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Mario Vargas Llosa:&.

Em entrevista ao jornal argentino “La Nación”, na Feira do Livro de Buenos Aires, da qual quase foi impedido de participar por um grupo pró-Kirchner, Mario Vargas Llosa criticou o populismo na América Latina e defendeu o liberalismo: “Uma das grandes vitórias da esquerda mais dogmática consiste em que a palavra liberal, que é bonita porque está associada à liberdade, tenha se convertido numa palavra ruim”. A entrevista destaca a […] Leia mais

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Instituto Millenium

Publicado em 20 de abril de 2011 às, 18h31.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 10h15.

Em entrevista ao jornal argentino “La Nación”, na Feira do Livro de Buenos Aires, da qual quase foi impedido de participar por um grupo pró-Kirchner, Mario Vargas Llosa criticou o populismo na América Latina e defendeu o liberalismo: “Uma das grandes vitórias da esquerda mais dogmática consiste em que a palavra liberal, que é bonita porque está associada à liberdade, tenha se convertido numa palavra ruim”.

A entrevista destaca a personalidade do Nobel de Literatura “é simplesmente um brilhante e gentil homem de 75 anos resignado a ser Vargas Llosa. Não escolhe os temas literários, são eles que misteriosamente o elegem. Não escolhe defender apaixonadamente as ideias do liberalismo puro; são sua teimosa honestidade intelectual e seu compromisso político que o afastam do claustro do escritor e o empurram ao perigoso mundo das idéias”.

Abaixo, leia os trechos onde o escritor responde à perguntas sobre populismo e liberalismo,  a partir do questionamento sobre sua relação com o escritor argentino Julio Cortázar.

No site do Instituto Millenium, conheça as idéias liberais de Mario Vargas Llosa

Julio Cortázar

“Julio era como um jovem que falava de política com uma grande ilusão e generosidade, e também com uma grande inocência. Ele nunca conheceu essa trama suja, torcida, que tem a política, onde se mostra o pior que tem o ser humano. Não era um ideólogo. Lembro de tê-lo escutado dizer: “Leio as coisas de política, mas é impossível, em meia página me distraio”. Isso o salvava, nunca chegou a ser um intransigente nem fanático, sempre foi muito lúcido. E nessa última etapa creio que ele foi mais feliz, mas menos original como escritor. Quando ele encontrou essa felicidade, tornando-se de esquerda, um pouco hippie, sua literatura empobreceu, perdeu mistério.”

Ideologias 

É que as ideologias hoje foram à merda, não?”

Populismo

Mas essa é uma prática muito antiga. Uma prática na qual os políticos têm buscado êxito imediato. E o populismo é isso: sacrificar o futuro em nome de um presente que te dá popularidade. Hoje existem formas mais elaboradas, mas o populismo foi usado pelas esquerdas, pela direita, pelas ditaduras… É uma doença da política, mas não se pode chamar ideologia. Ideologia é uma espécie de religião laica que dá uma resposta completa para tudo e que, como as religiões, estabelece cânones, é uma forma de fanatismo laico.

Censura 

Me dá pena. É triste que intelectuais, colegas que sofreram com a censura, a pratiquem. Me entristece, me desconcerta… Na América Latina temos padecido em demasia as exclusões e os endurecimentos forçados para crer que isso pode resolver problemas ou que pode ser uma conquista política.

“ideólogo da direita”  

A mim não importa nem um pouco (risos). Isso se disse como uma espécie de exorcismo. E já perdi o medo dos exorcismos. Quando era jovem tinha medo, não gostava que me dissessem que era de direita.

Liberalismo 

É uma das grandes vitórias da esquerda mais dogmática: que a palavra liberal, uma palavra linda, associada à liberdade, tenha sido convertido em uma palavra ruim. Liberal é um amante da liberdade. Quer dizer tolerância, a possibilidade de aceitar estar errado. Quer dizer democracia, defesa dos direitos humanos. Defesa do indivíduo frente ao Estado… O liberalismo é a melhor tradição da Humanidade e é terrível que tenha sido deformada até ter uma conotação puramente econômica e que, além disso, em muitos casos está totalmente errada.

Porque não é verdade que o liberalismo seja simplesmente uma doutrina de ordem econômica que está disposta a sacrificar, por exemplo, a liberdade política em nome da liberdade econômica. Nenhum liberal defende coisa semelhante. A liberdade é um todo que deve organizar todos os níveis do social, desde a cultura. E o liberalismo é uma fonte de grandes progressos no campo político e nos direitos humanos. O liberalismo não é uma ideologia, é uma doutrina que tem princípios dentro dos quais cabem matizes enormes: basta ir a um congresso para ver que estão mais divididos que os trotskistas. Então dizer “liberal” não define uma pessoa. Sim, é um triunfo da esquerda ter conseguido demonizar esta palavra.

” É preciso reagir diante dos lugares comuns se você quer que a ideologia não seja uma inquisição permanente. As inquisições políticas e religiosas precisam ser combatidas. Precisamos criar um mundo onde seja possível o diálogo entre adversários, entre gente que pensa diferente “

Esquerda  e  Direita  

Hoje é cada vez mais difuso dar um conteúdo a esses conceitos, sobretudo porque temos na América Latina, por sorte, uma esqueda que, apesar de se dizer socialista, é social-democrata: crê na democracia, no mercado, na empresa privada. Ocorreu com a Concertación no Chile, aconteceu no Brasil, no Uruguai. Justamente porque essa esquerda existe,a democracia não se enfraquece. Assim como, por sua vez, existe uma direita democrática, que na América Latina também era raridade no passado. Hoje temos países como Colômbia e Peru, com governos de direita e onde a democracia não ficou debilitada, ao contrário.