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Nova Política Industrial: um retorno ao passado com desfecho conhecido

Serão 300 bilhões de reais até 2026 para a chamada ‘neoindustrialização’, linhas de crédito subsidiadas e regras de nacionalização de insumos

Serão 300 bilhões de reais até 2026 para a chamada ‘neoindustrialização’, linhas de crédito subsidiadas e regras de nacionalização de insumos (FG Trade/Getty Images)
Serão 300 bilhões de reais até 2026 para a chamada ‘neoindustrialização’, linhas de crédito subsidiadas e regras de nacionalização de insumos (FG Trade/Getty Images)

Márcio Antônio Salvato*  (Diretor Geral do Ibmec BH) 

Reginaldo P. Nogueira Junior*  (Diretor Sênior do Ibmec) 

Ari Francisco de Araujo Junior*  (Coordenador do Curso de Ciências Econômicas do Ibmec BH) 

Quase duas semanas após o seu anúncio, o programa 'Nova Indústria Brasil - NIB', lançado pelo governo federal, ainda gera intensos debates sobre sua eficácia. Este programa estabelece metas e ações visando o desenvolvimento industrial até o ano de 2033. Serão 300 bilhões de reais até 2026 para a chamada ‘neoindustrialização’, linhas de crédito subsidiadas e regras de nacionalização de insumos. Segundo a proposta, pretende-se com isso estimular o desenvolvimento produtivo e tecnológico, ampliar a competitividade da indústria brasileira, nortear o investimento, além de promover melhores empregos e impulsionar a presença qualificada do país no mercado internacional. Argumenta-se que isso seja necessário para reverter a desindustrialização precoce do país, incorporando ações regulatórias e de propriedade intelectual, além de uma política de obras e compras públicas com incentivos a conteúdo local.  

É interessante ver os argumentos a favor da política. Discursos empolgantes falam de desenvolvimento e da “construção de um país competitivo, inovador e na vanguarda da transformação ecológica”, citando o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. As Federações das Indústrias e outras entidades empresariais parecem animadas, aguardando pela implementação do programa. 

Olhando mais atentamente, vemos a definição de seis metas: 1. Fortalecimento das cadeias agroindustriais, que prevê a mecanização de 70% dos estabelecimentos de agricultura familiar (hoje é 18%), com meta de 95% de equipamentos nacionais; 2. Nacionalização de 70% da demanda interna de medicamentos (hoje é 42%); 3. Melhoria do bem-estar das pessoas nas cidades, com investimentos para reduzir em 20% o tempo de deslocamento (hoje é 4,8 horas semanais segundo IBGE) e ampliar em 25 pontos percentuais a participação brasileira na indústria de transporte público sustentável (produção de ônibus elétrico, por exemplo) (hoje é 59%); 4. Transformação digital de 90% da indústria brasileira (hoje é 23,5%) e aumentar a participação brasileira no segmento de novas tecnologias, o que inclui a produção nacional de semicondutores; 5. Transição energética, ampliando em 50% a participação dos biocombustíveis na matriz energética de transporte (hoje é 21,4%); 6. Indústria da defesa, com o objetivo de alcançar a produção de 50% das tecnologias críticas para fortalecer a soberania nacional (energia nuclear, sistemas de comunicação e sensoriamento, sistema de propulsão e veículos autônomos e remotamente controlados). 

