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Por que economistas são tão resistentes a política industrial?

Entendendo os princípios econômicos por trás da dificuldade de industrializar o país

O presidente Lula apresenta a nova política industrial do governo em Brasília na segunda-feira, 22 (Ricardo Stuckert/Divulgação)
O presidente Lula apresenta a nova política industrial do governo em Brasília na segunda-feira, 22 (Ricardo Stuckert/Divulgação)

O governo Lula anunciou nesse mês a nova política industrial, um plano de investimento de R$ 300 bilhões na indústria brasileira. A economista Zeina Latif e o jornalista Vinicius Torres Freire, entre outros, teceram suas avaliações do que foi apresentado, pontuando erros e acertos. 

O que é pouco claro para o público geral é por que os economistas da chamada ortodoxia, as escolas econômicas que dominam a produção de conhecimento no mundo há algumas décadas, veem essas políticas com tanto receio. Se os países ricos produzem tecnologias de ponta como semicondutores e automóveis, por que deveria o Brasil se relegar a exportar produtos de baixo valor agregado, como a soja e o minério de ferro? 

Para responder a essa pergunta, o economista David Friedman propõe um exemplo ilustrativo, aqui adaptado ao contexto brasileiro. Ele propõe que há duas maneiras de produzir carros. Em uma, você reúne engenheiros brasileiros, fabrica as chapas de aço no Brasil e monta tudo em uma fábrica no ABC. Na outra, você planta sementes de soja no Mato Grosso, colhe os grãos e os coloca em um barco no porto de Paranaguá, manda para a China e recebe de volta um barco cheio de Cherys e BYDs. 

Do ponto de vista de um economista, as duas maneiras de produzir carros são equivalentes, seja fabricando-os aqui ou usando a soja que produzimos como moeda de troca no comércio internacional. A verdadeira pergunta, então, não é se devemos ou não produzir carros, e sim de qual das duas maneiras obtemos o melhor retorno por nosso investimento. 

Considerando que um carro tem muito mais valor agregado, é natural imaginar que fabricá-los em território nacional é a alternativa que nos deixaria mais ricos. Mas há um problema fundamental com esse raciocínio: se essa fosse a escolha mais rentável, por que os capitalistas brasileiros não a adotariam? 

Se investidores e bancos cujo trabalho de vida é alocar recursos nos investimentos mais rentáveis decidem todos os anos que centenas de bilhões de reais devem ir para a exportação de produtos de baixo valor agregado, devemos nos perguntar por que essa é a escolha mais vantajosa, e não negar que essa seja a realidade. 

Na prática, são os problemas estruturais de falta de mão de obra qualificada, infraestrutura precária e regulamentação excessiva que fazem com que indústrias de alta complexidade não sejam a opção mais atraente. 

Mas pera lá. Não é justamente isso que a política industrial pretende remediar? Injetar capital na indústria nascente, para que ela possa se desenvolver a ponto de compensar o investimento, como as rodinhas da bicicleta que ajudam a criança a desenvolver as habilidades de mover os pedais e controlar o guidão antes que ela tenha o equilíbrio necessário para pedalar sozinha? 

O problema é que a política industrial, da forma que é comumente defendida e proposta no Brasil, não vai atacar essas barreiras fundamentais. O que ela faz é direcionar crédito barato a certas empresas e setores, distorcendo artificialmente a decisão de onde investir. Considerando que os gargalos da produção no Brasil são tão profundos quanto a qualidade de nossa educação e a insuficiência de nossa malha viária, como exatamente subsídios direcionados vão resolver esses entraves? 

Isso explica por que economistas tendem a ser céticos a investimentos do governo em setores específicos: se o investimento é tão bom, por que não atrai o setor privado? 

Uma possibilidade é o que os economistas chamam de externalidades positivas: quando o retorno de um investimento para a sociedade é muito maior do que para quem toma o risco. É o caso, por exemplo, da educação e da pesquisa de base, que geram efeitos positivos não refletidos no lucro que pode ser capturado. Por isso a Embrapa, por exemplo, é considerada um caso de sucesso de nossa política industrial. 

Não poderiam os empregos gerados no setor serem considerados externalidades positivas? Aqui voltamos ao raciocínio das duas maneiras de produzir carros de David Friedman. Quando preferimos a primeira maneira, estimulando a indústria nacional, não estamos simplesmente favorecendo os trabalhadores do setor; estamos, na verdade, privilegiando-os em detrimento dos envolvidos em toda a cadeia de produção da segunda maneira de produzir carros, dos trabalhadores rurais aos transportadores. Pode fazer sentido para determinados interesses políticos, mas não faz sentido econômico. Infelizmente, ainda não inventamos uma maneira de gerar empregos na canetada. 

Outro argumento comum é associar o investimento desproporcional em exportação de produtos de baixo valor agregado a uma falta de visão de longo prazo. De acordo com essa  visão, a nossa insistência na soja e no minério de ferro não vem de um melhor retorno e sim de uma visão míope, incapaz de investir no longo prazo, que só o Estado pode combater. 

No entanto, se é verdade que as pessoas tomam decisões excessivamente focadas no curto prazo, não teria por que o defeito estar restrito ao setor privado. Políticos sofrem do mesmo mal, com o ciclo eleitoral de quatro anos sendo ainda mais curto do que o ciclo de investimentos. Enquanto na iniciativa privada o mal da visão míope leva a investimentos subótimos, no governo ela se traduz em atender aos grupos de interesse que possam ser úteis nas próximas eleições. Assim, a política industrial no Brasil vira um instrumento para privilegiar grupos poderosos, terreno fértil para o clientelismo e a corrupção. 

Sobramos assim com uma política temporária que dura para sempre com o objetivo de  desenvolver uma indústria nascente que está sempre morrendo. Vão-se as bicicletas e sobram as rodinhas.