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Prosperidade sustentável e coesão social só se alcançam com crescimento econômico e liberdade

Instituto Millenium entrevista Ian Vasquez, que aborda os desafios e oportunidades enfrentados pela América Latina

Ian Vasquez: prosperidade sustentável e coesão social só se alcançam com crescimento econômico e liberdade (Divulgação)
Ian Vasquez: prosperidade sustentável e coesão social só se alcançam com crescimento econômico e liberdade (Divulgação)

Na complexa e frequentemente instável paisagem política da América Latina, Ian Vasquez, Vice-presidente de Estudos Internacionais e Diretor do Centro para a Liberdade e Prosperidade Global do Instituto Cato, oferece perspectivas esclarecedoras sobre a interseção crucial entre crescimento econômico, conflito social e liberalismo político. Sua vasta experiência, que inclui a coautoria do Índice de Liberdade Humana e contribuições como colunista para o El Comercio, no Peru, sublinha seu profundo entendimento das dinâmicas socioeconômicas complexas da região. 

Nesta entrevista exclusiva com o Instituto Millenium, Vásquez aborda os desafios e oportunidades enfrentados pela América Latina. Ele discute o papel do crescimento econômico na redução da pobreza e dos conflitos sociais, enfatizando a importância de políticas sustentáveis e de longo prazo em vez de booms econômicos de curta duração. Vásquez ressalta a necessidade do liberalismo clássico de não apenas defender um governo limitado e mercados livres, mas também de ser um campeão dos fundamentos morais de uma sociedade livre, incluindo tolerância e respeito pelas escolhas individuais de vida. 

Instituto Millenium: Considerando a atual turbulência política e as frequentes mudanças de poder na América Latina, como você vê a relação entre estagnação econômica e aumento de conflitos sociais? Será que uma agenda focada em crescimento e competitividade poderia promover a coesão social na região? 

Ian Vasquez: Certamente, o crescimento econômico se apresenta como a única via para melhorar continuamente o bem-estar material dos latino-americanos. Ele tem uma ligação direta com a diminuição da pobreza e avanços em diversos indicadores de desenvolvimento humano, incluindo longevidade e acesso à água potável. Além disso, o crescimento econômico frequentemente conduz à redução dos conflitos sociais, visto que atende às necessidades básicas das pessoas. Contudo, um desafio persistente na América Latina é o padrão de crescimento marcado por ciclos de expansão e recessão. Tal crescimento não é sustentável a longo prazo, pois não se fundamenta em políticas e instituições capazes de gerar riqueza de forma contínua, diferentemente daquelas que inibem o crescimento mas permanecem em voga quando os preços das commodities estão elevados. Para um crescimento verdadeiramente autossustentável, a região necessita fomentar políticas que gerem riqueza, ampliem a liberdade econômica e estimulem a concorrência e a competitividade. Essa tem sido a abordagem de economias bem-sucedidas, algo que muitos países latino-americanos ainda precisam adotar. 

IM: Ao analisar exemplos na América Latina onde governos de diferentes espectros políticos incorporaram elementos da agenda liberal, quais lições, na sua opinião, os defensores do liberalismo deveriam assimilar para promover suas ideias, tanto dentro quanto fora do âmbito político institucional? 

IV: É fundamental que os liberais clássicos, além de advogarem por reformas políticas alinhadas com um governo limitado, mercados livres e paz, também defendam os valores morais de uma sociedade livre. Isso inclui a importância da tolerância, da troca voluntária e do respeito pelas escolhas de vida alheias, desde que essas escolhas respeitem os direitos dos demais. Esses princípios constituem a base ética de uma sociedade verdadeiramente livre e fundamentada em princípios liberais. Defender esses valores é crucial, pois a política é, em última instância, um reflexo da cultura. O sentimento e as crenças culturais predominantes influenciam decisivamente as escolhas políticas e a conformação das instituições. A ausência dessa defesa pode resultar em países com políticas sólidas, mas que sofrem com um sistema político e uma sociedade que não valorizam a base moral dessas políticas bem-sucedidas. 

IM: Diante da valorização dos freios e contrapesos pelo pensamento liberal, como você aborda a crítica de que esses mecanismos podem gerar uma "vetocracia", paralisando a ação do Estado, sem comprometer a liberdade individual e a limitação do poder? 

