a depressão é uma de causa e efeito, e não apenas uma coincidência dos nossos tempos?

Enquanto na medicina é possível fazer experimentos, submetendo um grupo de pessoas a um tratamento e observando os efeitos, problemas sociais complexos e duradouros tornam a experimentação muito mais difícil. Por limitações práticas e éticas, é inviável proibir o uso de redes sociais para um grupo de adolescentes por anos e depois medir como isso afeta a incidência de depressão e ansiedade no grupo. E é por isso que a maioria dos estudos que Haidt cita são correlacionais, mostrando, por exemplo, como jovens que usam mais o celular têm um índice maior de problemas de saúde mental.

Não satisfeito, o psicólogo escreveu com colegas uma revisão dos estudos sobre o tema, produzindo um documento aberto na internet para quem quisesse criticar ou sugerir mudanças. Alguns desses estudos usam técnicas elegantes para tentar inferir causalidade. Um estudo publicado na American Economic Review em 2022, por exemplo, se aproveitou do fato de que o Facebook expandiu sua atuação aos poucos entre as faculdades americanas para entender qual era o efeito da chegada da rede social nos campi universitários. Os pesquisadores observaram que a adoção do Facebook piorou a saúde mental entre os estudantes, além de aumentar as chances de um aluno ter um pior desempenho acadêmico decorrente de problemas emocionais. Em outro estudo, publicado em 2023, economistas demonstraram que a expansão da rede de fibra ótica na Espanha afetou a saúde mental nos municípios contemplados. O estudo observou que quando uma população passava a ter acesso a internet de alta velocidade os diagnósticos de distúrbios emocionais e comportamentais entre meninas aumentavam, e a relação entre pais e filhas se deteriorava.

Mais do que isso, o pesquisador aponta que a maioria dos estudos experimentais subestima os efeitos por analisar adolescentes individualmente. Quando uma única pessoa deixa de usar as redes sociais mas todos os seus amigos continuam, os benefícios são menores do que quando escolas ou comunidades inteiras reduzem seu uso de dispositivos móveis, criando oportunidades maiores para socialização.

Haidt reconhece que a evidência não é tão decisiva. Para quem já leu livros anteriores dele (como o excelente The Righteous Mind), é nítido o foco menor em discutir os estudos que baseiam as conclusões, o que pode decepcionar quem espera uma leitura mais científica. O livro é muito mais um manifesto e um guia para pais, escolas e governos que queiram diminuir a exposição de crianças e adolescentes a redes sociais. Mas o pesquisador tem uma motivação clara para essa abordagem: os custos sociais em que incorreremos se formos céticos demais. Caso a hipótese de Haidt esteja errada e nós adotemos o que ele propõe, teremos reduzido o uso de celulares de uma geração, abrindo mão dos ganhos de estarem conectados o tempo todo, o que não parece ser um grande custo. Por outro lado, se Haidt estiver certo e ignorarmos seu apelo, estaremos condenando mais uma geração de crianças a uma epidemia de saúde mental.

O livro aponta ainda diversos mecanismos de ação por trás da relação. Entre meninas, por exemplo, a comparação promovida pelas redes sociais reduz a satisfação com a própria vida e, principalmente, com a própria aparência. Já entre meninos, a exposição muito cedo à pornografia e a gratificação instantânea dos jogos online reduz a motivação no mundo real. Problemas de falta de sono e falta de concentração causados pelas distrações constantes afetam ambos os gêneros e são fatores determinantes da saúde mental. Mesmo que ainda estejamos desconfiados de alguns estudos correlacionais, grande parte do que sabemos sobre o funcionamento do cérebro joga a favor da tese central do livro. Enquanto o desenvolvimento do córtex pré-frontal, essencial para o controle emocional e comportamental, é diretamente impactado por uma adolescência hiperconectada, o sistema dopaminérgico, que controla a motivação e busca por recompensas, é perturbado por aplicativos viciantes, reduzindo a força de vontade para outras tarefas. 