Uma coisa é certa: são metas ambiciosas, mas que devem ser avaliadas sob a luz de argumentos econômicos. Sempre devemos lembrar que os agentes respondem aos incentivos (e às alterações deles), recursos são escassos e o governo deve apontar de onde virá o financiamento. É legítimo fazer escolhas sobre alocação de recursos, mas para tudo sempre há custos de oportunidade. Aumentar os recursos para um sempre significa diminuir para outro. O leitor deve entender que fornecer subsídios tem preço. Um exemplo simples é a concessão de empréstimos por TR + 2% a.a., considerada uma taxa muito abaixo do mercado, possivelmente usando recursos do BNDES. Esse, por sua vez, tem parte de sua captação a partir de títulos da dívida, ou seja, capta-se recursos a uma taxa maior que a taxa de empréstimo, com o agravante de reduzir o volume de recursos disponíveis para empréstimo no mercado privado, aumentando a taxa média de juros. A própria existência de risco moral neste tipo de captação acaba por levar quem concede o empréstimo a utilizar observáveis como critério de concessão: as empresas maiores possuem geralmente colateral de melhor qualidade, sendo priorizadas.  

Como a questão fiscal brasileira é pressionada, as fontes de recursos concorrerão com outras demandas sociais. 

Além disso, da maneira como foi apresentada, a exigência de percentual de insumos nacionais fere o princípio econômico sobre vantagens comparativas. Não deveria ser meta de um país a nacionalização de produtos e insumos. Ao decidir que se deve produzir aquilo que não possui vantagem comparativa a priori, dizemos que estamos alocando recursos na produção daquilo que somos menos eficientes relativamente e o resultado disto é transferir para a população local um preço maior dos produtos. Isto gera perda de bem-estar da população nacional. Chamamos isto de ineficiência alocativa de recursos disponíveis. 

Alguns podem dizer que é exatamente a quebra dessa estrutura de ineficiência que se pretende atingir com essa regra de nacionalização de insumos e produtos. E podemos sim citar alguns casos de sucesso nesta direção. No agronegócio, desenvolvemos tecnologias para adaptar produtos de clima temperado para a zona tropical, como a soja no Centro-Oeste. O projeto de tecnologia aeronáutica iniciado no ITA, em parceria com o MIT, desempenhou seu papel na criação da Embraer. 

A construção de vantagens comparativas requer investimento na geração e atração de mão-de-obra qualificada. Processos de inovação requerem também expansão em quantidade de mão-de-obra qualificada. Não há neste plano de ‘neoindustrialização’ qualquer destaque de associação do desenvolvimento do setor de educação. Se, de agora até 2033, não houver uma ampliação educacional compatível, o que acontecerá é que estes postos de trabalho especializados serão escassos e caros, perdendo a possível vantagem comparativa. Por conta disso, qualquer choque negativo no futuro que gere o corte dos incentivos faz o setor morrer novamente. Já vimos isto algumas vezes em vários setores brasileiros, a exemplo da indústria naval. 

Para piorar, a moderna indústria parte de complexas cadeias globais de valor, na qual os ganhos de escala são fundamentais. As importações de insumos e componentes colocam a indústria local no mapa da indústria global, permitindo ganhos importantes. Estabelecer a priori regras de conteúdo local impede a participação nesse processo, criando ilhas produtivas pouco eficientes, e que não conseguem crescer ou sobreviver sem incentivos permanentes. 

Há vários exemplos de Políticas Industriais mundo afora, algumas exitosas, mas a grande maioria com relação custo/benefício não vantajosa. O grande desafio é evitar que haja captura por interesses privados. Já existem estudos no Brasil apontando que os créditos subsidiados do BNDES para grandes empresas não resultaram em desenvolvimento econômico significativo, ou seja, o mesmo resultado seria possível se acessassem o mercado de crédito internacional. Mas pode-se citar exemplos de alocação do recurso gerando movimento de empreendedores, inovação tecnológica e desenvolvimento econômico real, como é o caso do Porto Digital do Recife. 

Em outras palavras, Políticas Industriais são ‘escolhas’ que podem inclusive levar à concentração de recursos públicos nas mãos de poucos, aprofundamento de ineficiências alocativas, sem geração de inovação. Em geral, a Nova Política Industrial não parece ser muito nova. São velhas políticas com resultados de efeito potencial reduzidos já conhecidos.  

*As opiniões contidas nesse artigo são pessoais e exclusivas dos autores.