IV: Reiterando o que Lord Acton expressou no século XIX, "o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente", essa máxima permanece verdadeira e relevante. É por isso que liberais clássicos, ou qualquer pessoa comprometida com a limitação do poder absoluto, não deveriam abandonar os sistemas de freios e contrapesos. Esses mecanismos são essenciais para restringir abusos de poder e não devem ser ignorados, mesmo que os resultados nem sempre sejam favoráveis. Abrir exceções nesse sistema é abrir caminho para todo tipo de abuso. Se houver casos em que os freios e contrapesos parecem restringir excessivamente o funcionamento do Estado, deve-se primeiro avaliar se isso é benéfico ou prejudicial. Limitar a ação do Estado não é necessariamente ruim e pode ser muitas vezes benéfico. Contudo, se esse impasse se torna um problema crônico, a solução pode estar em outro lugar, talvez no sistema político ou em outras instituições falhas da sociedade, ou até na cultura dominante. Portanto, é mais prudente abordar esses problemas subjacentes do que descartar um dos pilares fundamentais da liberdade. 

IM: Com iniciativas como o BRICS e a Belt and Road Initiative da China ganhando destaque na América Latina, qual é a sua avaliação da "Parceria das Américas para a Prosperidade Econômica", anunciada por Biden, em termos de impulsionar o comércio e a liberdade econômica na região? 

IV: A "Parceria das Américas para a Prosperidade Econômica" me parece uma iniciativa mais simbólica do que substancial. Ela parece ser motivada por uma combinação de preocupação com a influência da China na América Latina e o desejo de reduzir a imigração para os Estados Unidos. A administração Biden parece crer que, ao impulsionar essa iniciativa, poderá aprimorar a prosperidade latino-americana e, assim, diminuir a imigração para os EUA, inclusive a ilegal. Mas não acredito que esta iniciativa vá alterar significativamente os fluxos de imigração ou realmente combater a influência da China. Primeiramente, se fosse bem-sucedida em promover prosperidade, paradoxalmente, poderia até incentivar mais imigração para os EUA, já que mais prosperidade geralmente aumenta a capacidade de migração. Além disso, a iniciativa não parece focar o suficiente em promover a prosperidade de maneira ampla. Ela não estabelece uma área de livre comércio nas Américas, mas foca em setores específicos, seguindo uma lógica quase industrialista, que historicamente não tem sido eficaz. Sem fomentar a prosperidade por meio do livre comércio e uma maior integração imigratória, faz pouco para contrabalançar a China. Ademais, combater a China não parece um objetivo bem fundamentado. Embora a China possa fazer escolhas questionáveis em seus investimentos globais, boas oportunidades de investimento por parte dela deveriam ser vistas como vantajosas para os países latino-americanos, assim como as oportunidades oferecidas pelos EUA ou outros países. 

IM: Considerando a peculiaridade da Argentina, onde a liberdade política é significativa, mas a liberdade econômica é limitada, e levando em conta as tentativas de reformas liberais durante o governo Macri, que não conseguiram amplo apoio político nem os resultados esperados, quais lições sobre a viabilidade e impacto do liberalismo na América Latina podem ser aprendidas com as próximas eleições no país? 

IV: Uma lição importante da Argentina sob Mauricio Macri é que uma defesa apática das ideias e políticas liberais clássicas, aliada a uma abordagem gradual, não é eficaz. Os defensores do liberalismo clássico precisam comunicar de forma clara e consistente o motivo pelo qual toda a agenda política deve ser implementada integralmente. Caso isso não seja viável politicamente, deve ficar claro para o eleitorado por que optar por uma alternativa representa a escolha de políticas fracassadas, enquanto a opção liberal não testada permanece uma via viável. Este foi um problema na Argentina e, na minha visão, também no Chile sob Sebastián Piñera, que foi ineficaz na defesa do liberalismo e na promoção de uma agenda liberal, sendo identificado com essa agenda e falhando nesse ponto. Houve uma percepção equivocada de que o livre mercado ou a agenda liberal fracassaram. Demorou anos na Argentina até que alguém defendesse claramente uma abrangente agenda liberal clássica, e outra lição da situação atual da Argentina é que, quando essas ideias são defendidas de forma clara e coerente, elas são politicamente viáveis.