Outras críticas ao livro o acusam de se promover apelando ao medo e às inseguranças naturais de pais na criação de filhos. No entanto, o livro passa quase tanto tempo incentivando pais a terem menos medo no mundo real quanto ele passa discorrendo sobre os riscos do mundo virtual. Haidt argumenta que enquanto pais foram pouco restritivos em relação a dispositivos móveis, uma cultura de hipervigilância e superproteção na criação dos filhos privou a geração ansiosa dos aprendizados necessários para o desenvolvimento. A história do que ele chama de "a grande reprogramação da infância" não é apenas uma história da ascensão das redes sociais, mas também do declínio da socialização e das interações humanas.

O psicólogo encoraja os pais a aumentarem a responsabilidade de seus filhos mais cedo, concedendo autonomia para fazerem tarefas em casa ou interagirem com seus amigos sem supervisão adulta. Os perigos da vida urbana assustaram muitos pais a manterem seus filhos dentro de carros e casas, o que só favoreceu a adoção de dispositivos móveis como meio de socialização. Pais que cresceram andando sozinhos na rua e brincando com amigos hoje tentam evitar que seus filhos passem qualquer incômodo em suas interações sociais, assustados pelo crime, o bullying ou mesmo machucados físicos.

O livro descreve essa como a receita perfeita para problemas emocionais futuros. Privados dos espaços e oportunidades para desenvolver as capacidades socioemocionais necessárias para a vida adulta e largados em ambientes virtuais, a geração ansiosa cresceu sem marcos da transição da infância para a adolescência. A internet, conforme descreve Haidt, é pautada por relações assíncronas e efêmeras, que não exigem o trabalho mais árduo de diálogo e empatia, além de expor crianças a conteúdos adultos muito mais cedo do que ocorreria no mundo real. O psicólogo convida os pais a serem mais corajosos, incentivando que crianças façam atividades sozinhas ou com amigos, além de ser um grande apoiador de brincadeiras arriscadas e sem supervisão.

Os apelos fazem eco ao livro anterior de Haidt, The Coddling of the American Mind, que explora como crenças prevalentes entre universitários americanos, como tentar se proteger a todo custo de ofensas, um foco excessivo nos próprios sentimentos e uma visão de mundo de bem contra o mal, têm aumentado os problemas de saúde mental e criado uma geração despreparada para lidar com desavenças na vida adulta. Nesse sentido, Haidt está longe de ser o alarmista que tem sido acusado de ser. Ele defende que os jovens tenham uma abordagem mais exploradora para a vida, saindo do "modo de defesa" que muitos estão hoje.

Com o objetivo de fornecer um caminho prático para pais, educadores e governantes que queiram mudar essa realidade, Haidt fornece uma série de recursos de como reduzir o uso de dispositivos móveis, desde políticas públicas que alteram as exigências impostas às empresas de tecnologia até recomendações práticas de como pais podem agir com seus filhos, além de diretrizes objetivas quanto às idades adequadas para cada tipo de atividade. Ele propõe, por exemplo, que escolas tranquem os celulares dos alunos durante todo o horário escolar, e que a idade mínima para registro em redes sociais seja de 16 anos, oferecendo um plano de como monitorar isso. Ele ainda traz sugestões de como dar mais autonomia aos filhos, incentivando o desenvolvimento das competências necessárias para que eles floresçam.

Terminei o livro muito menos cético do que havia começado. Se por um lado já estava convencido da prevalência do problema ao ver a incidência de ansiedade e depressão entre amigos e conhecidos, por outro desconfiava da rapidez que tendemos a culpar a tecnologia. Ainda assim, Haidt faz uma argumentação elegante do problema, fundamentada com dados alarmantes, que torna difícil olhar para o lado. Se você é pai ou educador, a leitura é essencial para entender como podemos lidar com a epidemia de saúde mental que temos à nossa frente. E se você é, como eu, um membro da geração ansiosa, aproveite a oportunidade para considerar que mesmo que você continue achando que seus pais estão errados sobre quase tudo, talvez eles tenham um pouco de razão naquele papo de que a culpa dos seus problemas é do seu celular.